Nº 3 - junho 2011
Felismina Mendes, Doutorada em Sociologia pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. Professora Coordenadora da ESE/UÉ – Escola Superior de Enfermagem – Universidade de Évora; Investigadora do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, CIES-IUL, Lisboa, Portugal. Endereço electrónico: fm@uevora.pt
Abstract: For years, nursing education in Portugal was determined by medical advances and the evolution of hospital work. The autonomy of nursing emerged when nurses had reached the capacity to intervene in the process of constitution of the curriculum and a central position in the learning. Since that time, these professionals have been highly selective in what they intend to Sociology or the Health Sociology. Despite the well established relationship, the world of nursing is revealed, for these sciences, a territory that though conquered, still much contested. The teaching activity and research with which I was involved throughout my professional career, while I positioned in the center of nursing education, it also led me often out of it, putting myself in circuits where this is was under examination and questioning. This power (or privilege) to be inside but also outside, has been a constant challenge, hard, demanding, but always productive. It’s from this power, that this reflection was structured.
Keywords: nursing education, sociology, sociology of health.
Resumo: Durante anos, o ensino da enfermagem em Portugal foi determinado pelos progressos da medicina e pela evolução do trabalho hospitalar. A autonomia da enfermagem emergiu quando os profissionais de enfermagem alcançaram a capacidade de intervir no processo de constituição do currículo e uma posição central na aprendizagem. Desde esse momento, estes profissionais têm sido altamente selectivos naquilo que pretendem da Sociologia ou da Sociologia da Saúde. Apesar da relação existente estar bem estabelecida, o mundo da enfermagem revela-se, para estas ciências, um território que, embora conquistado, continua a ser muito contestado. A actividade docente e as pesquisas com as quais me envolvi ao longo do meu trajecto profissional, ao mesmo tempo em que me posicionaram no centro da educação em enfermagem, também me conduziram, frequentemente, para fora dela, colocando-me em circuitos onde esta se encontrava sob análise e questionamento. Este poder (ou privilégio) de estar dentro, mas também fora, tem sido um desafio constante, duro, exigente, mas sempre produtivo. É a partir dele, que a reflexão que se apresenta neste artigo se estruturou.
Palavras-chave: ensino de enfermagem; sociologia; sociologia da saúde.
”It is dangerous to let sociologists into medical schools… they cause divisiveness by emphasizing differences in care rather than commonalities.” (Chefe de departamento de uma clínica nos Estados Unidos, 1981) (Petersdorf and Feinstein, 1981: 945).
A Sociologia e a Sociologia da Saúde no território da Enfermagem
De acordo com Allen (2001) a sociologia e a enfermagem têm uma relação bem estabelecida mas que está longe de se traduzir num casamento harmonioso. As desconfianças são várias e a infidelidade uma presença constante.
A chave para entender a relação da enfermagem com a sociologia deve ser analisada a partir da preocupação da enfermagem em controlar e desenvolver a sua base de conhecimentos (ou o seu conhecimento de base).
Durante anos, dependentes do poder e saber médicos para a sua educação e treino, as enfermeiras encetaram uma longa luta para estabelecerem a sua demarcação epistemológica da medicina.
Ainda recentemente, quer quando da entrada no ensino superior (Decreto-lei nº 480/88, de 23 de Dezembro), quer quando da atribuição do grau de licenciatura ao curso de enfermagem (Decreto-lei nº 353/99, de 3 de Setembro), o medo de perder o controlo para os cientistas sociais, esteve presente e fez-se sentir. A fragilidade do seu corpo de conhecimentos gera angústias constantes.
Como assinala Kruse (2008), o desenvolvimento profissional da enfermagem, representado principalmente pelo ingresso na Universidade e pela preocupação em construir um saber próprio, fez circular um outro discurso sobre a profissão: a enfermagem como profissão autónoma e participante, em igualdade de condições com os outros profissionais da saúde.
Esta apreensão permanece ainda hoje, evidenciando-se a obediência e a disciplina, quando se observa a preocupação em seguir as políticas educacionais, como se nelas existissem verdades que as tornam intrinsecamente boas. São disso exemplo as preocupações que têm com as directrizes curriculares nacionais e internacionais e os seus pressupostos. Quem não ouviu já referências sobre levar os alunos dos cursos de saúde a aprender a aprender, a aprender a ser, aprender a fazer, aprender a estar e aprender a conhecer… Ou a importância de formar enfermeiros com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva… Como se nestas palavras residisse a chave da boa formação e, ao implementá-las, esta estivesse automaticamente assegurada (Kruse, 2008; Edgley et al., 2009).
É interessante destacar que nas lutas pela definição legal destas directrizes, muitos interesses conflituantes se manifestaram e aquilo que hoje é visto como uma conquista é, na verdade, o produto de uma intensa batalha para assegurar a inclusão de ideias, significados e definições partilhadas, onde alguns acordos foram estabelecidos e outros tantos silenciados, permanecendo algumas áreas de disputa, onde grupos em diferentes posições de poder pelejam por espaços passíveis de garantir a imposição das suas concepções.
Também a falta de um corpo docente próprio e com credenciais tem profundas implicações nas suas aspirações (de integrar teoria e prática). Daí a actual aposta na aquisição de credenciais académicas (nomeadamente doutoramento). São vários os exemplos de Escolas Superiores de Enfermagem onde mais de metade dos docentes se encontra em processo de doutoramento.
A importância da sociologia da saúde como veículo para encorajar as enfermeiras a distanciarem-se de forma continuada das concepções espartilhantes do cuidar e a olharem o mundo social através de uma nova lente interpretativa, é indiscutível. No entanto, a profunda insegurança com o estatuto do seu conhecimento tem conduzido a opções muito pragmáticas por parte dos enfermeiros.
Se em Inglaterra durante os anos noventa existiu um amplo debate na literatura de enfermagem sobre o valor da inclusão da sociologia e sociologia da saúde nos currículos de enfermagem (Cooke, 1993; Shrap, 1994, 1995; Porter, 1996; Mulholland, 1997) em que o catalisador foi um artigo de Cooke (1993) que surgiu na revista “Nursing Education Today”, apoiando fortemente os benefícios da sociologia para a enfermagem, mas criticando o seu corrente modo de integração na educação/formação em enfermagem, em Portugal esse debate nunca ocorreu de forma pública e explícita.
De facto, no nosso país, em que a sociologia, como outras ciências sociais, há muito integravam o currículo de enfermagem, não se assistiu a um questionamento explícito da inclusão destas diversas disciplinas. Mas isso não significa que ele não tenha pairado, durante todas as revisões curriculares que se foram operando após a integração do curso de Enfermagem no Ensino Superior.
Não se questionava à partida a integração e os contributos da sociologia; estava em causa sim a “apropriação instrumental” dos seus contributos, justificada quer pelo processo libertador da opressão da medicina, quer na fundamentação de novas áreas do conhecimento, quer sobretudo, nas aproximações holísticas ao cuidar.
Esta “apropriação instrumental”, em vez de encorajar uma perspectiva/postura crítica e reflexiva da parte da enfermagem e em vez de ser usada como um veículo para encorajar os enfermeiros a observarem o quotidiano da saúde e da doença através de um novo olhar interpretativo, foi usada, muitas vezes, para reforçar os paradigmas emergentes no seio da própria disciplina de enfermagem (Cooke, 1993).
Ou seja, os enfermeiros têm sido altamente selectivos naquilo que pretendem das diferentes ciências sociais que integram o currículo do curso de enfermagem e esta postura foi temporalmente muito facilitada pela inexistência de sociólogos da saúde.
Numa perspectiva instrumentalista, os contributos da sociologia traduziram-se numa valiosa ferramenta (para a enfermagem) ao “sancionar” o exercício de diferentes tipos de poder sobre os utentes, ao invés de contribuírem ou de se traduzirem numa reflexão crítica sobre a natureza das práticas profissionais.
Na enfermagem, as diferentes ciências sociais e a sociologia em particular, foram mais usadas para examinar os “outros” do que para uma abordagem interna do próprio grupo e da sua prática profissional (Mulholland, 1997).
Em contraste com esta perspectiva instrumentalista, centrada na introdução de uma perspectiva multidisciplinar na enfermagem, Cooke (1993) salienta as potencialidades emancipatórias que convergem nestas novas abordagens e que oferecem à enfermagem a dimensão crítica que lhes permite não apenas esboçar novos olhares sobre os velhos problemas da enfermagem, como simultaneamente facilitam o caminho da emancipação do quadro de referência biomédico. No entanto, a sociologia da saúde só poderá desempenhar esse papel activo, progressivo, transformador e emancipatório se for assumida como um efectivo saber teórico – capaz de fazer emergir a reflexão contínua sobre os desafios cada vez maiores que se colocam à enfermagem, num mundo em mudança.
Caso contrário, e mantendo-se as aprendizagens espartilhadas e fragmentadas, a sociologia pouco interesse terá para a enfermagem, dando razão aqueles que como Sharp (1994, 1995) se referem ao diminuto valor destas abordagens para a enfermagem, nomeadamente para a sua prática, e que sustentam que a enfermagem é uma disciplina que opera segundo um paradigma científico natural, conforme a uma ontologia, epistemologia e metodologias particulares. Salienta ainda, o mesmo autor, que a enfermagem, na sua essência, se centra na acção/prática e é fundamentalmente não reflexiva, em que o “saber como” se sobrepõe quotidianamente ao “saber porquê”.
Assim, o único saber que verdadeiramente interessaria ao enfermeiro seria o conhecimento “concreto” que lhe oferecesse certezas e guias de acção incontestáveis e sem ambiguidades, que lhe legitimasse a impotência social experienciada nos quotidianos de trabalho, que reproduzisse as perspectivas humanizantes ou que sancionasse a afirmação do seu modelo de desenvolvimento profissional.
No entanto, é precisamente a tomada de decisão que caracteriza actualmente a prática de enfermagem, que faz com que os enfermeiros necessitem de um conjunto de conhecimentos multidisciplinares que lhes apresentem aproximações teóricas alternativas, mas centradas num continuum conceptual, capaz justamente de fundamentar as decisões tomadas. Coloca-se então a questão das opções, ou seja, das dificuldades em discernir a “verdade” face às diferentes alternativas teórico-epistemológicas e metodológicas apresentadas pela sociologia ou outras ciências sociais (Porter, 1995).
Como afirma Porter (1995) a enfermagem pode sempre recorrer aos três critérios que lhes permitem fazer escolhas de significado e que se baseiam, na utilidade pragmática (aproximações teóricas que “trabalham” para a enfermagem e que se reportam muito à psicologia); na compatibilidade filosófica (a enfermagem possui os seus próprios princípios filosóficos através dos quais faz juízos sobre determinadas aproximações teóricas com base no seu grau de compatibilidade filosófica com o entendimento contemporâneo da enfermagem) e na simpatia ideológica. Segundo o mesmo autor (1994) a enfermagem é inerentemente ideológica e política na sua natureza, pelo que os valores são centrais para esta disciplina. Como tal, os contornos ideológicos da enfermagem tendem a ser atraídos pelos contornos ideológicos das outras ciências, com base numa simpatia ideológica.
De acordo com Allen (2001) a sociologia da saúde é relevante para a enfermagem porque ela tem uma espécie de dependência situacional desta disciplina, donde deriva muito do seu saber.
Se no passado os objectivos traçados em termos curriculares expressavam frequentemente um eclectismo resultante da aproximação holística, que acabava por distorcer os contributos específicos da sociologia, ao ignorar o seu quadro conceptual, hoje os desenhos curriculares são estabelecidos pela autonomia de cada sociólogo e o seu sancionamento científico não se revela difícil. Esta parece ter sido uma conquista feita à custa da especialização (na área da sociologia da saúde) e da persistência da sua presença num mundo senão hostil, pelo menos difícil.
Apesar da relação pouco harmoniosa, e daqueles que inequivocamente rejeitam a dependência da enfermagem de outros saberes disciplinares, não pode ignorar-se a autonomia da sociologia da saúde no currículo de enfermagem.
Se houve tempos em que a sociologia, nos currículos, era uma mera extensão da enfermagem e portanto uma sociologia empobrecida, roubada do seu valor e da sua habilidade para promover o conhecimento da enfermagem, actualmente isso não se verifica.
Aqueles que olham com desconfiança para a sociologia nos cursos da saúde argumentam que a natureza do conhecimento sociológico é inerentemente multi-paradigmática, e consequentemente reflexiva, e assim não pode prover/alimentar uma base de conhecimento e princípios orientadores para a prática clínica.
Já aqueles que dominam o universo da saúde fundamentam as suas desconfianças face à sociologia da saúde a partir da natureza inerentemente crítica do seu conhecimento.
Benbassat et al. (2003) revelam que num estudo realizado em 1998 os estudantes da Universidade de Nebraska (Centro Médico) manifestaram um forte descontentamento com a formação de sociologia, nomeadamente com a reflexão crítica a que esta incitava. Consideravam igualmente escassa a relevância clínica desta disciplina e que as atitudes profissionais nutridas por alguns conferencistas eram incompatíveis com o tradicional comportamento clínico. Este estudo salientou também o fracasso do trabalho conjunto de sociólogos e clínicos.
Noutros estudos, a cultura institucional e a segmentação curricular são apontadas como a barreira principal do ensino da sociologia da saúde, nomeadamente quando se promovem discussões sobre temas completamente fora dos contextos, por exemplo “a morte e o morrer no 1º ano de um curso de saúde”. Outro factor que dificulta a adesão ou o interesse pela sociologia advém do plano crítico e arrogância conceptual que esta (estes) assume ao analisar os contextos e processos de saúde, o que desencadeia uma forte contestação dos estudantes. No mesmo estudo, os autores encontraram repetidamente um “nós e eles” (posição entre os clínicos e sociólogos) que são difíceis de gerir e que têm uma influência clara no ambiente académico.
Outros estudos salientam que os estudantes de cursos de saúde apesar de se esforçarem para captar a importância da sociologia para a sua formação, aparentemente preferem abordagens conceptuais mais dirigidas e específicas, sempre capazes de ilustrarem a sua prática.
De acordo com Edgley et al. (2009) não é realista esperar que os estudantes conciliem a prática com a imaginação e crítica sociológica. As certezas científicas convocadas pelo desempenho prático não encontram eco no questionamento da sociologia, que apenas contribui para desestabilizar os alunos.
De acordo com o mesmo estudo, os estudantes fragmentam e segmentam os diferentes saberes, privilegiando o ensino prático e experiencial que supostamente integra a teoria e a prática. A necessidade de certezas (que a sociologia não fornece) emerge como decisiva para obterem a segurança que a prática exige.
A necessidade de certezas que alimentam a segurança do desempenho prático sobrepõe-se sempre e remete a sociologia para o “departamento” responsável pela afirmação do estatuto da enfermagem, pelo cuidado holístico, pela relação terapêutica enfermeira/doente e pelas diversas abordagens metodológicas. De facto, são unânimes a reconhecer a instrumentalidade do conhecimento sociológico quando são convocados a pronunciar-se sobre o modelo de desenvolvimento profissional.
Para Heath (1998) é a experiência prática que dá visibilidade e significado ao conhecimento sociológico. A necessidade quotidiana de análise e compreensão dos processos e contextos dessa mesma prática apela à interpretação sociológica e aos recursos cognitivos adquiridos, por parte dos estudantes, nomeadamente nos anos terminais do curso.
Os estudantes entrevistados no estudo de Edgley (2009) realçam a tensão latente entre a necessidade por modelos claros para a prática (nunca algo que a sociologia possa oferecer), e a necessidade da experiência prática para sustentar esses modelos.
No mesmo estudo, Edgley (2009) salienta ainda a estabilidade das aproximações da biologia, por oposição às da sociologia, incapazes na perspectiva de alunos e docentes, de promover abordagens claras, objectivas e desejavelmente directivas.
É neste contexto que à sociologia é reservado um papel secundário, pelos estudantes e docentes de enfermagem, justificado com a ansiedade que acomete os estudantes, quando se trata de equacionar habilidades e competências operacionais. Por isso defendem que a enfermagem é um trabalho que se faz, não um que se pensa.
Independentemente da dureza e polémica associada a tal afirmação, na realidade os estudantes consideram que a “coluna vertebral” do seu curso se centra na componente biológica, primeira e decisiva contribuição, e que os subsídios da sociologia poderão ser sempre adquiridos ao longo do tempo.
Quando se esperava que na sociologia encontrassem os instrumentos capazes de sustentar uma perspectiva crítica do modelo biomédico, de que aspiram a emancipar-se, esta tendência para colocar no topo da hierarquia os saberes biológicos parece reafirmar o modelo biomédico dominante nas intervenções de enfermagem, nomeadamente em contexto hospitalar. De facto, os estudantes com passagens mais longas por estágios comunitários tendem a convocar mais os conhecimentos sociológicos, para sustentarem a sua prática (compreender o doente no seu ambiente, as suas respostas à doença crónica, as suas opções na procura de cuidados, ou terapêuticas).
Outros salientam que o que se revela problemático para os estudantes não é a relevância da sociologia ou da biologia, em si próprias, mas a dificuldade que experienciam na construção do chamado “conhecimento seguro”. Esta incerteza epistemológica foi percepcionada pelos estudantes como uma fonte significativa de risco e geradora de ansiedade.
Defendem que em vez de se focarem na relevância de qualquer disciplina ou assunto, seria mais importante, uma compreensão mais aprofundada de como os estudantes constroem o “conhecimento-para” e o “conhecimento-em” (como se estes pudessem estar separados) e de como eles, enquanto pedagogos, os poderiam ajudar neste processo.
Como assinala Kruse (2008), o discurso pedagógico dominante, dividido entre a arrogância dos cientistas e a boa consciência dos moralistas, não só é impronunciável, como tem condicionado fortemente as efectivas contribuições da sociologia para a enfermagem.
Apenas um apontamento, para salientar o que oferece a enfermagem à sociologia. Oferece um conhecimento “de dentro” do sistema de saúde. A linguagem, os circuitos, os trajectos a percorrer, os protagonistas emergentes em cada momento e as diferentes agendas em afirmação. Oferece, portanto, um vasto campo de trabalho, na maior parte das vezes totalmente inexplorado, onde os sociólogos poderão encontrar terreno fértil para um trabalho aliciante.
Notas Finais
Para terminar, diria que a liberdade curricular de que a sociologia da saúde goza não significa na prática uma real preocupação com as suas contribuições, mas antes uma demonstração de “abertura” por parte da “nova enfermagem”.
Sabemos que a agenda de uma (sociologia) não coincide com a da outra (enfermagem). Apesar desta descoincidência de agendas, as tensões entre ambas não deixam de se manifestar e são uma constante!
No “micro-político” mundo da formação em enfermagem, a aparência formal de uma saudável e estimulante diversidade ontológica e epistemológica pode obscurecer totalmente a realidade mais homogénea e mundana, devida à hegemonia de uma visão do mundo da enfermagem menos inclusiva dos conhecimentos da sociologia, mais do que sugere um primeiro olhar mais ingénuo e desatento.
De facto, existe um perigo real de que os “peritos” em enfermagem tendam a definir a sua experiência como representativa de toda a experiência relevante, ignorando preocupações ou agendas alternativas sob o pretexto do seu desinteresse ou irrelevância.
A capacidade da sociologia da saúde para captar as temporalidades da enfermagem representa um dos seus mais fortes atributos. É precisamente este processo que a torna um importante contributo para a enfermagem no desenvolvimento quer do auto-questionamento, quer da reflexividade quotidiana, quer da problematização analítica, desalojando a dúvida, os medos e a incerteza dos redutos em que costuma encerrá-la e sensibilizando o seu olhar para outros tipos de expressão e de possibilidades que o futuro enuncia.
Como propõe Kruse (2008), à enfermagem sugere-se que em vez dos saberes disciplinados, dos métodos e recomendações úteis, ou mesmo de respostas seguras, talvez esteja na hora de tentar trabalhar de forma indisciplinada, insegura e imprópria, situada à margem da impessoalidade das metodologias dominantes que, mesmo sem vontade de prescrever como se deve agir, não abandonam a ideia de modificar e iluminar as práticas.
Referências
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Autores: Felismina Mendes