N.º 33 - dezembro 2023
Alexandra Pereira
FUNÇÕES: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Software, Redação
do rascunho original, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: CECC — Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, FCH — Faculdade de Ciências Humanas,
Universidade Católica Portuguesa. Palma de Cima, 1649-023 Lisboa, Portugal
E-mail: alepereira@ucp.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8643-4878
Resumo: Partimos de um enquadramento teórico que se sustenta nos conceitos de transnacionalismo económico, empresarialismo migrante, economias étnicas e diásporas. Neste estudo, temos como principal objetivo analisar os processos de transnacionalismo envolvidos nas atividades dos empresários de origem nepalesa com negócios na cidade de Lisboa. Este enfoque numa população imigrante que é mais recente em Portugal, menos conhecida e em crescimento torna este trabalho particularmente relevante. Trata-se de um estudo qualitativo que engloba 36 entrevistas semi-estruturadas a empresários nepaleses, etnografia e observação participante. Nos resultados analisamos os perfis dos empresários nepaleses, examinamos estratégias de financiamento e formas específicas de desenvolvimento empresarial, bem como modos de transnacionalismo envolvidos. É feita ainda uma comparação com outros empresários imigrantes sul-asiáticos em Lisboa. As conclusões destacam a relevância das redes étnicas transnacionais nepalesas, bem como das estratégias de negócio de base étnica, no empreendedorismo nepalês, permitindo colocar a hipótese da existência de várias economias étnicas separadas nesta migração; foram igualmente detetadas novas formas de transnacionalismo migrante económico.
Palavras-chave: transnacionalismo migrante, empresários nepaleses, economias étnicas, redes migrantes.
Abstract: We start from a theoretical framework based on the concepts of economic transnationalism, migrant entrepreneurship, ethnic economies and diasporas. In this study, we have as our main objective to analyze the processes of transnationalism involved with the activities of entrepreneurs of Nepalese origin with businesses in the city of Lisbon. The relevance of the work is related with the focus on a more recent, growing and not so well known immigrant population in Portugal. This is a qualitative study that encompasses 36 semi-structured interviews with Nepali business people, ethnography and participant observation. In the results we analyze the profiles of the Nepali entrepreneurs and we examine the financing strategies and specific forms of business development, as well as the modes of transnationalism involved. We also make a comparison with other South Asian immigrant entrepreneurs in Lisbon. The conclusions highlight the relevance of Nepali transnational ethnic networks, as well as ethnic-based business strategies in Nepali entrepreneurship, hypothesizing the existence of several separate ethnic economies in this migration; in addition new forms of economic migrant transnationalism were detected.
Keywords: migrant transnationalism, Nepali entrepreneurs, ethnic economies, migrant networks.
Introdução
Analisaremos as caraterísticas sociográficas e os perfis de 36 empresários nepaleses em Lisboa, Portugal, ligando-os às redes étnicas transnacionais que os suportam. Apresentamos neste artigo, pela primeira vez, parte dos resultados obtidos no âmbito da minha investigação doutoral, que analisou as caraterísticas das empresas nepalesas em Lisboa e os processos de transnacionalismo a elas associados[1]. A investigação aqui apresentada pretende, portanto, responder às questões de partida: Quais são as caraterísticas gerais do empreendedorismo nepalês em Lisboa (motivações, percursos, perfis e estratégias) e qual é a importância das redes étnicas transnacionais nepalesas para os negócios implementados por estes empresários?
A diáspora nepalesa é hoje calculada em mais de 4 milhões (a maior parte destes migrantes internacionais vivem na Índia, Golfo Pérsico, Malásia e Reino Unido). De acordo com o Banco Mundial, a exposição do mercado de trabalho do Nepal à crise do COVID-19 foi significativa e houve acumulação de dívidas na balança comercial (Banco Mundial, 2022). Segundo Chaudhary (2020), a migração internacional tem sido uma importante fonte de rendimento para muitas famílias nepalesas desde há décadas (57% das famílias dependem da migração internacional e ela contribui com entre 26% e 30% do PIB nacional, o que torna o Nepal num dos países mais dependentes de remessas migrantes no mundo). O Nepal emitiu mais de 4 milhões de autorizações de trabalho para trabalhadores emigrantes entre 2008-2018 (Chaudhary, 2020). Além de questões estruturais como a fragilidade da economia nepalesa, salários baixos, falta de perspetivas no mercado de trabalho e desemprego da população jovem, outro fator que influencia a decisão de migrar dos nepaleses é a existência de redes formais bem estabelecidas — isto é, agências de recrutamento. A imigração nepalesa para Portugal cresceu sobretudo a partir da crise económica de 2008-2009 e apresentou um aumento de 2360% (25 vezes) nos últimos 10 anos (Borelli, 2022). Embora esta migração seja predominantemente masculina (cerca de dois terços são homens), os números do influxo feminino têm vindo a aumentar[2].
Através do Figura 1, observamos que havia 797 nepaleses documentados a residir em Portugal no ano de 2010, número que aumentou para 21.015 residentes documentados em 2020 (SEFSTAT, 2021). Segundo os dados do Relatório Estatístico Anual — Indicadores de Integração de Imigrantes: 2023 (Oliveira, 2023), 36% dos trabalhadores nepaleses por conta de outrem em Portugal, em 2021, tinham o ensino secundário completo e 38,2% tinham o 3º ciclo do ensino básico, mas apenas 3% possuíam o ensino superior. Além disso, a nacionalidade nepalesa era aquela com menores remunerações base médias, com -35% de remuneração base média mensal que os trabalhadores portugueses em 2021 (Oliveira, 2023), e também aquela que mais vivia em alojamentos sobrelotados (74%) em 2021 (Monteiro, 2023). De acordo com dados recolhidos pessoalmente em 2018 junto da Fundação Cidade de Lisboa/CLAIM Campo Grande, entre 2010 e 2016, o número de nepaleses a viver e trabalhar em Lisboa aumentou seis vezes. Estes números não ponderam os milhares de migrantes não-documentados[3].
Figura 1 Stock de nepaleses em Portugal por sexo (2010-2020)
Fonte: Elaborado pela autora. SEFSTAT (2022).
Os empresários nepaleses em Lisboa serão comparados entre si e com outros empresários imigrantes locais, bem como com os seus homólogos acolhidos noutros países europeus. Temos enquanto objetivos a comparação aprofundada dos 36 empresários nepaleses entrevistados em Lisboa; determinar os perfis e estratégias destes empreendedores, bem como as suas redes nacionais e internacionais e a sua mobilidade intra ou interurbana em Portugal; determinar os contributos gerais comparados dos empresários nepaleses para a empregabilidade e mobilidade social dos seus coétnicos, para a economia de Lisboa, para a recuperação económica nacional portuguesa e para a internacionalização do comércio. A originalidade do artigo reside no enfoque numa população imigrante mais recente em Portugal, menos conhecida, e em crescimento. Assim, este artigo inicia-se com um “Enquadramento teórico” que engloba aspetos de transnacionalismo e transnacionalismo económico para enquadrar o empreendedorismo migrante e contextualizar economias étnicas e redes migrantes, bem como questões especificamente relacionadas com a diáspora nepalesa. Segue-se uma descrição da “Metodologia” usada para efetuar as 36 entrevistas com empresários nepaleses da cidade de Lisboa. Os “Resultados” traçam não só os perfis sociodemográficos dos empresários, como abordam aspetos ligados ao transnacionalismo económico e estratégias empresariais respetivas, ensaiando uma perspetiva comparativa. A “Discussão” aborda temas de género, casta, etnia, percurso migratório e tempo de estadia em Portugal nos seus entrecruzamentos com a empresarialidade migrante. Além disso, discute o caráter internacional das redes comunitárias e os modos como as redes étnicas transnacionais sustentam as atividades empresariais em Lisboa, além das iniciativas ligadas ao desenvolvimento do país de origem (Nepal). Por fim, as “Conclusões” resumem estratégias e motivações dos empresários, bem como as formas de transnacionalismo migrante económico detetadas, transnacionalismo from below e from above.
Enquadramento teórico
Começaremos por dedicar alguma atenção às categorias analíticas do transnacionalismo económico, empreendedorismo migrante e economias étnicas, bem como às redes migrantes e à noção de diáspora.
Transnacionalismo e transnacionalismo económico
De forma sumária, mudanças sociais significativas nos meios de transporte, nas formas de comunicação e nas condições económicas — ao longo de todo o século passado — conduziram a mudanças quantitativas e, consequentemente, também qualitativas nos fenómenos transnacionais (Portes et al., 1999; D. Schiller, 1999). O conceito de transnacionalismo abrange relações além-fronteiras: enquadra um conjunto muito amplo de laços, que vão desde os económicos (como remessas), aos sentimentos nacionalistas, comunicações frequentes com amigos e familiares, movimentos de retorno, atividades de não-imigrantes, parcerias em negócios transnacionais ou criação de organizações transnacionais. Alguns autores distinguiram entre transnacionalismo from above e from below (Smith & Guarnizo, 1998). Esta diferenciação separa atores individuais ou grupais de atividades decorrentes de iniciativas oficiais, organizacionais e estatais — os dois níveis podem colidir ou contradizer-se, em termos de objetivos e interesses. O trabalho de Basch et al. (1995) focou-se na “transmigração” como um processo transnacional chave, no quadro da reorganização do capitalismo global — foram-lhe apontadas vantagens, nomeadamente enquanto ponto de partida para o exame das relações sociais dos migrantes envolvidos com os Estados-nação desenvolvidos e pós-coloniais.
Uma das formas de transnacionalismo migrante é marcadamente económica: ela está ligada à magnitude das remessas e maneiras de remeter capital, às caraterísticas do empreendedorismo associado e às modificações paralelamente registadas nos arranjos institucionais. Na prática, surgem empresas étnicas transnacionais híbridas e negócios que ligam comunidades da diáspora umas às outras e à origem, via campos sociais transnacionais. O transnacionalismo económico refere-se às atividades transnacionais de natureza económica ou à criação de estratégias, atividades e instituições económicas transnacionais contextualizadas, inseridas em formações sociais transnacionais mais alargadas. Diferentes comunidades migrantes do sul da Ásia, desenvolvendo laços económicos internacionais, foram estudadas ao longo do tempo (cf. Lacroix, 2014, 2018; Light, 1972; Vertovec, 2004; entre outros)[4]. Diversos autores (Gellner & Hausner, 2018; Kharel, 2016; Light & Bonacich, 1991; Light & Gold, 2000; Portes, 2003; Sijapati, 2009; Yeoh & Ramdas, 2014; Zhou, 2004) estudaram transnacionalismo entre migrantes asiáticos, notadamente os campos sociais e as empresas étnicas formadas, a politização do processo migratório e as misturas religiosas na diáspora ou o surgimento de instituições híbridas, as profissões ou nichos étnicos, as comunidades que levam consigo sistemas de castas e formas de organização social da origem, ou ainda o ativismo migrante grassroots.
Empreendedores migrantes, economias étnicas, redes e diáspora
Consideraremos, aqui, uma definição de empreendedores migrantes que englobe tanto a característica de “imigrantes temporários” atribuída às middleman minorities, quanto a noção de “enclave étnico” (Wilson & Portes, 1980), quanto ainda os diversos fatores que interferem no tipo de negócio criado (Basu & Altinay, 2002). Por “negócio étnico” entenderemos a empresa surgida num ecossistema com recursos étnicos que podem ser explorados, que é possuída e gerida por coétnicos, com funcionários que são maioritariamente coétnicos (podendo ser familiares e também não-coétnicos) e cujos clientes são, na sua maioria, coétnicos igualmente (mas também podem pertencer a outras minorias ou à sociedade de acolhimento); os fornecedores dessas empresas são ainda tendencialmente coétnicos. Adotamos as definições de economia étnica de Bonacich e Modell (1980) e de Light et al. (1993). Há menções aos estudos sobre minorias intermediárias em Bonacich (1973). Já o conceito de “economia étnica” foi operacionalizado da seguinte forma: qualquer imigrante ou grupo étnico auto-empregado, os seus empregadores, os seus trabalhadores étnicos e os seus familiares não-remunerados. (Bonacich & Modell, 1980)[5].
As economias étnicas possibilitam que grupos étnicos “mantenham bairros, apoiem instituições comunitárias, assistam os indigentes, treinem os recém-chegados, eduquem e protejam as crianças, desenvolvam o poder político e preservem a sua integridade cultural” (Light & Gold, 2000, p. X). Estes autores adotam a definição de economias étnicas proposta por Bonacich e Modell (1980), mas alteram a sua designação para ethnic ownership economies e distinguem aquelas das ethnic controlled economies (Bonacich & Modell, 1980; Light & Gold, 2000). As ethnic ownership economies são baseadas na pertença e no direito de propriedade: consistem em negócios de tamanho pequeno e médio, que são propriedade de empreendedores étnicos ou imigrantes, seus trabalhadores e ajudantes coétnicos. Já as ethnic controlled economies são aquelas cujo fundamento é o controlo de facto (não a autoridade da posse), com base em números, clustering e organização: referem-se a indústrias, ocupações e organizações do mercado de trabalho geral nas quais empregados coétnicos (não os donos) exercem poder económico apreciável e persistente (que resulta do seu clustering numérico, preponderância, organização, mandatos governamentais, ou dos quatro anteriores) e permitirão aos coétnicos assegurar mais e melhores trabalhos no mercado mainstream, reduzir o desemprego e melhorar as suas condições de trabalho. Os autores pretenderam que estas últimas sumarizassem as noções de “nicho étnico” (Waldinger, 1996a, 1996b), “hegemonização étnica” (Jiobu, 1988) e “efeito da sobre-representação” (Logan et al., 1994). As discussões sobre esta temática evoluíram com a proposta de tipologias de estratégias empresariais de imigrantes, com destaque para aquela desenvolvida em Portugal por Oliveira (2005, 2017, 2019).
Há uma relação íntima das migrações com a dependência, criação, reforço e recriação de redes sociais (Portes & Bach, 1985). As redes podem ser pesquisadas na sua relação com as atividades transnacionais de certos grupos de migrantes. Ao estudar a diáspora nepalesa em Portugal, seguiremos a definição proposta por Cohen (1997) e ponderaremos as considerações de Brubaker (2005), que vão além da bipolaridade (conservadora/hibridização) introduzindo a complexidade do tempo e do espaço na definição de diáspora.
Metodologia
Procurando determinar as caraterísticas gerais do empreendedorismo nepalês em Lisboa, assim como a importância das redes étnicas transnacionais nepalesas no contexto desse empreendedorismo, esta pesquisa qualitativa combina observação participante e método etnográfico com 36 entrevistas semiestruturadas (1 1/2 horas de duração) a empresários nepaleses na cidade de Lisboa. Os indivíduos são do sexo masculino e feminino, maiores de 18 anos e foram selecionados por meio de amostragem não-probabilística (método bola-de-neve). Através deste método, houve abordagem aos primeiros participantes em restaurantes e mercearias da cidade e estes intermediários recrutaram e indicaram outros para entrevista, de forma linear. A análise das entrevistas foi feita via análise de conteúdo temática, além da análise quantitativa dos dados sociodemográficos e empresariais coletados (MAXQDA). A observação participante direta ocorreu através da imersão de longo-prazo, da investigadora, na cultura da comunidade nepalesa em Lisboa, enquanto membro marginal (incluiu frequentar encontros internacionais de empresários nepaleses, os seus negócios e lojas e assistir a contatos com fornecedores, sócios, clientes e ao recrutamento de staff, frequentar festivais nacionais nepaleses e dos grupos étnicos, frequentar eventos promovidos e patrocinados por grupos específicos de empresários nepaleses, frequentar eventos como aniversários ou casamentos de empresários, ou ainda diferentes cerimónias religiosas onde participaram empresários nepaleses).
Resultados
Apresentamos de seguida os resultados obtidos, para uma caraterização geral dos empresários nepaleses entrevistados — a saber: descrevemos os seus perfis, trajetórias migratórias e duração da estadia no destino, origens e caraterísticas étnicas, culturais, religiosas e linguísticas, educação/formação e respetivas áreas de atividade empresarial; e número de trabalhadores que empregam. A esmagadora maioria dos empresários nepaleses entrevistados é do sexo masculino (33), com apenas três empresárias nepalesas representadas[6]. A idade dos empresários nepaleses entrevistados varia entre os 25 e 63 anos, tendo a maioria (29 de 36 entrevistados) entre 25 e 45 anos. Quanto ao estado civil dos empresários, a Tabela 1 resume essa informação:
Tabela 1 Estado civil dos empresários nepaleses, em frequências e por sexo (N = 36)
Fonte: elaborado pela autora, 2021.
Já o grupo étnico foi registado de acordo com a autoclassificação dos sujeitos. Entre os empresários entrevistados em Lisboa, prevalecem os Kshatriya (Chhetri e Thakuri): nove são Chhetri (um quarto dos entrevistados) e cinco outros são Thakuri, seguidos por empresários dos grupos étnicos Newar, Sherpa e Khas-Bahun. A maioria dos empresários provinha de Catmandu, do chamado MidWestern Nepal, das regiões de Pokhara e Chitwan.
A casta é uma forma de estratificação social que se carateriza por endogamia, transmissão hereditária de estilo de vida (o que frequentemente inclui ocupação, nível educacional, estatuto ritual numa hierarquia e formas de interação social ou exclusão baseadas nos costumes, em conexão com as noções de “pureza” e “impureza”). Embora o sistema de castas e subcastas esteja abolido por lei no Nepal há várias décadas, ele ainda molda ocupações, oportunidades de estudo e representação política, estatuto socioeconómico, entre outros indicadores. O subgrupo de casta autodeclarado pela maioria dos empresários entrevistados é Chhetri[7]. A religião dos membros da diáspora é polítropa (assume diferentes variedades e há mistura de práticas religiosas). De um modo geral, 26 empresários são Hindus, quatro são Budistas Tibetanos, dois são Hindus-Budistas, um é Hindu-Animista, um é Budista e um é Cristão. Os grupos linguísticos dos empresários mostram igualmente relações gerais com a etnicidade. Verificamos que metade (18) dos empresários mencionam apenas o Nepalês como seu grupo linguístico[8]. O tempo de permanência em Portugal varia entre um ano e meio e 24 anos[9]. Quanto à composição dos agregados familiares dos empresários nepaleses, 21 faziam parte de um casal com crianças. Dos 36 empresários, 10 já tinham vivido no Reino Unido anteriormente, três na Bélgica e dois na Holanda, Dinamarca ou Noruega. As áreas de formação (9 com formação técnico-profissional e 12 superior) registadas são: gestão empresarial (6), hotelaria e turismo (6), tecnologias de informação e telecomunicações (3), direito (2), relações internacionais (2), enfermagem (1) e gestão da saúde (1). Nas suas áreas de negócio destaca-se o setor terciário. Porém, dois empresários dedicam-se igualmente à agricultura (setor primário) e dois à consultoria (setor quaternário)[10].
Uma das estratégias que os empreendedores migrantes podem utilizar para facilitar a sua adaptação a situações novas, sociedades em mudança, mercados volúveis e imprevisíveis é a versatilidade: o desenvolvimento de várias áreas de negócio em simultâneo, que podem ou não complementar-se, assim como competências e conhecimentos em domínios que vão desde as novas tecnologias e artesanato ao enoturismo. Sobressaem a versatilidade e flexibilidade dos empreendedores (a maioria deles tem experiência em diversas áreas de negócio — p. ex.: restauração e recrutamento agrícola), tal como algumas combinações originais de atividades (p. ex.: agência de viagens, mercearia e exportação de vinho). Quando não existe concentração de negócios numa área de atividade e respetiva especialização, há versatilidade nos negócios (ou mesmo ambas as estratégias — p. ex.: especialização na restauração, mas diversificação com hotelaria), procurando assegurar a diversidade de produtos e serviços (multiatividade). O total de trabalhadores dos 36 empresários entrevistados variava entre 2 e 150 — o número total foi de 584. Com até 15 empregados, 30 destes negócios são de escala pequena ou familiar, atendendo essencialmente fins de sobrevivência e documentação. Os principais critérios de recrutamento são as ligações pessoais e étnicas (22), a competência, talento e qualificações (21) ou a confiança e lealdade que os empresários reconhecem nos trabalhadores (18); 19 declaram ter recorrido a empréstimos informais, incluindo por parte de familiares e amigos; 13 recorrem a financiamento próprio e 6 solicitaram crédito formal em Portugal. O entrevistado n.º 33 faz parte dessa pequena minoria: “Sim, já solicitei empréstimos [formais] em Portugal e no Nepal. Em Portugal, recorri a um banco português” (entrevistado n.º 33).
Mas quando estes empreendedores necessitam de financiamento, há uma clara predominância de canais informais (sobretudo recorrendo a coétnicos — no sentido estrito: pertencentes ao mesmo grupo étnico nepalês que o empreendedor específico — tanto em Portugal quanto noutros países de acolhimento, ou a familiares — por inerência, os familiares tendem a pertencer à mesma casta que o empreendedor visado). Porém a maioria já havia solicitado empréstimos formais no Nepal e em Portugal (11), Reino Unido (7) ou outros, como a Dinamarca (2):
No Reino Unido sim [já recorri a empréstimos]. Em Londres, eles ajudam os negócios e os estudantes também. Se os bancos aqui pudessem ajudar a baixar as taxas de juro… A minha opinião é que deveria haver empréstimos do governo com baixas taxas de juro. (entrevistado n.º 21)
O entrevistado n.º 5, por seu turno, detalha como obteve financiamento para iniciar o seu negócio: “Através de um empréstimo junto de um banco português. Revelou-se mais fácil para mim porque tinha formação em Hospitality e Gestão no Reino Unido” (entrevistado n.º 5).
Isto contrasta com outros casos menos bem-sucedidos, como o do entrevistado n.º 20, que solicitou empréstimos a familiares e amigos no Dubai, Nepal, Qatar, Portugal e investiu também num café, além de uma mercearia: vê-se confrontado com elevadas taxas de juro, sofre de insónias, stress e outros problemas de saúde devido às rendas em atraso, deixou de ter lucros e não consegue pagar salários e contas.
Dos empresários, 17 enviam capitais (através de fluxos financeiros e com fins produtivos) para Portugal ou para outros países; 24 recebem capital de terceiros. É clara a tendência para terem, como sócios e co-empreendedores fora e dentro do país familiares. O que confirma a tendência para as pequenas empresas se apoiarem em redes familiares e coétnicas. Quando precisava de financiamento, o entrevistado n.º 6 recorria: “À minha família nepalesa, à venda de propriedades no Nepal, a sócios nepaleses ou a pessoas da minha região de origem [Gurkhas]” (entrevistado n.º 6).
Detetámos uma estratégia paralela ou adicional de investimento/financiamento dos negócios, através do patrocínio regular de eventos étnicos em Lisboa — referidos por alguns empresários como uma “forma de investimento” da sua parte. Estes eventos (que incluem concertos, celebrações de cariz étnico, reuniões, jantares, etc.) são frequentes e, com a participação de centenas ou milhares de pessoas, permitem que os patrocinadores compartilhem lucros regulares (por meio da venda de ingressos e bens de consumo), usando-os como estratégias de capitalização.
Como principal critério para estabelecer relações comerciais, a maioria dos empresários valoriza o “preço” (24), seguido da “qualidade” (19) e da “confiança” (18); alguns apontam a relevância dos critérios “conacionalidade” e “grupo coétnico” (p. ex.: “redes de Sherpas”). Todos declaram ter parceiros ou fornecedores em Portugal e na Europa — com destaque para o Reino Unido, Bélgica, ou Itália e Espanha. Muitas empresas nepalesas são internacionais ou mesmo transnacionais — em termos do seu fornecimento, recrutamento, financiamento, envio e recebimento de bens de consumo ou capital, recursos e serviços: “Recebo dinheiro [pagamentos e fluxos financeiros] de outros parceiros europeus… Envio artesanato para outros países europeus, sim, tenho clientes noutros países europeus” (entrevistado n.º 14).
Verificamos que 19 empresários não têm investimentos pessoais no Nepal e 17 afirmam tê-los; 22 possuem clientes no país de origem e trabalham com empresas parceiras que também os têm[11]: “Tenho investimentos no Nepal e na Austrália. Na Bélgica, tenho apenas facilitadores de negócios e parceiros” (entrevistado n.º 8).
Metade dos entrevistados declaram pertencer a ONGs ou Charities e oito deles estão envolvidos em associações nepalesas ou étnicas em Lisboa, ou em organizações da diáspora nepalesa, como a NRNA — Non-Resident Nepalis Association[12]. Essas Charities e ONGs possuem uma natureza familiar e coétnica, estão ligadas a vários negócios familiares e facilitam vantagens fiscais. Três dessas Charities e ONGs tinham a sua sede principal, ou única, em Lisboa.
No caso nepalês, a migração internacional tem uma grande relevância económica. Constatamos até o recrutamento de trabalhadores para a agricultura em Portugal, envolvendo uma panóplia de intermediários — incluindo indivíduos legados à política ou líderes comunitários tornados empresários. O esforço para ajudar ao desenvolvimento do Nepal é articulado e de cariz transnacional: uma maioria dos entrevistados participa de forma direta nesse esforço. A maioria dos empresários em Lisboa descreve, ainda, o Nepal como “casa-mãe” e “aquilo que os une” (há consciência diaspórica). Segundo o entrevistado n.º 4:
[as autoridades nepalesas] Valorizam cada vez mais [o contributo da diáspora]… Já perceberam a importância dos emigrantes para a economia e para o trabalho social no Nepal. Com o terremoto [de 2015, seguido de crise humanitária e lockdown pela vizinha Índia], isso ficou ainda mais evidente. (entrevistado n.º 4)
Registaram-se intensas redes de comércio europeu e internacional entre a diáspora nepalesa em Lisboa, de cariz coétnico e familiar. Essas redes importam e exportam bens, produtos e serviços e recrutam mão-de-obra (por exemplo, para a agricultura nas regiões rurais). Alguns dos setores de atividade mais ligados ao comércio internacional foram: hotelaria, imobiliário, agricultura, serviços de agências de viagens, supermercados e restaurantes. Os produtos agrícolas eram exportados sobretudo para o norte da Europa.
Os trabalhadores empregados por estes empresários são, na sua maioria, também oriundos do Nepal. Não obstante, mais de metade dos empresários têm preferências ao nível do recrutamento: preferem coétnicos e familiares, pessoas oriundas da mesma região geográfica de origem no Nepal, trabalhadores desempregados e com carências, leais e confiáveis, experientes e competentes, do sexo masculino e jovens. Uma larga maioria de entrevistados declara que o principal motivo para efetuar recrutamento dentro da comunidade nepalesa é “ajudar a nossa comunidade”.
Discussão
Este estudo inclui apenas três entrevistas com mulheres nepalesas — podemos discernir alguns argumentos que o justificam. O acesso das mulheres migrantes nepalesas especificamente à empresarialidade e a posições de liderança dentro desta migração aparenta estar parcialmente comprometido[13], em parte devido à ausência de estruturas de apoio à maternidade e, em parte, devido à natureza patriarcal, patrilocal e patrilinear da sua sociedade e cultura de origem. Os Kshatriya constituem quase metade (15) dos entrevistados, ao passo que Tamang, Sanyasi-Dashnami/Puri, Tharu, Purti e Sudra-Dalits aparecem subrepresentados[14]. No total, mais de dois terços (27) dos empresários declaram pertencer a castas elevadas dentro do seu grupo étnico. Isto parece indicar uma certa rigidez dos sistemas étnico-religiosos de casta transpostos da origem para o país de destino, como já verificado por alguns autores ao compararem os migrantes nepaleses na Bélgica e Reino Unido (Gellner et al., 2016; Pariyar, 2022). Existem associações entre grupos étnicos e religiões declaradas pelos nossos empresários nepaleses — grupos étnicos com posições sociais mais elevadas tendem a ser Hindus ou Hindus-Budistas, tal como era a família real nepalesa e são ainda muitas elites nepalesas, ao passo que as chamadas “nacionalidades indígenas” nepalesas tendem a adotar mais frequentemente o Budismo ou o Animismo (Adhikari & Gellner, 2019; Gellner & Hausner, 2018; Owens, 2021). Períodos mais longos de permanência em Portugal podem ajudar a explicar o tamanho alcançado pelos negócios de alguns empresários. No total, dois terços (24) empresários viveram/trabalharam noutros países europeus antes de chegarem a Portugal, o que ilustra a importância das redes intra-europeias criadas e dos trajetos migratórios complexos.
Os empresários nepaleses estão sobrerrepresentados nos órgãos de gestão dos grupos e associações da comunidade nepalesa, têm qualificações mais elevadas, acesso a experiências de gestão profissional, a redes mais alargadas e a maior quantidade de recursos comunitários. Os grandes empresários nepaleses na capital portuguesa representam uma minoria, desempenham cargos de administração, chegaram a Portugal há 15 anos (uma das famílias pioneiras chegou há mais de 25 anos) e falam português fluentemente. No que se refere à relevância dos diversos tipos de transnacionalismo nas empresas de nepaleses em Lisboa (Vertovec, 2004), resumidamente, os dados recolhidos permitiram coletar uma ampla gama de relações de troca (trabalho, serviços, bens de consumo) registada entre países europeus e com o Nepal, bem como diversidade de fornecedores de outros grupos migrantes ou portugueses e a transferência de um montante significativo de recursos entre Portugal, Nepal e outros países. Verificou-se o carácter internacional das associações, redes comunitárias e étnicas, com um modus operandi bem estabelecido; tal como uma vontade de auxiliar o desenvolvimento do país de origem (Nepal) e a organização formal de migrantes nepaleses numa diáspora. Todos estes dados coletados e mais detalhados no nosso projeto de investigação doutoral (Pereira, 2019) apoiam a nossa posição segundo a qual as atividades desenvolvidas pelos empresários do Nepal em Portugal e na Europa seguem as caraterísticas típicas do transnacionalismo. E as suas redes coétnicas conectam-se através de diversos países europeus.
Relativamente aos modos como as redes étnicas transnacionais fomentam e financiam as atividades dos empresários oriundos do Nepal em Lisboa, parece-nos que as chamadas “oportunidades étnicas” (Aldrich & Waldinger, 1990; Bonacich & Modell, 1980; Light, 1984; Light & Gold, 2000; Oliveira, 2005, 2017, 2019; Strüder, 2003) ajudam a compreender muito do empreendedorismo migrante nepalês. A “solidariedade” e a “confiança” revelam-se fundamentais no recrutamento e na facilitação de relações empresariais — o que, novamente, indica a criação de empresas étnicas e de uma economia étnica estruturada (Bonacich & Modell, 1980; Light & Gold, 2000). A dependência de Charities/ONGs, redes étnicas e familiares em diferentes países aparece como fator que subjaz à natureza transnacional dos negócios. Adaptando a tipificação de estratégias empresariais de imigrantes desenvolvida por Oliveira (2005, 2017, 2019), as estratégias empresariais de nepaleses em Lisboa poderão ser subdivididas em estratégias pessoais e estratégias de grupo (comunitárias, étnicas e contextuais). O empresário pode desempenhar um papel mais central ou periférico dentro da sua rede: isso varia consoante as suas origens étnicas, geográficas e familiares, a sua formação, experiência migratória e recursos pessoais. Novamente recorrendo ao modelo heurístico de Oliveira (2005, 2017, 2019), a dimensão estrutura de oportunidades é igualmente relevante (interferência do contexto político-legal no destino, oportunidades da economia e do mercado de trabalho, opinião pública e receção social). Com base nos dados apresentados acima, concebemos a possibilidade da existência de várias economias étnicas (separadas) entre os empresários nepaleses em Lisboa, intimamente ligadas ao grupo étnico dos empresários e respetivas redes transnacionais criadas — estas apoiam-se, no destino, em associações étnicas, recursos étnicos e reivindicações de cidadania particulares.
Quanto a uma perspetiva comparativa, a qualidade, densidade e intensidade das ligações nas redes internacionais ou empresas transnacionais, bem como as formas de empreendedorismo adotadas, variam entre os sul-asiáticos em Lisboa. Para alguns autores (cf. Ávila & Alves, 1993; Cachado, 2017; Lourenço & Cachado, 2012), há uma centralidade das trading companies de base familiar na organização empresarial indiana. Comparativamente, o financiamento através de grupos étnicos, ou utilizando redes coétnicas internacionais, parece mais comum no caso nepalês. Outros autores (cf. Mapril, 2010) sublinham a identidade muçulmana e bengali dos bangladeshianos em Lisboa. Existem paralelismos fortes com os empresários nepaleses: o fenómeno do transnacionalismo, associações (étnicas ou comunitárias) que se vinculam ao país de origem e promovem ajuda ao desenvolvimento, reforçando o nacionalismo e o “orgulho étnico”. Há convergências, igualmente, quando examinamos as redes políticas representadas na capital portuguesa. Contudo, distinções religiosas e culturais relevantes justificam que haja menor participação das mulheres do Bangladesh na vida profissional ativa em Portugal, do que no caso nepalês. Por fim, comparando a atividade empresarial chinesa que é mais visível em Portugal com o empreendedorismo nepalês em Lisboa (cf. Cai, 2019; Fengyang, 2016; Gaspar, 2015; Oliveira, 2005, 2017; Silva dos Santos, 2011), sobretudo nas áreas da venda a retalho e restauração, encontramos alguns pontos de afinidade: estratégias empresariais de base familiar, mas também multiétnicas[15]. Os empresários nepaleses em Lisboa partilham ainda afinidades com outros empresários nepaleses na Europa, sobretudo no Reino Unido. Nomeadamente, ao nível de certa rigidificação das estruturas da comunidade, da criação de empresas com arranjos híbridos que agregam entendimentos da origem e do destino, da reconstrução de estruturas e redes étnicas e da reprodução de estruturas de casta e género no país de acolhimento. Há também paralelismos nas estratégias adotadas e na inserção laboral (entre Portugal, Reino Unido ou Bélgica): profundamente associadas aos (e dependentes dos) processos de transnacionalismo e redes étnicas particulares — embora os grupos étnicos mais influentes variem entre os países de destino e haja, na Bélgica, menor rigidificação devido à estrutura de oportunidades e modos de documentação específicos nesse destino (muitos imigrantes nepaleses foram aí recebidos como asilados políticos, na decorrência da guerra civil).
Conclusões
Com base nos resultados obtidos, pudemos determinar as caraterísticas gerais do empreendedorismo nepalês em Lisboa (suas motivações, percursos, perfis e estratégias), bem como a relevância das redes étnicas transnacionais nepalesas para esse empreendedorismo, tendo proposto a existência de diversas economias étnicas paralelas (Bonacich & Modell, 1980; Light et al., 1993). Destacamos a relevância das redes coétnicas em grupos como os Bahun, Newar, Sherpa, Chhetri e Thakuri, bem como a importância desses canais étnicos particulares para manter e fornecer “negócios étnicos” em Lisboa, constituindo mesmo um enclave étnico na zona da Avenida Almirante Reis/Martim Moniz (Basu & Altinay, 2002; Wilson & Portes, 1980). Salientamos, ainda, as novas formas de transnacionalismo migrante económico detetadas: registamos conexões entre países nunca antes ligados de um ponto de vista económico (Nepal e Portugal, com ou sem triangulação com países terceiros). Isto inclui: empresas étnicas transnacionais híbridas com modificação de arranjos institucionais na origem e no destino, multiatividade e estratégias como a versatilidade e/ou concentração de negócios. Assim como: novas formas de remeter capital por via das payshops (usando contas de Charities), negócios vinculando comunidades étnicas transnacionais entre si e campos sociais transnacionais ligando Portugal a outros países europeus, ao Nepal, à China, Austrália ou Estado Unidos, com emergência de nichos profissionais e etnoscapes, algum empreendedorismo inovador (p. ex.: a exportação de vinho português para o Nepal ou a importação de artesanato Sherpa); além do transporte de entendimentos, comportamentos, sistemas de castas e patriarcais além-fronteiras.
Os empresários nepaleses mantêm diversos vínculos com a origem: de negócios, políticos, amizade, familiares, relações com a comunidade, laços de assistência que cruzam continentes. Pudemos também distinguir modos de transnacionalismo “de cima” e “de baixo”: atividades e iniciativas institucionais e organizacionais (como o estabelecimento da organização-cúpula da diáspora NRNA em Lisboa, visitas do seu Presidente ou do Ministro da Agricultura Nepalês a Portugal, ou delegações locais de organizações étnicas específicas, jornais com redes europeias e partidos políticos nepaleses em Portugal), distintas de atividades transnacionais realizadas por pessoas (indivíduos empreendedores ou grupos, como Charities que servem negócios de uma mesma família em diferentes países, negócios locais e grupos como a AMNP — Associação de Mulheres Nepalesas em Portugal, que por vezes também providencia empréstimos informais às suas afiliadas e suporte legal). Notamos, enfim, motivações de sobrevivência, mobilidade social e documentação/nacionalidade prevalentes, percursos com passagens prévias por outros países europeus, perfis que indicam a pertença maioritária a determinados grupos étnicos e castas elevadas. Ao nível das estratégias, o financiamento empresarial e o recrutamento de trabalhadores têm um caráter marcadamente étnico (que é menos evidente nas relações com fornecedores e menos ainda com clientes). O empresarialismo nepalês surge, então, igualmente conectado a estratégias de reprodução de castas e grupos sociais/étnicos herdados a partir da origem ou de países terceiros.
Agradecimentos
A autora deseja agradecer os preciosos contributos do seu orientador de tese de doutoramento no ISEG, Prof. João Peixoto, PhD, bem como do Dr. Kamal Bhattarai/NIALP e dos/as revisores/as da SOCIOLOGIA ON LINE.
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Data de submissão: 20/06/2021 | Data de aceitação: 29/06/2023
Notas
Por decisão pessoal, a autora do texto escreve segundo o novo acordo ortográfico.
[1]Aqui, optámos por nos concentrar apenas nos empreendedores nepaleses e nos atributos/particularidades dos seus negócios (deixando de parte os trabalhadores).
[2]Tendo Portugal uma das mais baixas taxas de fertilidade e mais elevadas taxas de envelhecimento demográfico da Europa (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2023), nos últimos 5 anos registaram-se quase 2 mil nascituros de mães nepalesas no país. Esta nacionalidade ocupava o 4º lugar, atrás dos bebés nascidos de mães brasileiras, angolanas e cabo-verdianas em Portugal (Oliveira, 2020).
[3]Induzidos através de uma análise do número de trabalhadores agrícolas nepaleses que permanecem não-documentados no pós-pandemia, dos números de contra-ordenações e ordens de expulsão do território nacional de cidadãos nepaleses, bem como daqueles que foram vítimas de processos de tráfico humano (divulgados nos Relatórios Anuais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — SEF durante os últimos 5 anos), mas também através de um cruzamento com o número cumulativo de cidadãos nepaleses registados e ativos junto das diferentes associações nepalesas em Portugal e do Consulado do Nepal em Portugal.
[4]Poderemos ainda distinguir formas de transnacionalismo migrante sociocultural e de cariz político, associadas à ampla dispersão de ideologias, às diferentes modalidades de intervenção e aos múltiplos modos de pertença política e ativista (cf. Basch et al., 1995; Levitt, 2010; Martiniello & Lafleur, 2008; N. G. Schiller & Çaglar, 2011; N. G. Schiller & Fouron, 2001; Smith & Guarnizo, 1998; Vertovec, 2011, 2013; entre outros), bem como ao ativismo político transnacional bottom-up levado a cabo por migrantes utilizando novas ferramentas digitais, redes sociais, canais de aplicações, fóruns online, entre outras ferramentas.
[5]Cf. Bonacich (1973), Light et al. (1993) e Modell (1977).
[6]O que contrasta com o número de migrantes do sexo feminino (36,8%) registado na comunidade nepalesa em Portugal em 2021 (SEFSTAT, 2022).
[7]Há um indivíduo para cada um dos seguintes subgrupos: Brahmin Khas-Bahun, Shrestha, Tharu, Mingyagpa, Puri, Upreti, Pariyar e Magarati.
[8]Outros empresários declararam fluência Sherpa, Newari, Khas-Kura. E outros ainda em Tamang, Gurkha, Thakuri, Bhojpuri, Hindi, Puri e Árabe. A diversidade étnica e regional dos entrevistados permite supor a fluência em mais línguas maternas do que as autodeclaradas.
[9]Dos empreendedores, 31 permanecem em Portugal por períodos que variam entre 1,5-10 anos. Cinco empresários residem em Portugal há 16-25 anos.
[10]Cumulativamente com outras áreas de atividade ou não, a esmagadora maioria (31) são empresários ligados à restauração e às mercearias e supermercados — o que tem equivalências com os dados recolhidos no Reino Unido (Centre for Nepal Studies UK [CNSUK], 2015). Outras áreas de atividade observadas são: agência de viagens, artesanato, consultoria ou imobiliário.
[11]Importam, na maioria dos casos, bens de consumo (17) e mão-de-obra da origem, ao passo que exportam sobretudo serviços e bens de consumo para o Nepal.
[12]Organização-chapéu da diáspora em +70 países, embora muito politizada.
[13]Pariyar (2011) e Pariyar et al. (2014) levantaram a hipótese de que obstáculos significativos à integração poderiam acentuar uma natureza patriarcal nas estruturas da migração nepalesa e influenciar uma obediência mais inflexível aos sistemas de casta herdados da origem. Da mesma forma, no Reino Unido, a grande maioria dos empresários oriundos do Nepal é do sexo masculino (CNSUK, 2015).
[14]Os grupos com maior relevância empresarial são, no Reino Unido: Kshatriya, Khas-Bahun, Limbu, Magar, Rai e Gurung (CNSUK, 2015); e, no Nepal: Sherpa, Newar, Gurung e Marwadi (Central Bureau of Statistics [CBS] & International Labour Organization [ILO], 2019). Assim, em Lisboa verifica-se uma mistura de tendências do Reino Unido e do Nepal, quanto aos grupos étnicos empreendedores prevalecentes. Destaca-se a presença relevante de empresários Thakuri e Sherpa na capital portuguesa, enquanto empresários Tamang e Tharu aparecem subrepresentados (a nossa amostragem ocorreu por bola-de-neve e procurou evitar enviesamentos, embora não seja representativa).
[15]Parece interessante vir a indagar mais aprofundadamente os tipos de solidariedade e cooperação verificados entre estas duas comunidades migrantes, no âmbito das economias étnicas registadas na área do Martim Moniz, em Lisboa.
Autores: Alexandra Pereira