N.º 13 - April 2017

José Manuel de Sacadura Rocha, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Centro de Educação, Filosofia e Teologia, Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura. Rua da Consolação, 930, 01302-907 São Paulo, Brasil. E-mail: jsacadura@bol.com.br

Pachukanis. Política criminal e prisões na pós-Modernidade

Resumo: Aborda-se a obra de Pachukanis com relação ao sistema penal e às práticas jurisprudenciais, fundamentalmente a derivação entre o modus operandi de sociedades produtoras de mercadorias e a forma jurídica. No bojo do desenvolvimento mercantil moderno as políticas criminais e as penas privativas de liberdade são determinadas historicamente como necessidade logística da gestão das massas disponíveis ao trabalho e das punições. Contudo, na pós-Modernidade o “trabalho” já não representa o interesse maior da reprodução do capital global, o que leva ao colapso dos sistemas penais e prisionais, servindo estes como verdadeiros instrumentos de exclusão social.

Palavras-chave: Criminologia, Prisão, Pachukanis, Pós-Modernidade.

Pachukanis: Critical policy and postmodernity prisons

Abstract: The work of Pachukanis is approached in relation to the penal system and the jurisprudential practices, fundamentally the derivation between the modus operandi of companies producing goods and the legal form. In the bosom of modern mercantile development, criminal policies and deprivation of liberty are historically determined as the logistical necessity of managing the masses available for work and punishment. However, in postmodernity “work” no longer represents the greater interest in the reproduction of global capital, which leads to the collapse of the penal and prison systems, serving as real instruments of social exclusion.

Keywords: Criminology, Prison, Pachukanis, Postmodernity.

Introdução

O filósofo do Direito Evgeny B. Pachukanis (1891-1937), quando se perguntava que forma o Direito Penal assumiria após o fim da sociedade de classes e a supressão do Estado capitalista burguês, concluía que pouco se transformariam as tipologias criminais e as punições — reparação retributiva, proporcionalidade, quantum de periculosidade, prevenção etc —, enquanto a forma mercadoria perdurasse na sua lógica mercantil de subjetividade, quantificação e equivalência de transações. Diz Pachukanis que:

não podemos limitar-nos na análise da forma jurídica à ‘pura ideologia’, (…) e que, por conseguinte, toda a teoria geral do Direito e toda a jurisprudência ‘pura’ não são outra coisa senão uma descrição unilateral, que abstrai de todas as outras condições das relações dos homens que aparecem no mercado como proprietários de mercadorias. (Pachukanis, 1988, p. 13)

Contudo, se isto é válido para as sociedades capitalistas, também o é para as socialistas, na medida em que:

Não é suficiente apresentar o conceito de culpabilidade apenas como um preconceito a fim de que imediatamente se possa introduzir na prática uma política penal que torne tal conceito efetivamente supérfluo. Enquanto a fórmula mercantil e a forma jurídica que dela origina continuarem imprimindo à sociedade a sua marca, a ideia, no fundo absurda, ou seja, do ponto de vista não jurídico, de que a gravidade de todo delito possa ser medida e expressa em meses ou anos de prisão, conservará, na prática judiciária, sua força e a sua significação reais. (Pachukanis, 1988, p. 133)

As modernas doutrinas penais contemporâneas têm observado que a conduta delituosa não pode ser compreendida como um ato isolado, um acontecimento per se, cuja origem aparece superficialmente como desatino do sujeito, mas deve ser inserida no mundo social, como produto, portanto, de relações sociais. A abordagem iminentemente sociológica não chega, modernamente, a ser inusitada, pois a mesma ideia do infrator como ser social já estava presente na Antiguidade, nas palavras de Aristóteles na “Ética a Nicômaco”, para quem:

A amizade também parece manter unidos os Estados, e dir-se-ia que os legisladores têm mais amor à amizade do que à justiça, pois aquilo a que visam acima de tudo é à unanimidade, que tem pontos de semelhança com a amizade; e repelem o facciosismo como se fosse o seu maior inimigo. E quando os homens são amigos não necessitam de justiça, ao passo que os justos necessitam também da amizade; e considera-se que a mais genuína forma de justiça é uma espécie de amizade. (Aristóteles, 1991, VII, 1, p. 171)

Não que para Aristóteles a lei tenha menos importância, pelo contrário,

Como vimos que o homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo, evidentemente todos os atos legítimos são, em certo sentido, atos justos; porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos, e cada um deles, dizemos nós, é justo, (Aristóteles, 1991, V, 1, p. 98)

mas para além da lei a amizade, ou seja, a relação social é o fundamento da paz e harmonia da sociedade e do Estado. Nestes termos ainda, Cesar Augusto Ramos cita:

No Livro IX da ‘Ética a Nicômaco’, o filósofo, ao analisar a virtude ética da amizade, observa que a felicidade está atrelada à convivência humana, ao fato do viver junto com os outros em relações de compartilhamento social, uma vez que ‘não menos estranho seria fazer do homem feliz um solitário, pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade’. (Aristóteles, citado por Ramos, 2014, pp. 2-3)

Neste sentido, os aspectos mais relevantes para uma abordagem criminológica pós-moderna passa pela relação social; mas as relações sociais efetivas são perpassadas pelos modos de produção, pelas formas concretas como os agentes sociais se organizam para produzirem os bens necessários à sua sobrevivência. Por sua vez, esta organização específica ou modo de produção movimenta-se continuamente perfazendo de forma material e formal um sistema de protocolos que se estendem às formas política, jurídica e cultural. Desta forma, abordar o fenômeno de encarceramento hoje e sua funcionalidade social remete ao estudo do modo de produção capitalista em seu estágio mais avançado de fabricação e circulação de mercadorias.

Advento do pensamento criminológico

Foi a ideia de relação social, em síntese, que a Criminologia, a seu tempo, resgatou de tão longa data, ainda que de forma tortuosa, como no caso dos positivistas, que mesmo admitindo pelo viés da sociologia durkheimiana que o indivíduo está limitado em seu livre-arbítrio, devido às condicionantes morais e normativas da sociedade, ele é responsável pelos seus comportamentos — atos de vontade — e como tal deve ser punido, pois a punição funciona como prevenção. Claro que esta visão, que remonta ao século XIX, às tipologias fisiológicas e ao ativismo de Cesare Lombroso exige outra presunção especulativa e outra determinação in abstrat que está diretamente ligada à formação das sociedades de mercado a partir do século XIX, a ideia de um quantum de periculosidade inerente ao homem. Assim, todo o homem estaria fadado a cometer crimes.

Neste sentido, Enrico Ferri, em sua “Sociologia Criminal”, declara que:

Por isto a negação do livre alvedrio, em ligar de ser, como afirmam os espiritualistas, a fonte de todos os males, é fértil em efeitos benfeitores na vida social e moral, posto que ensina a tolerância das ideias, inspira a indulgência recíproca, e aconselha na pedagogia e na arte de governar, a higiene moral que previne os maus sentimentos em vez de reprimi-los com rigor quando tem tomado corpo; é, por último, a condição inevitável de toda teoria e de toda prática sociológica. (Ferri, 2006, p. 25)

Na verdade, o ativismo dos positivistas era fundamental para os Sistemas Penais que deveriam estar relacionados com a obediência e a ordem necessárias ao sistema capitalista de produção — produção industrial especializada de mercadorias. Isto, obviamente, antes como ainda hoje, nunca é levado em consideração e explicitado pelo positivismo jurídico em suas teorias criminais. Por isso, o ativismo sociológico que fundamenta o Direito Positivo como originário do fato social tem vida efêmera, na medida em que a relação social que está aqui representada nunca é colocada em termos concretos da realidade social, por exemplo, quanto ao status e posição econômica dos indivíduos na sociedade, na produção e distribuição de riquezas sociais etc., algo que era fundamental à relação social de Aristóteles (1991), considerada nos tipos de justiça, distributiva e corretiva.

Os positivistas penalistas concordam com Cesare Beccaria (2003) (em “Dos Delitos e das Penas”), quando este afirmava que a violência se alimentava da impunidade, e não da punição em si. Acontece que esta semelhança não pode ser considerada seriamente, ao menos por dois motivos: 1. Beccaria (2003) estava, no século XVIII, tentando colocar racionalidade no sistema penal do Velho Regime, portanto, ao tempo das monarquias absolutas onde, segundo as palavras de Michel Foucault (2002) (em “Vigiar e Punir”), a soberania ditava os conteúdos — morais e de direito material — e as formas processuais de acordo com seus próprios interesses e das classes dominantes ao seu redor (nobreza latifundiária e eclesiástica); 2. Beccaria, de sua forma e ao seu tempo estava na verdade denunciando a tirania do poder (que opunha à justiça: “todo exercício do poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça” (Beccaria, 2003, p. 23) e o extremo subjetivismo das vontades arbitrárias no âmbito do sistema penal.

Portanto, um contexto em que o arbítrio das vontades suspeitas, o suplício e a degradação dos apenados antecediam inevitavelmente à pena de morte executada com os máximos requintes de violência e dor, só comparados, talvez, às penas das sociedades babilônicas e assírias de 4000 anos antes.

Não se tratava ainda da realidade do século XIX, das “sociedades de disciplina” (Foucault, 2002), regidas por estamentos burocráticos, normas e um Direito que tinha que ser adaptado à realidade fabril, liberal e burguesa, após a Revolução Industrial e Revolução Francesa. Além disso, Beccaria pensava em termos de certa psicologia do comportamento humano (“sentimentos indeléveis do coração do homem” (Beccaria, 2003, p. 21)), enquanto a sociologia criminal de Lombroso (2007), Ferri (2006) e Garofalo (1997), pensam o homem como res in natura, ferramenta inserida na moderna realidade de produção mercantil burguesa. Visam deste modo ao controle das massas de trabalhadores e das multidões de mendigos, prostitutas, doentes e todos aqueles que de alguma forma parecem impedir a “ordem” necessária ao “progresso” das sociedades capitalistas, onde impera o trabalho fabril abstrato produtor de mercadorias — não mais a produção concreta de utilidades —, e a hegemonia política das classes detentoras de riqueza em “forma de dinheiro” — não mais exclusivamente de títulos nobiliárquicos ou de terras (Marx, 2015).

Mas o controle ainda é a atual realidade criminológica, principalmente no que se refere aos países que habitam a periferia do sistema globalizado de mercadorias e capitais. Como Beccaria havia dito: “É porque o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a ideia da força e do poder, em lugar da justiça” (Beccaria, 2003, p. 29).

A diferença é que hoje as “sociedades de controle” (Deleuze, 1992), dispõem de mecanismos cibernéticos e espaciais de controle, impostos e avalizados pelas mídias oficiais, onde, afinal, se causa “sentimentos indeléveis do coração do homem”. Esta foi a grande “descoberta”, desde o século XIX, dos sistemas penais e da abordagem “humanista” moderna, que está na origem das punições privativas de liberdade, pois como Foucault (2002) diz, a prisão — assim como as demais instituições de clausura — visam a corrigir o espírito mais do que a matar e mutilar os corpos, já que esta é a condição de “domesticação” da mão-de-obra servir obstinada e sem enfrentamento o capital e suas máquinas de produção mercantil.

É bem verdade que nos países no centro do desenvolvimento tecnológico e científico patrocinado pelo capital, as prisões e as clausuras têm demonstrado a superação da fase correcionalista defendida em uma determinada visão das teorias criminológicas — Pedro Garcia Dourado Montero (1999) em “Direito Protetor dos Criminosos” —, e isto se deve ao alto grau de desenvolvimento de riquezas materiais e da extrema reprodução do capital através da substituição do trabalho vivo (trabalhadores) pelo trabalho morto (máquinas e tecnologias autônomas).

Todavia como os sistemas produtores de mercadorias são altamente concentradores de riqueza e conhecimento, na periferia do capital global se agigantam as diferenças, as exclusões, a miséria, as doenças e, consequentemente, toda a sorte de barbárie indigente e perversidade acéfala que a humanidade é capaz de produzir, a começar pela precariedade dos subsistemas de saúde, saneamento, moradia, escolaridade e alimentação. Tudo isso acaba, inevitavelmente, nas prisões do submundo do submundo da globalização.

Enfim, nenhuma teoria criminal pode passar ao largo da realidade social e das relações sociais concretas estabelecidas na conformidade do mundo global de produção de mercadorias, pelo menos desde o século XIX, e do desenvolvimento do sistema de produção capitalista. Mesmo os avanços posteriores à escola criminológica, no pós-Guerra, a partir da década de 1950, por conta da visão cunhada de Vitimologia — Luis Jiménez de Asúa (1945) em “Princípios de derecho penal: La ley y el delito” —, onde o crime deixa de ser considerado como conduta subjetiva do indivíduo, onde a vontade e a consciência deixam de se apresentar fundidas quando dos atos e nas condutas delinquentes, onde se parte do sujeito inserido no meio, ainda aqui, falta dizer algo do que se trata este meio.

Os autores da Vitimologia com acerto dizem que a sociedade é vítima das políticas e das doutrinas penais, mas falta bastante ênfase em dizer que se trata de políticas e doutrinas penais derivadas das necessidades do mundo abstrato de produção de mercadorias, isto é, onde o trabalho industrial abandona de vez a relação subjetiva entre o objeto produzido e o trabalho concreto que o produz pelas mãos do trabalhador (como valores de uso), substituindo essa relação direta pelo trabalho em abstrato, pois o que move o moderno sistema fabril é a relação entre a produção de mercadorias que se transformam (como valores de troca) nos meios de reprodução infindável de acumulação de capital.

No cerne da jusfilosofia que diz respeito às teorias penais está a construção da Modernidade, que a um tempo é a indiferença, a flexibilização cultural, a abstração conceitual, e tudo isso paradoxalmente amalgamado pelo mundo da produção de mercadorias e pela reprodução da transação dos valores meio à globalização de acumulação de capital. Neste espiral a “eternidade” é quantificável em condições ótimas, sempre maximizadas para a competição desenfreada e hiperbolização mecânica da ciência e do conhecimento. Nisso nada de humano se perpetua, sequer é, em algum momento fugaz, considerado. As relações sociais em todas as dimensões, da amizade à responsabilidade política (da polis) se desfazem e se aniquilam nas ambiguidades entre o humano e a sobrevivência patrocinada pela forma dinheiro. Não escapa ileso o Direito, as doutrinas e as jurisprudências especificamente no que concerne ao sistema penal.

Tal pensamento, entretanto, pode ser encontrado nos escritos ligados às matrizes marxistas. Só aqui, de forma efetiva, as possibilidades de uma jusfilosofia crítica das políticas e práticas penais podem ser completadas. A relação entre a produção mercantil nos termos de especificações técnicas e quantidades objetivadas, e a racionalidade punitiva das políticas, doutrinas e práticas no âmbito da jurisprudência dos sistemas penais, guarda as proporções e derivações necessárias e lógicas da “virtude” da reprodução do capital, como já se disse de Pachukanis.

Pachukanis e a criminologia da forma mercadoria

Em termos gerais, Pachukanis ao abordar a Criminologia, em sua época, no auge da Revolução Russa de 1917-1918, com a necessidade de formular uma nova política jurídica a orientar a reconstrução de uma jurisprudência socialista, ousou com relação à doutrina criminológica ultrapassando as fronteiras dos modelos das sociedades de classes, positivistas, bem como as visões psicologistas de seus contemporâneos.

Para este autor, a Criminologia burguesa “progressista”, quando ela tenta fugir do atavismo lombrosiano e/ou sociologismo criminal, cai estéril nas visões correcionalistas e vitimalistas, porquanto a ressocialização do delinquente e apenado não observa nenhum sentido e eficiência quando inserido em uma sociedade discriminatória, exploratória e exclusiva. As melhores práticas, as doutrinas mais bem intencionadas são solapadas incontinentes pela desumanidade que elas encerram — ainda por força de organização social mercantilista, cujo ethos é a máxima exploração (do ambiente e do homem), o que só pode ser consistente e duradouro por vias de uma dominação jurídica-estatal. Neste sentido, Pachukanis (1988) recusa o tratamento da criminalidade a partir do fisiologismo etiológico e os conceitos da abstração jurídica positivista, como culpabilidade, corpo delito, responsabilidade penal, prevenção geral, periculosidade, dosimetria punitiva, progressão de regime etc.

A supressão da forma jurídica depende da emancipação radical em relação a todas as sobrevivências (também à pena e ao Direito Penal) dos antagonismos de classes e dominações do poder (estatal, tecnocrático), porém, essencialmente do fim da forma econômica de produção de mercadorias.

Marx mostra simultaneamente a condição fundamental, enraizada na estrutura econômica da própria sociedade, da existência da forma jurídica, ou seja, a unificação dos diferentes rendimentos do trabalho segundo o princípio da troca de equivalentes. Ele descobre assim o profundo vínculo interno que existe entre a forma jurídica e a forma mercantil. Uma sociedade que é coagida, pelo estado das suas forças produtivas, a manter uma relação de equivalência entre o dispêndio de trabalho e a remuneração sob uma forma que lembra, mesmo de longe, a troca de valores-mercadorias, será coagida igualmente a manter a forma jurídica. Somente partindo deste momento fundamental se poderá compreender por que razão toda uma série de outras relações sociais reveste forma jurídica. Porém, daí até se concluir que os tribunais e as leis devam existir sempre, uma vez que, mesmo um estado de abundância econômica não fará desaparecer todos os delitos contra a pessoa, equivale a tomar por essenciais e fundamentais momentos que são secundários e derivados. (Pachukanis, 1988, p. 29)

As contribuições de Pachukanis só podem ser entendidas com o fim do Direito Penal, e apenas ao término da forma mercadoria, independente das tentativas ataviadas do jurista liberal no estágio atual do desenvolvimento antagônico das sociedades de mercado, cuja globalização só faz mais e mais aparecer esse atavismo: um ódio aos países limítrofes, um ódio aos países periféricos, um ódio às comunidades resistentes (indígenas, pequenos agricultores, ambientalistas), um ódio aos refugiados das guerras, um ódio aos excluídos, aos negros, aos favelados, aos mendigos, aos consumidores de drogas (lícitas e ilícitas), aos doentes mentais (e doentes de forma geral) etc.

De tal forma o autor está a criticar os “capitalismos” que não abandonam a forma de produzir mercadorias com vistas à acumulação de capital, considerando que afinal um direito de esquerda ainda será capitalista se a forma mercantil não for abandonada. O Comissariado do Povo para a Justiça (ex-U.R.S.S.), em 1919, proclamou a superação da culpabilidade e a pena como medida de defesa social, mantendo apenas seu valor demonstrativo. Contudo, a mera modificação de nomenclatura não superou a forma jurídica do Direito Penal, como Pachukanis (1988) argumentara, haja vista que a superação do psicologismo e sociometria positivista enfocam a determinação normativa objetiva, enquanto que os fundamentos de uma teoria criminal pachukaniana foca a relação social subjetiva.

Mas aqui se deve o cuidado a ver que esta relação social não é uma relação social qualquer, genérica e universal, à la o estabelecido e ainda presenciado nas sociedades mercantis, determinadas pela forma monetária, mas uma relação social de sujeitos autônomos e predispostos a pensar a liberdade e a realização individuais pelo prisma, pelo filtro da vida boa da coletividade, com distributividade e corretividade ampla, pelo menos para aquilo que diz respeito aos bens materiais e imateriais fundamentais: saúde, moradia, educação, mobilidade, cultura etc, que, por sua vez, dependem de uma quantidade especifica e especial de políticas e investimentos públicos cuja destinação, efetivação e fiscalização orçamentárias são melhores realizadas quando os sujeitos estabelecem autônoma e localmente sua gestão.

Por isso o autor afirma que o discurso hegemônico, ao mesmo tempo banal, que “mesmo um estado de abundância econômica não fará desaparecer todos os delitos contra a pessoa” (Pachukanis, 1988, p. 29) a justificar o Direito positivista burguês e nas suas variações “progressistas” apenas serve para distrair do fundamento que uma sociedade mercantilista, pela realização monetária, é em si mesma antagônica, autoritária e absolutamente excludente. Assim posto, deve-se pensar inicialmente no ethos monetarista que fornece a virulência mais abundante e crucial nas sociedades de mercado também em tempos de globalização.

Os sistemas penais das sociedades de mercado derivam de duas condições: 1. Da essência antagônica, irrecusável, da existência em seu seio de classes sociais; 2. Do fundamento histórico determinado da essência infindável de reprodução de capital e sua acumulação. Exatamente por vias do sistema jurídico-estatal, seja nos sistemas liberais anárquicos ou no estatismo planificado, a apropriação de riqueza social global entra na circulação para sua realização e é distribuída; ao mesmo tempo é investida em parte de volta na produção e desenvolvimento de novas tecnologias e ciências — inclusive as de cunho teórico e doutrinário — a serviço da extração de excedentes de valor sempre crescentes por força da concorrência. É isso que se observa no estágio mais atual e dinâmico das sociedades em tempos de globalização — onde os “gigantes” (empreendimentos, povos e Estados) prosperam e os mais “atrasados” sucumbem à concorrência —, e é por isso que a forma jurídica “progressista” não pode superar a si mesma.

Nas palavras de Robert Kurz:

O estatismo, na condição de parte integrante do sistema produtor de mercadorias, insere o socialismo real do Leste no continuum da modernidade ao invés de apresentar um processo evidentemente equivocado. Essa continuidade se estende desde o absolutismo esclarecido do Ocidente até o atual Estado de crescimento, e inclui ainda o socialismo real baseado na economia de guerra; o fim comum a ambos consiste em impor a subordinação das necessidades, finalidades e intenções humanas à riqueza nacional abstrata de um sistema produtor de mercadorias e ao seu crescimento e também ao direcionamento sistemático dos homens a esta finalidade ‘sem sentido’. (Kurz, 2004, pp. 64-65)

Em continuidade, escolas como de Abolicionismo Penal (Louk Hulsman, Thomas Mathiesen) e variações da chamada Criminologia Crítica (Juarez Cirino), ainda contribuem pouco para a reformulação mais radical e cabal dos sistemas punitivos alimentados estes pelas políticas criminais onde impera o poder do mercado e suas forças de repressão. A análise mais contundente e surpreendente de Pachukanis (1988) (cuja obra foi escrita em 1924!) leva-nos a concluir que o problema maior destes autores é não terem efetuado a devida correlação entre a estrutura que se reproduz pela forma de produção de mercadorias e a superestrutura da forma jurídica que se movimenta por conceitos abstratos, derivada daquela. Na melhor das hipóteses, dado o ambiente concreto da reprodução de capitais a partir da inexorável dinâmica produtiva de valores de troca e o trabalho abstrato que os produz como fetiches, o mais longe que a mais crítica criminologia pode alcançar é, no limite, a compreensão que o Direito Penal surge, antes de tudo, dos antagonismos incontornáveis das classes em sociedades mercantis.

O primeiro movimento a ser entendido, sem dúvida, é a luta de classes, o que levava a ortodoxia de esquerda a proclamar a ditadura do proletariado: ela visava acabar com as classes sociais (não apenas a dos patrões, mas também das próprias classes operárias e campesinas, pois uma não pode existir sem a outra!), os seus antagonismos e a repressão dos donos dos meios de produção e do capital sobre as demais classes. O segundo movimento diz respeito às formas derivadas que se localizam na superestrutura, tal como a forma jurídica. Neste segundo momento-movimento o Direito que não é burguês, não visa mais à repressão das massas trabalhadoras e as excluídas do mundo do trabalho, mas não pode sair imediatamente das formas abstratas do jurídico positivista e da etiologia lombrosiana, ou da psicologia subjetiva das formas superiores de consciência (tanto para estabelecer a violência irrecusável e inesgotável do homem-trauma, como para reeducar a psique do magistrado etc.), se não superar a fabricação de valores de troca enquanto forma abstrata do mercado para a reprodução de capital.

Toda a abstração, generalidade e poder punitivo derivam de necessidades de base, e apesar de seus movimentos próprios, atualizações, reformulações, construção da doutrina hegemônica e da jurisprudência pacificada, não alteram, por si só, as percepções restritivas de quantidades e prevenções genéricas para indivíduos tão abstratos como as mercadorias que produzem, por julgamentos em suspenso e absolutamente nada a ver com as causas do ato delituoso, mas com a ordem imprescindível ao mundo das mercadorias. Pachukanis (1988) já havia chamado a atenção para a distinção que o Direito positivista burguês fazia entre as funções reais da pena e as funções manifestas: todas as funções manifestas são transviadas pelo formalismo da determinação normativa (Kelsen, 2009) para esconder as funções reais desse Direito, que é a dominação e a extração de mais valor de forma privada pelo capitalista, usando-se os variados meios que historicamente reprimem as manifestações das massas trabalhadoras e excluídas e as empurram para o proselitismo da “democracia” participativa, no âmbito sindical, político e econômico.

As prisões na pós-Modernidade

A criminologia de Pachukanis (1988) parte do reconhecimento das condições materiais e necessárias da formação das sociedades mercantis modernas, hegemonicamente direcionadas na conformidade da reprodução do capital. Isto impede levar os sujeitos de direito, as partes, isonômica e autonomamente à dissolução de conflitos e ao estabelecimento racional dos meios preventivos de atos delinquentes e medidas socioeducativas humanizadas. Por isso, conforme Pachukanis (1988) previra, as prisões são instituições próprias à dinâmica das sociedades mercantis e sua inauguração devia-se à repressão dos trabalhadores, à hegemonia da classe dominante, à manutenção da “ordem” burguesa de forma geral, pelo menos até o início do século passado.

Quanto mais o domínio da burguesia foi sacudido, mais estes adendos se tornaram comprometedores, e com maior rapidez ‘o Estado Jurídico’ se transformou numa sombra imaterial, até que, por fim, o agravamento extraordinário da luta de classes obrigou a burguesia a desmascarar completamente o Estado de direito e a desvendar a essência do poder de Estado como a violência organizada de uma classe da sociedade sobre as outras. (Pachukanis, 1988, p. 103)

Contudo, nas sociedades pós-modernas, a partir da segunda metade do século XX, as prisões já não representam nenhuma dessas funções reais, e a sua função é a segmentação pela total exclusão e eliminação das grandes massas de indivíduos que, por força da própria irracionalidade mercantil e pela sempre crescente concorrência como modus operandi da reprodução do capital, joga milhões de pessoas no mundo do “absolutamente nada”.

Maquiavel dizia que a política não deveria preterir nenhum cidadão a ponto em que ele já não tivesse nada a perder. A voracidade da reprodução do capital em tempos de globalização não pode resolver mais a espiral de desemprego, de salários míseros, da exclusão do trabalho humano, da predação do meio ambiente, da perseguição às comunidades autossustentáveis, da vida insalubre e sem sentido para milhões de pessoas a cada ano. Os jovens não têm nada a esperar do futuro! Jovens negros, pardos, mulheres negras e pardas, das favelas na América Latina, na África, no Oriente, na Ásia, e nos mais longínquos rincões limítrofes do sistema de produção de mercadorias, devem esperar exatamente o quê dos tempos vindouros?

E para que a “miséria da filosofia” não nos venha, uma vez mais, démodé, dizer que os pobres não são bandidos deve-se afirmar que concordamos exatamente com isso, isto é, que os maiores bandidos não são os pobres (Aristóteles, 1991). Está-se aqui a falar apenas de condições concretas de existência que nem todos têm “voluntariamente” a mesma oportunidade de experimentar!

Da mesma forma que Marx e Engels haviam previsto a resistência dos trabalhadores e a formação de sua consciência coletiva como classe (consciência para si), agora as prisões, e as casas de correção de adolescentes infratores, são os lugares disponíveis no sistema monetário de mercadorias onde os “enjeitados” obtêm as condições melhores de sua organização e alistamento em face do esgotamento do poder público oficial. “Ora, a indústria, desenvolvendo-se, não somente aumenta o número dos proletários, mas concentra-os em massas cada vez mais consideráveis; sua força cresce e eles adquirem maior consciência dela” (Marx e Engels, s/d, p. 28).

Se no século XIX os trabalhadores não tinham outra forma que agirem com violência dentro das fábricas contra seus exploradores e a dominação político-jurídica do Estado, os “marginais”, os “operários voluntários do crime” pós-modernos não têm outro modo de reagirem contra o fracasso e a iminente superação do mundo de fetiche do trabalho produtor de mercadorias, que a violência no domínio do espaço prisional de desumanidade que por condenação são forçados a ocuparem. Não havia sistema de justiça antes, como não existe hoje!

Profético, Marx escreveu acerca da Revolução Industrial inglesa:

Os pais da atual classe trabalhadora foram inicialmente castigados por sua metamorfose, que lhes fora imposta, em vagabundos e paupers. A legislação os tratava como delinquentes ‘voluntários’ e supunha depender de sua boa vontade que eles continuassem a trabalhar sob as velhas condições, já inexistentes. (Marx, 2015, p. 806)

Independente de qual época se esteja, sob o manto nefasto e desesperador do monetarismo, a cada ciclo o mesmo se repete inexoravelmente. Os vagabundos e paupers de ontem e de hoje servem sempre a certo desempenho da “ordem” e da normalidade, pouco importando as causas (sociais) do ilícito e as consequências (sociais) da ação jurídica punitiva, dando a impressão que a simples punição judicial restabelece como que em um passe de mágica os protocolos da ética e da paz perdida.

Neste sentido, Pachukanis esclarecia que:

O interesse atribuído aos métodos de ação de grande fôlego sobre o delinquente é insignificante se comparado ao interesse suscitado pelo fascinante momento em que é pronunciada a sentença e determinada a ‘medida penal’. As questões da reforma judiciária não preocupam senão um reduzido círculo de especialistas. Em contrapartida para o público o cerne da questão consiste no fato de saber se a sentença corresponde à gravidade do delito. Para a opinião pública, uma vez que o tribunal tenha determinado corretamente o equivalente, tudo se encontra, por assim dizer, em ordem e o destino posterior do delinquente já não interessa quase a mais ninguém. (Pachukanis, 1988, p. 131)

Para o senso comum e para as consciências limitadas, a “desordem” dentro da “ordem” liberal burguesa reforça a ideia sociopata lombrosiana, sociologista comportamental, e psicanalítica da violência traumática do homem, e tudo isso pelo discurso do poder que alimenta a narrativa conservadora e autoritária do direito positivo oficial com agravamento de penas, suspensão de direitos e garantias fundamentais, rancor contra a dignidade humana; por fim, a brutalidade e retrocesso civilizatório com medidas como o desterro (de lá para cá, e de cá para lá), Regime Disciplinar Diferenciado de Prisão (RDD), privatização da tutela constitucional do apenado e, sempre presente, a pena de morte.

Conclusão

Evgeny Pachukanis ajudou a enterrar a corrente criminológica etiológica, individual e psicologista, quando refutou a ideia de seus contemporâneos (Rejsner, e principalmente Stuchka), afirmando que, após a Revolução de Outubro e formação da U.R.S.S., não seria pela reeducação que viria a emancipação das formas e práticas jurisprudenciais dos magistrados, destes e dos demais operadores judiciais. Essas ideias são iminentemente típicas e propícias às sociedades mercantis modernas consolidadas na “democracia” pela revolução burguesa a partir dos finais do século XVIII e século XIX. Mas são as mesmas que permanecem na grande parte formadora de opiniões sobre as políticas de segurança pública e justiça criminal hoje!

Em paralelo, Pachukanis colocou de forma cabal a superficialidade do direito positivo nas sociedades sob o jugo do capital, cuja determinação normativa não pode superar os antagonismos, primeiro das classes sociais, depois da necessidade de reprodução “selvagem” do capital-dinheiro. Por isso, suas ideias foram centrais à superação dialética da microcriminologia pela macrocriminologia, onde o indivíduo deve ser entendido como permanente nas relações sociais e a infração considerada concretamente em relação ao dano causado, quando, por óbvio, não existirem motivos para o sujeito se sentir admoestado, preterido, explorado e extinto de sua potencialidade e consideração. Segundo o autor, este estágio social só pode ser alcançado pelo socialismo científico de Marx e Engels, e nisso acreditam autores contemporâneos que se dedicaram ao que se chama de “crítica da forma de valor” (Anselm Jappe (2006) e Robert Kurz (2004)).

O sistema de concorrência aproxima-se do seu limite operacional; qualquer tentativa desde o final do século XIX no sistema global, destarte as guerras pelo domínio geofísico dos mercados, o auxílio “intervencionista” à la Keynes, dos governos; destarte, agora, o “afastamento” neoliberal na esteira da teoria de Hayek; destarte a aceleração e a extinção dos espaços geofísicos pelo desenvolvimento das cibernéticas modalidades de comunicação, e agilidade de transporte; destarte tudo isso, nem os jovens dos países centrais têm melhor sorte do que os do Sul. A prova disso é a onda de conservadorismo e radicalismo que assola o mundo do capital: a liberdade, a esperança e o afeto se foram! Existe uma bomba em cada lugar e estamos todos sentados em cima dela!

Nesta situação a política se esvai, a participação na vida pública deixa de ter sentido: o novo sentido é “começar tudo de novo”. As prisões e os sistemas punitivos comprovam isso, elas são os laboratórios da ineficácia e inércia total dos governos “democráticos”. A anarquia do mercado — inclusive o de armas e drogas — propícia o caos das instituições carcerárias e correcionais. As funções manifestas das prisões hoje é controlar e isolar a “escória” — mas não existe nada de “ressocialização” simplesmente porque não existe mais a necessidade do trabalho humano, nem mesmo quando esse trabalho segue absolutamente alienante (abstrato) e gerador de mais valor!

Por isso, nem sequer a “domesticação da alma” que nos falou Foucault (2002) é necessária na pós-Modernidade: a parte da riqueza social total que se investe nas ciências e nas tecnologias dispensa o homem da vida. Isto é assim porque, no limite, a produção de mercadorias atinge o mais alto nível de produtividade pela concorrência global. Para a reprodução do capital o homem entra no processo como “coisa” que só precisa realizar — circular e consumir — as mercadorias produzidas por poucos operadores.

Como o sistema mercantilista concorrencial só pode efetivar a distributividade, que falava Aristóteles (1991), distribuindo renda através de salários, não havendo empregos, não existe realização de mercadorias; consequentemente, as pessoas são relegadas para a periferia interna e externa do sistema sem opções reais e sujeitas aos eufemismos e proselitismos Oficiais, também do Direito com ressonância nas camadas ainda não atingidas pela hipérbole da ganância. As prisões os recebem, e isto se aprendeu com Auschwitz e com Guantánamo!

Referências

Aristóteles (1991). Ética a Nicômaco. In Os pensadores, Vol II. São Paulo: Abril Cultural.

Asúa, Luis Jiménez de (1945). Princípios de derecho penal: La ley y el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana.

Beccaria, Cesare (2003). Dos delitos e das penas. Bauru, SP: Edipro.

Deleuze, Gilles (1992). Post-scriptum: Sobre as sociedades de controle. In Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34.

Ferri, Enrico (2006). Sociologia criminal. Sorocaba, SP: Editora Minelli.

Foucault, Michel (2002). Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.

Garofalo, Raphael (1997). Criminologia: Estudos sobre o direito e a repressão penal seguido de apêndice sobre os termos do problema penal. Campinas, SP: Pétreas.

Jappe, Anselm (2006). As aventuras da mercadoria. Para uma crítica do valor. Lisboa: Antígona.

Kelsen, Hans (2009). Teoria pura do Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes.

Kurz, Robert (2004). O colapso da modernização. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Lombroso, Cesare (2007). O homem delinquente. São Paulo: Ícone Editora.

Marx, Karl (2015). O capital, Vol.1. São Paulo: Boitempo.

Marx, Karl e Engels, Friedrich (s/d). Manifesto do Partido Comunista. In Karl Marx e Friedrich Engels. Obras escolhidas, Vol. 1. São Paulo: Alfa-Ômega.

Montero, Pedro Garcia Dourado (1999). El derecho protetor de los criminales. Pamplona: Anacleta.

Pachukanis, Evgeny B. (1988). Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Editora Acadêmica.

Ramos, Cesar Augusto (2014). Aristóteles e o sentido político da comunidade ante o liberalismo. Kriterion. Revista de Filosofia, 55(129), 61-77.

José Manuel de Sacadura Rocha. Doutorando em História da Cultura pelo EAHC-UPM — Programa de Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor dos livros “Sociologia Geral e Jurídica”, 2015, e “História do Direito no Ocidente”, 2015.

Data de submissão: 27/03/2017 | Data de aceitação: 30/04/2017

Autores: José Manuel de Sacadura Rocha