N.º 29 - agosto 2022
César Morais
FUNÇÕES: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia,
Redação do rascunho original, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, Centro Interdisciplinar
de Ciências Sociais (CICS.NOVA). Av. De Berna, 26 C, 1069-061 Lisboa, Portugal
E-mail: calm@fcsh.unl.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6741-0037
Madalena Ramos
FUNÇÕES: Concetualização, Curadoria dos dados, Investigação, Metodologia, Administração do projeto,
Redação do rascunho original, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Iscte — Instituto Universitário de Lisboa, CIES — Centro de Investigação e Estudos de Sociologia.
Avenida das Forças Armadas,1649-026 Lisboa, Portugal
E-mail: madalena.ramos@iscte-iul.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3117-4498
Adriana Cardoso
FUNÇÕES: Investigação, Metodologia, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação de Lisboa, Centro de Linguística da
Universidade de Lisboa. 1600-214 Lisboa, Portugal
E-mail: acardoso@eselx.ipl.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3551-0740
Sónia P. Gonçalves
FUNÇÕES: Investigação, Metodologia, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Centro de Administração e Políticas Públicas, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas,
Universidade de Lisboa. 1300-663, Lisboa, Portugal
E-mail: spgoncalves@iscsp.ulisboa.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3704-2995
Rosária Ramos
FUNÇÕES: Investigação, Metodologia, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Centro de Administração e Políticas Públicas, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas,
Universidade de Lisboa. 1300-663, Lisboa, Portugal
E-mail: rramos@iscsp.ulisboa.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6655-7280
Rosalina Pisco Costa
FUNÇÕES: Investigação, Metodologia, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Departamento de Sociologia, Universidade de Évora, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais
(CICS.NOVA.UÉvora). 7004-516 Évora, Portugal
E-mail: rosalina@uevora.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4549-9012
Joaquim P. Gonçalves
FUNÇÕES: Investigação, Metodologia, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Centro de Estudos Clássicos, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. 1600-214 Lisboa, Portugal
E-mail: joaquimgoncalves@campus.ul.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5533-0504
Resumo: A investigação sobre o plágio entre alunos do ensino superior tem comprovado que esta prática, além de assumir diversas formas, tanto pode resultar de um ato intencional revelador de falta de honestidade, como de uma ação não intencional decorrente de desconhecimentos acerca do plágio e das normas a cumprir para o evitar. Este carácter plural e não intencional do plágio coloca atualmente desafios à investigação, quer fundamental, quer aplicada, raras vezes explorados no caso português.
Este artigo debruça-se sobre a discussão metodológica em curso acerca da mensuração da incidência do plágio no ensino superior, trazendo à colação dados recentes sobre estudantes portugueses e refletindo sobre os prolongamentos dessa discussão na prevenção desta prática fraudulenta. Verifica-se que a combinação de distintos indicadores permite mensurar de forma mais holística a incidência do plágio e que a sua prevenção carece de maior aposta em formação sobre uma correta utilização e creditação de fontes.
Palavras-chave: plágio, estudantes do ensino superior, práticas, perceções.
Abstract: Research on plagiarism among higher education students has shown that this practice, in addition to taking different forms, may result, both, from an intentional act revealing the lack of honesty, and from an unintentional action resulting from lack of knowledge about plagiarism and the rules to be followed to avoid it. This plural and unintentional nature of plagiarism currently raises challenges for research, be it fundamental or applied, rarely explored in the Portuguese case.
This article focuses on the ongoing methodological discussion about the measurement of the incidence of plagiarism in higher education, bringing to focus recent data on Portuguese students and reflecting on the extensions of this discussion on the prevention of this fraudulent practice. It is verified that the combination of different indicators allows measuring the incidence of plagiarism in a more holistic way and that its prevention requires a greater emphasis in training about the correct use and crediting of sources.
Keywords: plagiarism, higher education students, practices, perceptions.
Introdução
O plágio diferencia-se das outras fraudes académicas na medida em que o estudante, para não o cometer, além da sua necessária adesão a uma pauta de honestidade que o iniba de incorrer numa qualquer fraude, deverá também possuir um conjunto específico de conhecimentos que lhe permitam, por um lado, reconhecer as diversas manifestações desta prática e, por outro, conhecer as normas envolvidas na utilização e creditação de fontes externas.
Esta dimensão de desconhecimento potencialmente associada a práticas de plágio permite perspetivar a existência de plágio não intencional, que é apenas explorado na investigação desde o início deste século, pois até então e, acrescente-se, ainda atualmente, este fenómeno tende a ser enquadrado como uma ação intencional e informada que espelha a falta de ética de quem a engendra (Adam, 2016; Husain et al., 2017). Trata-se de um “novo” entendimento que, por um lado, implica enfrentar renovados desafios metodológicos na mensuração deste fenómeno (Walker, 2010) e, por outro, reclama uma evolução das políticas de prevenção do plágio das instituições de ensino superior (Ramos & Morais, 2020, 2021).
Estas duas consequências, ainda pouco aprofundadas em contexto nacional, serão exploradas no presente artigo, no qual, depois de se sistematizarem alguns dos pressupostos centrais para a problematização das práticas de plágio entre estudantes do ensino superior, são apresentados e discutidos os resultados de uma inquirição recente a alunos de cursos de licenciatura. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre as possíveis evoluções na mensuração e prevenção do plágio entre estudantes do ensino superior português.
A singularidade do plágio no universo da fraude académica: uma particularidade com incontornável impacto na sua mensuração e prevenção
Ainda que não exista consenso na literatura acerca da definição de plágio, podem considerar-se três aspetos que comummente balizam esta prática na investigação (Ramos & Morais, 2021; Sutherland-Smith, 2008): i) a incorreta declaração da(s) autoria(s) ou da originalidade dos textos, ii) a creditação das fontes citadas ao arrepio das normas aplicáveis e iii) a irrelevância da intencionalidade com que se plagia.
Por sua vez, a diversidade de nomenclaturas utilizadas para referir as várias formas do plágio académico surge passível de sistematização em quatro grandes tipos (Bretag & Mahmud, 2009a; Ramos & Morais, 2021): i) o plágio palavra por palavra, isto é, a utilização de citações diretas, seja de texto ou de qualquer outro elemento, sem realizar corretamente a creditação da fonte dessas citações; ii) o plágio mosaico, que envolve a alteração de pormenores do texto ou de outros elementos, com ou sem creditação das fontes; iii) o autoplágio, que subsume as situações de apresentação de um determinado elemento como original quando este já tenha sido divulgado totalmente ou em grande medida em momento anterior; e iv) a compra ou qualquer outra forma de apropriação da autoria de elementos de outrem.
Mas, se estes pontos são relativamente consensuais, é, todavia, importante salientar, de forma necessariamente sumária, algumas das discussões que suscitam.
Desde logo, note-se que o percurso escolar até ao ensino superior geralmente não incentiva uma utilização de fontes creditada ou tampouco cuidada (Strangfeld, 2019). Em Portugal, Dias e colegas (2013) verificam uma frequência elevada de diversos tipos de plágio entre alunos do ensino secundário e profissional que maioritariamente passa impune e que essencialmente resulta do uso acrítico de informação recolhida online ao arrepio de quaisquer direitos de autor. Estes autores destacam a profunda necessidade de promover a alfabetização digital nestes níveis de ensino, isto é, importa “ajudar os alunos a entender como utilizar os benefícios das tecnologias para a sua aprendizagem e rendimento escolar, usando as regras básicas para citar as suas fontes” (Dias et al., 2013, p. 18). Tal como referem Kaposi e Dell (2012), nem todos os estudantes no ensino superior, especialmente os recém-ingressados, conhecem as regras académicas. De facto, a investigação já identificou as suas notórias dificuldades em definir o que é plágio e identificar as suas várias formas (Childers & Bruton, 2016; Power, 2009), elaborar com correção uma paráfrase ou uma metáfrase (Hutchings, 2014) e, sobretudo, conhecer e ser proficiente com a diversidade de normas de creditação de fontes em vigor (Gullifer & Tyson, 2010; Power, 2009). Assim, será plausível assumir que muitos dos casos de plágio detetados entre estudantes do ensino superior podem resultar apenas de incompreensões acerca da própria prática e seus diversos tipos, assim como sobre o processo académico de escrita intertextual com a devida creditação de autorias.
Acresce que existem também disputas sobre as fronteiras dos quatro grandes tipos de plágio na esfera académica mencionados anteriormente. Em particular, no que concerne ao autoplágio, não existe consenso sobre a legitimidade de um autor reutilizar um texto seu já publicado numa nova publicação, nem quanto à forma apropriada de creditar essa reutilização (Bretag & Mahmud, 2009b). Existem também diferentes posições relativamente a situações que envolvem citações corretamente creditadas, mas incorretamente executadas (Childers & Bruton, 2016) ou casos em que a autoria de um texto é partilhada por alguém que não participou diretamente na sua elaboração (Haviland & Mullin, 2009). Essas fronteiras também se afiguram distintas consoante a instituição de ensino ou a área científica (McCabe et al., 2002). O mesmo acontece com o grau de incentivo à própria honestidade, valor nuclear para evitar o recurso ao plágio ou qualquer outra fraude, que parece variar consoante a esfera académica (Peixoto, 2019). Tal como refere Peixoto (2019, p. 77) relativamente ao caso específico das universidades portuguesas, “a fraude académica é um fenómeno socialmente tolerado na universidade, sendo tendencialmente conhecido, praticado e não denunciado”. Estas indefinições e distinções reproduzem-se nas práticas e perceções dos estudantes, uma vez que tendem a ser fortemente influenciadas pela cultura de pares (McCabe & Treviño, 1997).
É ainda relevante equacionar que, atualmente, os próprios conceitos de autoria e originalidade são desafiados pelo surgimento de plataformas de criação ou cocriação, geralmente anónimas e virtuais, que fomentam a divulgação massiva dos elementos nelas criados (Sutherland-Smith, 2016). Estas práticas emergentes, mesmo quando exteriores à esfera do ensino académico, constituem-se progressivamente enquanto referências para a criação e utilização de produções alheias de novas gerações de estudantes que, neste caso, se afirmam particularmente paradoxais face às práticas autorais legitimadas nas instituições de ensino superior (Adam, 2016).
Assim, quando se pretende problematizar o plágio em contexto académico, não bastará assumir que se trata de um ato racional motivado por um qualquer calculismo, será, portanto, também necessário enquadrar as consequências não antecipadas ou involuntárias de uma ação, no caso em apreço, o plágio em que o estudante incorre quando elabora textos académicos ao arrepio das normas e princípios em vigor na sua academia. A este propósito, note-se a “forma como Raymond Boudon analisa o problema [dos efeitos não intencionais de uma ação intencional] do ponto de vista do individualismo metodológico e (…) [o] modo como Anthony Giddens [o] incorpora na explicação da reprodução social” (Higgins, 2011, p. 258). É, todavia, raro que as investigações sociológicas sobre plágio no ensino superior convoquem este património, não obstante atualmente muitas reconhecerem a existência de plágio intencional e não intencional.
Em suma, a investigação fundamental sobre o fenómeno do plágio entre estudantes no ensino superior precisa ainda de desenvolver o seu manancial teórico e conceptual por forma a melhor problematizar este fenómeno plural, polissémico e, por vezes, involuntário. Um desafio que também se impõe a nível metodológico, nomeadamente, ao nível da mensuração da incidência das várias formas de plágio.
A maioria das investigações sobre práticas e perceções de estudantes sobre plágio tem por base dados quantitativos recolhidos por questionário. Esta prevalência carece de ser equilibrada por análises qualitativas, por exemplo, entrevistas em profundidade, isto é, recolhas de informação intensivas que permitam completar e refinar a informação extensiva recolhida por questionário. São igualmente lacunares as análises documentais retrospetivas da incidência de plágio, nomeadamente em repositórios académicos, pois o desenvolvimento tecnológico já permite atualmente implementar este tipo de metodologia em larga escala e com boa fiabilidade (Walker, 2010).
No contexto das inquirições por questionário, os indicadores utilizados para mensurar a incidência de plágio podem dividir-se em três grandes tipos: sumários, descritivos e avaliativos.
Os indicadores sumários, designadamente, Alguma vez plagiou? ou Já cometeu autoplágio? assumem que os estudantes sabem o que é plagiar e que conhecem os vários tipos de plágio, algo que a investigação não tem confirmado. Estes indicadores continuam a ser utilizados atualmente em grande medida porque, ao serem tão sintéticos, são facilmente replicados em estudos distintos, permitindo assim a sua comparabilidade e monitorização ao longo do tempo.
Já os indicadores descritivos procuram detalhar a ação que subjaz a um determinado tipo de plágio, por exemplo, Já utilizou integralmente excertos de textos de outros autores como sendo seus? É também frequente localizar a prática descrita numa situação académica quotidiana, tendo como principal propósito que os estudantes compreendam melhor essa descrição, como é exemplo a formulação que se segue: A Joana tem de realizar um trabalho escrito numa unidade curricular. Para facilitar esta tarefa, recorre à internet e apresenta um trabalho em que transcreve partes de textos dispersos online sem identificar os seus autores. Considera que é plágio? Já fez o mesmo? Faria o mesmo?
Mais recentemente e, acrescente-se, raramente, surgem investigações que não se limitam às declarações dos inquiridos sobre as suas práticas, antes as procuram observar diretamente através de exercícios que avaliam a capacidade de os alunos construírem e creditarem corretamente citações de outros textos (Childers & Bruton, 2016; Walker, 2010). Estes “novos” indicadores podem ser apelidados de avaliativos pois têm por base avaliações de exemplos de situações específicas de plágio, isto é, colocam a par um excerto de texto com um tipo de plágio e o excerto plagiado, questionando depois sobre a correção dessa utilização ou creditação de fonte ou, simplesmente, se a situação exemplificada é reconhecida enquanto plágio. Os indicadores avaliativos traduzem o atual entendimento sobre a relação dos estudantes com o plágio e conseguem captar os casos em que o plágio ocorre de forma não intencional, porém, dificilmente são coincidentes entre investigações, o que, não obstante as suas qualidades intrínsecas, tem vindo a dificultar a comparabilidade e cumulatividade do conhecimento entretanto gerado (Childers & Bruton, 2016).
No que concerne à componente aplicada da investigação sobre o plágio entre estudantes do ensino superior, os debates teóricos e metodológicos oferecem novas oportunidades de intervenção, sobretudo ao nível da prevenção. Desde logo, tal como salientam Macdonald e Carroll (2006), as políticas de prevenção do plágio são mais eficazes quando baseadas numa abordagem institucional holística que procure conciliar as diferentes perceções e práticas dos diversos atores nelas envolvidos — discentes, docentes, investigadores, funcionários académicos, instituições de ensino e agências externas de avaliação da qualidade do ensino. Assim, importa monitorizar atentamente a relação dos estudantes com o plágio, mas procurando tanto conhecer a forma como percecionam as suas práticas, como intentando avaliar essas práticas diretamente. Tal como referido anteriormente, a evidência aponta para que os procedimentos que vigoram na esfera académica não sejam familiares aos estudantes, especialmente quando recém-chegados a este nível de ensino, tornando-se assim particularmente importante incluir uma dimensão formativa nos processos de prevenção do plágio nas instituições do ensino superior, especialmente no que concerne à transmissão de competências de escrita científica intertextual (Ramos & Morais, 2021; Stoesz & Yudintseva, 2018).
Método e Participantes
Os dados que se apresentam de seguida resultam de uma inquirição online por questionário através da plataforma Qualtrics, aplicada entre março e maio de 2020, a estudantes em instituições portuguesas de ensino superior. Esta inquirição decorreu ao abrigo de uma parceria entre essas instituições e o projeto de investigação ao qual se associam os autores deste texto, porém, o seu término foi antecipado na sequência do dealbar da crise pandémica COVID-19. Assim, os dados recolhidos certamente não serão representativos da totalidade dos alunos das instituições envolvidas, antes do grupo de alunos dessas instituições que responderam ao convite de participação que foi dirigido a todos os estudantes.
O questionário aplicado incide sobre várias formas e dimensões da fraude académica. A sua elaboração teve por referência outros questionários utilizados em investigações nacionais (Almeida et al., 2015) e internacionais (Razera et al., 2010), mas procurou levar em conta as questões metodológicas antes referidas. O questionário final recebeu aprovação por parte da Comissão de Ética do Iscte — Instituto Universitário de Lisboa (Parecer 78/2019), instituição onde se inscreve a coordenadora do projeto de investigação “Fraude no ensino superior português: práticas e políticas”, no qual se insere o presente trabalho. No que concerne à incidência do plágio, o questionário inclui indicadores sumários, descritivos com e sem cenário, e avaliativos, assim como conjuga questionamentos retrospetivos e prospetivos. Nos indicadores descritivos com cenário, os inquiridos são convidados a declarar se fariam o mesmo, mas também se consideram que a situação retratada configura uma fraude académica. No que concerne aos indicadores avaliativos, são apresentados dois exercícios, o primeiro implica que os inquiridos decidam se um dado parágrafo incorre, ou não, em plágio palavra por palavra, tendo para isso acesso à fonte original desse parágrafo; o segundo adota o mesmo processo, mas incide sobre o plágio mosaico.
Obtiveram-se 693 respostas de estudantes de licenciatura em diversas áreas académicas, 50,6% dos quais no ensino politécnico público e os restantes no universitário público. Os inquiridos são predominantemente do sexo feminino (77,3%) e com idades até aos 25 anos (78,2%).
Perceções e práticas de estudantes perante o plágio: o que dizem saber e fazer face ao que sabem e fazem
A Tabela 1 apresenta os resultados da aplicação de um indicador sumário relativo à perceção dos inquiridos sobre a percentagem de estudantes que cometem plágio. Ao dirigir essa perceção para a globalidade do ensino superior, a estimativa média obtida foi de 45,1%, descendo para 31,9% quando a referência é o próprio curso do inquirido.
Tabela 1 Perceção da incidência de plágio no ensino superior e no curso do inquirido (indicadores sumários)
Fonte: Projeto “Fraude no ensino superior português: práticas e políticas”.
Note-se que, assim mensurada, a perceção da incidência de plágio, tanto no ensino superior como no curso do inquirido, é já bastante elevada, envolvendo quase metade dos alunos no primeiro caso e pouco menos de um terço no segundo. Em Portugal, um indicador sumário de plágio foi também aplicado por questionário online junto de estudantes em vários ciclos de ensino de uma universidade localizada em Lisboa (n=690), porém, foi formulado em termos pessoais, tendo 28,5% dos inquiridos confidenciado “já ter cometido plágio 1 ou 2 vezes” (24,4%) ou “3 ou mais vezes” (4,1%) (Ramos, 2017, p. 17). Um projeto internacional abordou o caso português com um indicador sumário operacionalizado online junto de uma amostra de estudantes de vários ciclos de ensino de dimensão mais reduzida (n=189) do que as antes referidas, mas que incluía instituições de ensino públicas e privadas, quer do ramo universitário, quer do politécnico. Aferiu-se que 39% desses estudantes “acreditam que já cometeram plágio de forma acidental ou deliberada” (Glendinning, 2014, p. 2). Numa inquirição direta por questionário, coordenada por Almeida et al. (2015), foram inquiridos através de amostragem por quotas mais de 7.200 estudantes em cursos de 1º ciclo ou similares (incluindo mestrado integrado) em diversas áreas de formação e em todos os ramos do ensino superior público e privado. O indicador sumário utilizado nesta inquirição não se referia diretamente a plágio, antes questionava “com que frequência os alunos, no seu curso, cometem algum tipo de fraude académica”, tendo 23,2% dos estudantes respondido “regularmente” e 46,4% “com alguma frequência” (Almeida et al., 2015, p. 38).
Os valores cotejados não permitem comparação direta, porém todos revelam que, segundo a perceção de estudantes do ensino superior português, o plágio ocorre e a sua incidência pode até assumir valores bastante altos. Acresce ser também plausível colocar como hipótese que essa perceção seja ainda mais elevada quando, por um lado, se coloca o foco nos outros — a globalidade do ensino superior ou o curso — e, por outro lado, se inclui na questão a referência a plágio intencional e não intencional.
Ao recorrer a indicadores descritivos para plágio mosaico e autoplágio, mas sem localizar a explicação destas formas de plagiar num cenário académico quotidiano, verifica-se que 45,3% dos inquiridos afirmam já ter cometido plágio mosaico e 10,4% autoplágio (Tabela 2).[1]
Tabela 2 Perceção da incidência retrospetiva de plágio mosaico e autoplágio (indicadores descritivos sem cenário)
Fonte: Projeto “A fraude no ensino superior português: práticas e políticas”.
No cotejo das Tabelas 1 e 2, emerge a fragilidade dos indicadores sumários a par com um primeiro contorno do desconhecimento dos alunos sobre o plágio. Com efeito, quando se explica em que consiste o plágio mosaico, a perceção dos inquiridos sobre o que tem sido o seu próprio comportamento já supera o que, em média, percecionavam como sendo a incidência global de plágio no seu curso, e tange a fasquia mais elevada colocada para a totalidade do ensino superior. Acresce que, quanto ao autoplágio, não obstante existirem apenas 10,4% que admitem já a ele ter recorrido, 4,9% desses não confidenciaram antes já terem incorrido em plágio mosaico, o que faz elevar a incidência declarada do conjunto destas duas formas de plágio para 50,2%. Convém salientar que apenas se destacam aqui dois tipos de plágio entre os vários contemplados no questionário aplicado.
A Tabela 3 revela os resultados obtidos através de indicadores descritivos por cenário para os mesmos tipos de plágio, desta feita, questionando se são considerados fraude e se poderão vir a ser cometidos pelo inquirido.
Tabela 3 Perceção da qualificação enquanto fraude e da incidência prospetiva de plágio mosaico e autoplágio (indicadores descritivos com cenário)
Fonte: Projeto “A fraude no ensino superior português: práticas e políticas”.
Cerca de 68% dos inquiridos consideram fraude o caso de plágio mosaico apresentado e unicamente 12,4% admitem vir a fazer o mesmo. Já o autoplágio é considerado fraude por uma parcela de apenas 33,9% e, provavelmente também por isso mesmo, se eleve a percentagem dos que admitem vir a cometê-lo (26,5%).
Posto isto, o desconhecimento dos estudantes que emergia no indicador descritivo sem cenário surge agora mais notório.
O autoplágio, quando explicado e colocado numa situação quotidiana — “a Sara entrega um trabalho numa unidade curricular já anteriormente avaliado numa outra unidade curricular, sem dar conhecimento desse facto ao professor” —, é considerado fraude por pouco mais de um terço dos inquiridos. Note-se ainda que a perceção sobre a sua incidência futura mais que duplica a aferida através de um indicador descritivo sem cenário.
Para o plágio mosaico, é descrito o seguinte cenário: “Na sua dissertação de mestrado, o António apresenta partes de texto que são uma colagem de excertos de livros e artigos, em que acrescenta algumas palavras ou frases de ligação, não referindo os textos originais.”
Cerca de um terço dos inquiridos não o considera fraude, o que pode redundar em recorrências não declaradas nem entendidas enquanto tal. Acresce que a reduzida incidência prospetiva agora aferida — 12,4% afirmam que o podem vir a cometer — contrasta com a elevada incidência retrospetiva aferida antes — mais de 44% admitem já o ter cometido. Mesmo não descartando outras hipóteses explicativas que, sem dados adicionais, permitam esclarecer este aparente paradoxo, é plausível colocar como hipótese que a situação de plágio mosaico descrita seja percebida pelos inquiridos, por referir um curso de mestrado, de tal forma longínqua que estes consideram pouco provável reproduzi-la, mesmo aqueles que tinham assumido antes recorrer esta forma de plágio no seu curso de licenciatura.
Consequentemente, sobressaem novamente as diferenças de resultados sobre a incidência de plágio(s) consoante o tipo de indicador utilizado. Mesmo que neste caso o questionamento seja prospetivo e nos anteriores retrospetivo, a utilização, ou não, de cenários efetivamente produz diferentes perceções sobre a incidência dessa prática.
A já referida inquirição a estudantes no ensino superior português coordenada por Almeida et al. (2015) recorreu igualmente a um questionamento prospetivo por recurso a indicadores descritivos com cenário. Neste caso, a situação relativa ao plágio mosaico é formulada nos seguintes termos:
No âmbito do regime de avaliação de uma disciplina do seu curso, a Joana tem de apresentar um trabalho escrito. Tendo pouco conhecimento sobre o tema, para facilitar o seu trabalho, a Joana recorreu à internet, apresentando um texto final significativamente copiado de outros textos dispersos online. (p. 167)
Nesta inquirição, 84,4% dos estudantes de 1.º ciclo consideraram esta prática fraude e 38,9% admitiram que podiam vir a cometê-la. Face aos dados anteriormente analisados, verifica-se que diminuem as dúvidas em considerar fraude esta forma de plagiar, aumentando, todavia, a parcela dos que admitem poder vir a fazê-lo.
Contraste semelhante sucede no caso do autoplágio, que é, na investigação coordenada por Almeida et al. (2015), formulado no seguinte cenário:
A Sara apresentou um trabalho numa disciplina que ela já havia apresentado em outra disciplina, tendo apenas que reescrever uma pequena parte do texto original, dada a semelhança dos temas. A Sara não disse ao seu professor que já havia apresentado o mesmo trabalho noutra disciplina. (p. 165)
Neste caso, 62,7% dos inquiridos consideram-no fraude e 73,0% assumem que o podem cometer, isto é, são menores as dúvidas e maior a intenção de o cometer face ao aferido antes.
Mesmo que a comparabilidade entre os valores cotejados seja limitada, sobressai, além da falta de univocidade na classificação de práticas fraudulentas enquanto tal, que a perceção dos estudantes sobre a elevada incidência de plágio, quando apurada através de um indicador sumário, pode elevar-se mais ainda se os vários tipos de plágio forem decompostos e explicados através de indicadores descritivos, com ou sem recurso a cenário. De facto, o conhecimento limitado sobre o plágio, os seus tipos e a forma de os evitar, surge comummente apontado como o principal obstáculo à precisão dos resultados obtidos por indicadores sumários, mesmo que descritivos (Colella-Sandercock, 2016), pois reportar a incidência de algo que não se compreende plenamente dificilmente se afigura fiável (Power, 2009).
Em suma, mesmo que os indicadores descritivos considerem a pluralidade do plágio e também o desconhecimento dos estudantes sobre essa pluralidade, as descrições que contêm dificilmente esgotam todas as formas dos tipos de plágio a que aludem e, portanto, não só mais facilmente são distintas entre estudos, o que coloca entraves à sua comparabilidade e leitura evolutiva (Childers & Bruton, 2016), como ainda podem ser demasiado restritivas, o que resulta na subestimação da incidência do tipo de plágio a que aludem. Não obstante, os indicadores descritivos aferem com maior precisão a perceção dos inquiridos sobre a incidência dos tipos específicos de plágio que abordam pois, de facto, nem todos conhecem esses tipos ou, tampouco, os consideram fraude. Note-se, contudo, que os indicadores descritivos com ou sem cenário podem ser encarados enquanto componentes de um índice global da incidência de plágio, uma análise conjunta que certamente potenciará a comparabilidade com outros estudos que também mobilizem estes tipos de indicadores, ainda que descrevendo situações distintas de um mesmo tipo de plágio.
Convém também notar que estes indicadores remetem para questionamentos sensíveis, isto é, o comportamento que visam aferir, mesmo quando não totalmente compreendido, tende a ser entendido como socialmente condenável, o que facilmente se repercute nas respostas obtidas. No caso específico da fraude académica, as questões sensíveis maioritariamente resultam na subestimação do tipo de fraude que pretendem mensurar e num maior volume de não-respostas (Jann et al., 2012), mesmo quando se garante o anonimato dos respondentes (Colella-Sandercock, 2016).
No sentido de ultrapassar a previsível subestimação nos questionamentos diretos sobre fraudes académicas, um grupo de investigação sediado na Alemanha vem testando a aplicabilidade de algumas metodologias estatísticas, nomeadamente, a técnica clássica da resposta randomizada (Warner, 1965) e os mais recentes modelos triangulares e cruzados de resposta (Yu et al., 2008). Não obstante os resultados promissores obtidos pelo último modelo, este não consegue evitar totalmente os problemas dos questionamentos diretos, tampouco se afigura claro em que medida melhora a estimação da incidência de plágio ou, acresce, se tal se aplica aos seus vários tipos (Jann et al., 2012; Krumpal, et al., 2015). Com efeito, tanto porque requerem formas de questionar específicas, geralmente alternando questões sensíveis com outras não sensíveis ou de resposta conhecida, como porque recorrem a análises estatísticas complexas, estas metodologias poucas vezes foram aplicadas a fraudes académicas fora dos arranjos experimentais do referido grupo de investigação.
De implementação mais facilitada, mas também escassas vezes encetada (Colella-Sandercock, 2016), surge a sugestão de John Walker (2010): medir o que os estudantes fazem e não apenas o que dizem fazer. Dando sequência à sugestão de Walker para a mensuração da incidência do plágio, procurou-se no questionário aplicado averiguar se os estudantes inquiridos conseguem utilizar e creditar corretamente fontes externas nos seus trabalhos e, portanto, evitar cometer plágio mesmo quando não o pretendem cometer. Utilizam-se, para isso, dois indicadores avaliativos para plágio, quer na sua versão palavra por palavra, quer na de mosaico. No primeiro caso, apresenta-se uma paráfrase abusiva de um excerto, ou seja, substituem-se por sinónimos todas as palavras do texto original, ainda que se tenha creditado corretamente a sua fonte. No segundo, cita-se diretamente um excerto de um texto a par com a referência aos seus autores e a data da obra, mas sem colocar esse excerto entre aspas nem tampouco indicar o número da página na obra citada. Quanto aos resultados, a citação indireta abusiva ou, se se preferir, paráfrase abusiva, foi identificada como uma situação de plágio (mosaico) por 42,4% dos respondentes, enquanto apenas 12,9% dos inquiridos conseguiram identificar o caso de plágio (palavra por palavra) que resultava da creditação de uma citação direta como indireta (Tabela 4).
Tabela 4 Capacidade de reconhecer situações de plágio mosaico e palavra por palavra (indicadores avaliativos)
Fonte: Projeto “A fraude no ensino superior português: práticas e políticas”.
Conjugando os resultados deste exercício prático com a anterior mensuração de perceções, verifica-se que a grande maioria dos inquiridos não consegue reconhecer situações de plágio mosaico ou palavra por palavra, o que significa ser bastante provável que ao longo do seu percurso académico possam incorrer reiteradamente em práticas de plágio sem o saber, ou seja, de forma não intencional. Veja-se que apenas 12,4% do total de inquiridos admitiram antes, utilizando um indicador descritivo com cenário, que poderiam vir a cometer plágio mosaico, mas apenas 42,4% desse mesmo total sabem como evitar cometê-lo por utilização incorreta da fonte, conforme se constata por recurso a um indicador avaliativo.
Ainda que não existam resultados compagináveis para o caso português, trata-se de conclusões consentâneas com as de Childers e Bruton (2016), num estudo de caso numa universidade estadunidense, no qual um indicador avaliativo semelhante de plágio mosaico foi também mais facilmente reconhecido enquanto plágio do que o de uma citação direta creditada como indireta. Num exercício não ensaiado agora, apenas cerca de dois terços desses estudantes estadunidenses estavam fortemente convictos da correção de uma citação indireta devidamente elaborada e creditada, o que ilustra bem as muitas hesitações presentes.
A sugestão de Walker (2010) também remete para análises documentais retrospetivas, tendo o próprio verificado que, entre cerca de 1.100 trabalhos escritos submetidos por alunos seus ao longo de quatro anos letivos, “mais de um quarto (…) continham plágio e um décimo das submissões eram extensamente plagiadas” (p.57), sendo a forma mais usual o plágio mosaico, quer por utilização abusiva da fonte, quer pela sua creditação incorreta. Segundo este autor, um dos principais obstáculos a estas análises assenta na incapacidade da tecnologia atual para determinar o que é, ou não, plágio, limitando-se a assinalar os excertos de um texto que são semelhantes aos de outros e, portanto, transferindo para o utilizador essa determinação, o que nem sempre se afigura linear e pode retirar objetividade a essa avaliação, especialmente se considerarmos as disputas sobre as fronteiras das várias formas de plagiar.
Não obstante as suas limitações e mesmo que acometidos ao seu contexto de recolha, estes dados sugerem igualmente que o retrato da incidência de plágio surge bastante distinto consoante se observa o que os estudantes dizem fazer ou as suas práticas. Este tipo de análise documental escasseia a nível internacional e ainda não foi intentada em terreno nacional. Assinale-se, no entanto, que Sousa-Silva e Abreu (2015) refletem sobre o contributo da linguística forense na identificação de casos de plágio em língua portuguesa, avançando sugestões valiosas no sentido de dotar de maior objetividade essa identificação, o que poderá contribuir para melhorar a precisão de futuras análises documentais.
Posto isto, as mensurações da incidência de plágio no ensino superior baseadas apenas na perceção dos estudantes, quer sobre os seus comportamentos passados ou futuros, quer sobre as ações dos outros, mesmo quando se detalham ou ilustram os tipos de plágio a que se reporta, só permitem ter uma noção subestimada da real incidência desta prática fraudulenta. Trata-se de uma limitação que se revela dificilmente corrigível ou estimável, mesmo utilizando formas de questionamento específicas e testes estatísticos mais ou menos sofisticados. Esta lacuna pode ser em grande medida colmatada por recurso a indicadores avaliativos, dado que só estes permitem mensurar até que ponto os estudantes conseguem evitar cometer plágio sem querer e, se este não for detetado por um qualquer mecanismo de controlo, sem saber que o cometeram.
Prevenção do plágio entre estudantes: como melhorar face ao que dizem saber e fazer e ao que sabem e fazem
Tomados no seu conjunto, os dados coligidos durante a reflexão metodológica anterior autorizam duas ilações gerais para o caso dos estudantes do ensino superior português: i) os alunos revelam dificuldades em determinar o que constitui, ou não, plágio; ii) a não intencionalidade tem uma expressão significativa nas práticas de plágio que dizem cometer. Estas ilações indicam outros tantos caminhos possíveis de intervenção rumo a uma melhor prevenção deste fenómeno.
Em primeiro lugar, formar. Trata-se de procurar dirimir os casos de plágio não intencional por mero desconhecimento das normas em vigor nas academias para a correta utilização e creditação de fontes, assim como os intencionais através da valorização das vantagens individuais e coletivas da honestidade na esfera da produção académica e científica. Em Portugal, as instituições de ensino superior tendem a apostar pouco neste tipo de formação, procurando sobretudo dissuadir os plagiadores através da multiplicação de medidas de vigilância e punição (Glendinning, 2014; Peixoto et al., 2016). Todavia, existem já experiências pedagógicas de formação para a prevenção do plágio académico em contexto nacional (Ramos & Morais, 2020) e internacional (Stoesz & Yudintseva, 2018) que podem ser adaptadas ao caso específico de cada instituição, reforçando assim a sua atuação preventiva.
Saliente-se também que muitos dos estudantes inquiridos nos estudos mencionados antes, além de conscientes das suas dificuldades perante o plágio e a utilização e creditação de fontes, consideram importante ultrapassá-las. Com efeito, em Ramos (2017), os estudantes inquiridos apontam as “dificuldades na elaboração de um texto académico” como o segundo fator mais importante que motiva o plágio (p. 11) e fornecer “informação acerca das regras relativas ao plágio” como a segunda medida preventiva mais eficaz (p. 17). Também em Glendinning (2014), perante a questão “o que leva os estudantes a plagiar?” e uma lista de 22 motivos diversos passíveis de escolha, uma ampla parcela dos inquiridos indicou que “não percebem como citar ou referenciar” (48%) ou “não sabem expressar as ideias dos outros pelas suas próprias palavras” (42%) (p. 9). Tanto em Almeida et al. (2015), como na inquirição conduzida pelos autores do presente estudo, os estudantes foram questionados sobre o que motivava ou inibia a fraude académica no seu conjunto, sobressaindo também diversos aspetos relacionados com lacunas nos conhecimentos entre os motivadores e com o reforço de conhecimentos no caso dos inibidores. Por outro lado, mesmo perante a escassez de oportunidades de formação ao longo do trajeto académico, Ramos e Morais (2021) verificaram antes que as perceções dos estudantes numa universidade em Lisboa sobre o que constitui, ou não, plágio se tornam mais precisas durante o seu percurso académico entre ciclos de ensino:
Ao longo do processo de socialização académica decorrente da progressão entre ciclos de ensino, estes estudantes efetivamente acedem aos conhecimentos sobre o plágio e às competências para a intertextualidade científica que lhes permitem uma maior acuidade no confinamento desta prática e, assim, também uma maior noção da sua gravidade e de como não o cometer por descuido ou incompetência face às normas em vigor. (p. 17)
Trata-se de uma efetiva aproximação à cultura académica, mas que decorre sobretudo de forma atomística e não institucionalizada e, acresce, não se afigura suficiente para dirimir todas as dúvidas sobre o plágio e a construção e creditação de citações diretas e indiretas, pois essas persistem numerosas em todos os ciclos de estudo (Ramos & Morais, 2021).
Em segundo lugar, monitorizar. Conforme citado antes, o sucesso das políticas de prevenção do plágio no ensino superior não dispensa a conciliação das diferentes perceções e práticas dos diversos atores académicos (Macdonald & Carroll, 2006). No entanto, em Portugal, não existem instituições que monitorizem regularmente essas perceções e práticas ou tampouco investigação em volume suficiente para suprir essa ausência. Acresce que, conforme se verificou antes, a monitorização do plágio, mas também das restantes fraudes académicas, não se afigura linear e tende a ficar acantonada ao contexto mensurado, sendo assim crucial que qualquer futura constituição desta base de conhecimento observe a atual discussão científica e o acervo teórico e metodológico já existente sobre esta temática.
Neste sentido, destaque-se a decisão das instituições do ensino universitário e politécnico em participar na inquirição coordenada pelos autores deste texto e que sustenta a reflexão metodológica atrás realizada. Trata-se, portanto, de um processo colaborativo, no qual a principal ferramenta de recolha de informação — o questionário aplicado online —, possui flexibilidade suficiente para acolher especificidades de instituições ou áreas de estudo particulares, ainda que garanta a uniformização necessária à comparabilidade dos dados recolhidos e considere a literatura nacional e internacional sobre a fraude académica. Os dados recolhidos junto de estudantes de uma dada instituição constituem-se como propriedade dessa instituição, sendo aí apresentados em relatório elaborado pelos coordenadores do projeto. Esse relatório promove uma visão comparativa desses dados face aos da globalidade das instituições participantes, sem, porém, as identificar individualmente. Acresce que os coordenadores deste projeto se reservam o direito de utilizar todos os dados recolhidos, mas unicamente em produtos científicos e nunca produzindo qualquer análise que revele a identidade das instituições participantes. Este tipo de processo colaborativo, mesmo que encerre problemas e dificuldades, desde logo na articulação entre os atores participantes, pode constituir um caminho com potencial para colmatar a lacuna de informação sobre o plágio no ensino superior português.
Notas conclusivas
À guisa de conclusão, convém sistematizar as consequências desta reflexão sobre a mensuração do plágio entre estudantes do ensino superior. Desde logo, revela-se necessário medir conhecimentos a par de desconhecimentos. Com efeito, para aferir a incidência de plágio, não basta perguntar a alguém se o cometeu, pois parece existir uma parcela ampla que não sabe se o faz ou não. Nessa mensuração, é, portanto, crucial distinguir entre perceções (o declaram fazer e saber) e práticas (o que fazem e sabem), ambas relevantes para o estudo deste fenómeno, embora apenas as práticas permitam averiguar com maior precisão a incidência do plágio.
Os indicadores sumários da incidência do plágio observam perceções, mas revelam-se pouco precisos e, portanto, o seu elevado potencial comparativo surge obstaculizado pela dificuldade em determinar o que está a ser medido em cada contexto. Já os indicadores descritivos que visam perceções, ou os avaliativos, que focam as práticas, permitem uma mensuração mais holística do plágio, carecendo, porém, de uniformização tendo em vista a sua comparabilidade entre distintos contextos de mensuração, assim como de uma mobilização conjunta para dotar a mensuração de maior abrangência face à pluralidade do plágio. Importa também considerar que para aferir perceções sobre plágio se colocam questões sobre um tema sensível, o que tende a resultar numa aferição subestimada deste fenómeno. Trata-se de uma tendência dificilmente contrariável, mas que não se coloca numa mensuração da incidência do plágio através das práticas.
Por outro lado, sobressai que a atuação preventiva do plágio (não intencional) entre estudantes nas instituições do ensino superior em Portugal carece de uma formação institucionalizada, porventura obrigatória ou até mesmo curricular, sobre o valor da ética nas academias, como reconhecer fraudes académicas ou plágios e a correta utilização e creditação de fontes.
Convém, por último, referir que os dados sob escrutínio não permitem extrapolação além da amostra recolhida, todavia, as ilações que possibilitam estão em linha com as de outras investigações sobre o plágio entre estudantes do ensino superior português.
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Data de submissão: 14/02/2022 | Data de aceitação: 09/05/2022
Notas
Por decisão pessoal, os/as autores/as do texto escrevem segundo o novo acordo ortográfico.
[1]A explicação apresentada aos inquiridos sobre o plágio mosaico era “retirar um excerto de um texto, fazer pequenas modificações ao nível da expressão escrita e apresentá-lo num trabalho sem referir o texto original” e a do autoplágio “apresentar omesmotrabalhoemvárias unidades curriculares”.
Autores: César Morais, Madalena Ramos, Adriana Cardoso, Sónia P. Gonçalves, Rosária Ramos, Rosalina Pisco Costa e Joaquim P. Gonçalves