Nº 6 - junho 2013
Gabriel Cohn, Professor Jubilado do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP)
Um quarto de século de reflexão sobre ciência e técnica (ou tecnociência) e sociedade pelo ângulo da teoria social por um pensador de primeira linha encontram-se reunidos nesse volume. Nada de deslumbramento com o progresso técnico-científico, nem de “tecnofobia” (ou “ciênciafobia”), muito menos temor ao lado sombrio da conjunção desses dois termos, que antes andavam próximas, mas cada qual ao seu modo. Exercício de lucidez: ver o lado sombrio da coisa, não como perversão ou decadência e sim naquilo que tem de inteligível quando se consideram as grandes tendências da sociedade. (Nisso Hermínio, para além das suas argutas incursões pela filosofia, se mostra visceralmente sociólogo).
Os estudos são independentes, e escritos em momentos diferentes. Impressionam, contudo, pela consistência do conjunto. Algumas amarras temáticas, cujos fios percorrem o conjunto em vários registros, asseguram isso. Primeiro, a conjugação analítica (mais do que mera exposição) de dois princípios fundamentais, detectados como eficazes na sociedade contemporânea. São eles o princípio da plenitude tecnológica (o que pode ser tecnicamente realizado deve sê-lo efetivamente) e o princípio de Vico (só conheço o que faço). As sutis modulações que essa conjugação de formulações com tantas ressonâncias permite são exploradas ao longo de todo o livro, e dão arrimo a um empreendimento crítico de primeira ordem. Depois, o passo complementar, no qual se traz à análise o núcleo duro da forma social contemporânea, qual seja, a efetiva universalização da mercantilização (ou “mercadorização”) de todas as dimensões da vida social (para não falar no efeitos disso na vida psíquica). É esse processo que permite amarrar aqueles dois princípios. (A exposição dessa forma – final? – de “cimento” da sociedade encontra sua mais cabal expressão no recente artigo, não recolhido no livro, na revista Nada).
Ainda que não de modo explícito, os textos procuram, cada qual ao seu modo, enfrentar um paradoxo, segundo o qual a ciência, ou tecnociência, que se expande e se faz presente em todos os desvãos da vida social, ganha cada vez mais um caráter autista, voltada para si mesma segundo uma lógica que lhe é própria e que não compartilha (terá ela resolvido o problema da “linguagem privada”, que tanto preocupava um mal-sucedido engenheiro aeronáutico austríaco?). Afinal, em nome do que operam aqueles dois princípios – o da plenitude e o de Vico, par não falar do da aceleração — , senão o da pronta e generalizada conversão de quaisquer produtos em mercadoria (incluindo-se nisso os atributos humanos, que afinal também são produtos capitalizáveis). Entretanto, (como, em outro contexto, já lembrava Durkheim) o mercado não gera laços, mas generaliza as singularidades fechadas, “idiotas”. Esse “autismo” é o dos sistemas na sua versão mais recente na teoria social (identificável no nome Luhmann e nos seus seguidores). Só importam as operações auto-referidas, que selecionam daquilo que é externo ao sistema estritamente o que importa a ele; o resto, desprovido de sentido, é mero ambiente e, como tal, indiferente. A tecnociência parece ser a versão mais acabada disso.
Enfim, anotações rápidas, para servir a melhor leitura.
[1] Martins, Herminio (2011), Experimentum humanum: civilização tecnológica e condição humana, Lisboa, Relógio D’Água Editores
Autores: Gabriel Cohn