Nº 7 - fevereiro 2014

Nuno de Almeida Alves, ISCTE-IUL

Carla F. Rodrigues, CIES | ISCTE-IUL

Resumo: A crescente utilização das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) nas mais diversas dimensões e instituições da vida social tem tido uma correspondência difícil na instituição escolar, em particular nos processos de ensino e aprendizagem. Com base num inquérito realizado em 2011 a uma amostra de alunos e professores do ensino secundário demonstrar-se-á como, apesar do volume dos investimentos efetuados, a integração das TIC no ensino é ainda parcelar, quer no plano das taxas de utilização de professores e alunos, quer no âmbito das atividades desenvolvidas, traduzindo-se numa mera adição de tecnologia às estratégias e aos processos pedagógicos tradicionais.

Palavras-chave: tecnologias da informação e comunicação, escola, ensino secundário, professores.

Abstract: The growing use of information and communication technologies on diverse dimensions and institutions of social life has not been matched with the use in educational institutions, specifically in teaching and learning methods. Based on a survey launched in 2011 of a sample of high school teachers and students, this article  will demonstrate that, in spite of the large investments made, the educational use of ICTs is still low. This under-utilization occurs not only in the frequency of use by students and teachers, but also in the activities undertaken, meaning that technology is just being added to traditional pedagogical processes and strategies.

Keywords: information and communication technologies, school, secondary education, teachers.

 

Introdução

 

O presente artigo procura tratar um aspeto particular da relação entre tecnologia e sociedade: o uso que se faz das tecnologias da informação e comunicação (TIC) na Educação, especialmente no ensino secundário, onde potencialmente afetará uma proporção maioritária das populações escolares. Procura-se, assim, traçar a evolução recente da utilização das TIC, em particular dos computadores e da internet, no ensino secundário em Portugal e das respetivas implicações no modo como o mesmo se desenrola nos seus diversos aspetos.

Um dos problemas centrais da articulação entre tecnologia e aprendizagem tem sido a constatação da tendencial subutilização das TIC no ensino, sobretudo tomando em consideração os largos investimentos que têm sido efetuados pelas administrações escolares um pouco por todo o mundo ocidental. Esse défice de utilização tem sido analisado por diversos especialistas nesta matéria e será objeto de uma breve resenha no enquadramento deste artigo.

Seguidamente apresentar-se-á um lote de dados empíricos de síntese deste problema, apurados a partir de um inquérito à utilização das TIC nas escolas do ensino secundário em Portugal, desenvolvido a partir da execução do projeto de investigação “Learn-Tech: Tecnologias da Informação e Aprendizagem”, em curso no CIES-IUL e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ref. PTDC/CS-SOC/102690/2008). Evidenciar-se-á deste modo como estes equipamentos se distribuem nos estabelecimentos de ensino, as taxas de utilização em sala de aulas por parte de professores e alunos e as unidades curriculares e atividades letivas em que são utilizados.

O artigo encerrar-se-á com uma breve conclusão onde serão apontadas as causas desta subutilização das TIC no ensino secundário em Portugal, bem como um conjunto de aspetos de contexto que auxilia ao respetivo estímulo e justificação.

 Enquadramento

A mudança de paradigma tecnológico em consequência da revolução protagonizada pelas tecnologias da informação e da comunicação em articulação com o conhecimento (Castells, 2000; Freeman e Louçã, 2002) tem alterado radicalmente o modo de vida nas sociedades contemporâneas em múltiplas dimensões[1]: nas empresas e no emprego, na ação política e cidadania, no acesso à informação e à cultura na vida quotidiana de uma parte significativa da população (Castells, 2000, Urry, 2000, Norris, 2000, Alves, 2004; Cardoso et al ., 2005). Subsiste, no entanto, uma instituição onde a mudança implicada por transformação paradigmática não tem ainda efeitos claramente visíveis e demonstráveis: a escola e os respetivos métodos de ensino e aprendizagem (Sigalés et al., 2007).

Os governos do mundo ocidental e o governo português em particular (cf. a Resolução do Conselho de Ministros nº 137/2007, que institui o Plano Tecnológico da Educação na vigência do XVII Governo Constitucional) têm vindo a proceder a um conjunto de investimentos consideráveis de modo a dotar o parque escolar dos equipamentos e serviços necessários e os professores do treino julgado adequado para corresponder às necessidades requeridas por uma maior intensidade de uso destes instrumentos[2]. Em Portugal, esta iniciativa de desenvolvimento infraestrutural foi ainda acompanhada de outras políticas destinadas à massificação do uso de computadores e da internet por parte da comunidade escolar[3]: os programas e-escola e e-escolinha distribuíram gratuitamente ou a preços significativamente abaixo do mercado centenas de milhares de computadores e de ligações à internet a alunos dos diversos ciclos de ensino, professores e formandos do programa “Novas Oportunidades”. Tendo, desta forma, sido resolvidos, ou pelo menos severamente minorados, os problemas de infraestrutura escolar e de acesso às TIC por parte da população escolar é então o momento de se proceder ao estudo do modo como estes instrumentos estão a ser integrados no processo educativo pelos seus atores, de que modo são usados, com que fins e benefícios, tanto nos processos de ensino e aprendizagem como na respetiva utilização nas mais diversas dimensões da vida quotidiana. A investigação realizada até ao momento indicia que as TIC ainda são subutilizadas no ensino (Cuban et al., 2001; Zhao e Frank, 2003; Sigalès et al., 2007; Almeida et al., 2008, Almeida et al., 2011, Alves et al., 2012), apesar de muito razoavelmente disseminadas tanto na instituição escolar, como entre os seus principais atores: a taxa de penetração dos computadores e da internet cifra-se em torno dos 100% tanto entre os mais jovens em idade escolar como entre a população docente. Como explicar este paradoxo?

Em primeiro lugar é necessário acrescentar que ainda não se encontra nem clara nem definitivamente estabelecido, pelos especialistas em Educação ou por quem a administra, o que se entende por uma maior integração das TIC no ensino. Nas reflexões iniciais sobre a estruturação de uma “Sociedade da Informação e do Conhecimento” projetava-se a necessidade da massificação da literacia eletrónica a vários níveis, desde a formação básica (de cidadania) à formação pós-graduada de especialistas em redes e infraestruturas de informação (Alves, 2004). Poucos anos mais tarde essa necessidade havia já desaparecido, especialmente entre os mais jovens, por via do autodidatismo na aprendizagem da lidação com computadores e internet, temperado pela ajuda dos warm experts na pessoa de familiares, amigos ou vizinhos (Bakardjieva, 2005). Hoje, professores e alunos apresentam um razoável domínio técnico dos computadores e da internet, tendo para isso contribuído tanto as aprendizagens domésticas quanto as disciplinas de Tecnologias da Informação e da Comunicação, anteriormente disponíveis no ensino básico e secundário, ou os cursos de formação de professores (Almeida et al., 2008, Almeida et al., 2011, Alves et al., 2012). O que se pretende atualmente com a integração das TIC no ensino é um mais elevado grau de envolvimento destes recursos tanto na exposição quanto na aprendizagem dos conteúdos das diversas disciplinas do currículo, em sala de aula e na interação entre docentes e alunos, ao contrário da respetiva remissão para uma disciplina à parte, ministrada num laboratório de informática onde os alunos aprendem essencialmente a utilizar diversos tipos de software.

Qual deve, então ser a extensão desta integração das TIC nos processos de ensino e aprendizagem? Que articulação deve existir com o ensino tradicional (de exposição por parte do professor, exercícios práticos, memorização e demonstração da aprendizagem)? Qual a justa medida da repartição entre as duas modalidades? Num interessante artigo publicado em 2005, Aviram e Talmi passam em revista um conjunto alargado de documentos analíticos e programáticos acerca da integração das TIC no ensino, localizando nos respetivos conteúdos diferentes conceções relativamente a este objetivo. Entre as conceções da informatização da educação estabelece-se um contínuo entre a de primeiro nível, que visa apenas a adição das TIC ao processo educativo e ao estabelecimento de um rácio julgado adequado em termos de número de alunos por computador até ao polo oposto, que preconiza a integral mudança paradigmática do processo e sistema educativos, a partir da mudança que as TIC trouxeram às demais dimensões da vida social (Aviram e Talmi, 2005, pp. 170-171). Entre estes dois polos figuram conceções mais parcelares da integração dos computadores e da internet no ensino, desde as que pretendem apenas uma maior incorporação curricular das TIC (através de uma unidade curricular autónoma ou de uma integração destas na lecionação das disciplinas clássicas do currículo); às que postulam que a integração das TIC necessita de uma alteração significativa nos métodos didáticos ou de ensino e aprendizagem (designados como ativos, orientados para a investigação ou construtivistas); às que, por seu turno, adicionam a esta última postura a necessidade de mudança organizacional da escola, conjugando “atitudes mais flexíveis relativamente aos tempos, aos espaços, à autoridade, aos papéis e ao currículo” (Aviram e Talmi, 2005, pp. 171).

A conceção do papel das TIC nos processos de ensino e aprendizagem empregue neste artigo não pretende ultrapassar a dimensão didática previamente referida, significando que a respetiva integração nos conteúdos a transmitir e a trabalhar em salas de aula por parte de professores e alunos implica alguma mudança nos processos tradicionais de transmissão do saber, sendo inclusivamente esta a dimensão onde se regista um menor investimento por parte das autoridades educativas e inclusivamente onde se poderá prever uma maior resistência por parte dos atores, nomeadamente a população docente (Cuban et al., 2001; Zhao e Frank, 2003; Wellington, 2005).

Uma outra questão pertinente é a dos resultados da integração das TIC nos processos de ensino e aprendizagem. Para além da atualização dos métodos de ensino e de uma integração no mesmo de um conjunto de ferramentas de atual indispensabilidade na vida quotidiana (do trabalho ao lazer, do consumo à fruição da cultura) é legítimo procurar na introdução destes instrumentos benefícios específicos para a aprendizagem e melhoria dos resultados escolares dos alunos. Recuperando o paradoxo da (falta de) produtividade resultante da integração das TIC na economia, a propósito do qual também se processou um diálogo entre Manuel Castells e Nico Stehr, onde, segundo este último, se verifica a incapacidade dos economistas assinalarem, através dos indicadores convencionais de sucesso económico, qualquer recompensa financeira significativa por ação da instalação massiva de tecnologia da informação e da comunicação por parte das empresas e dos Estados (Stehr, 2000, pp. 84), emergem no plano educativo alguns argumentos em torno da ausência de resultados da integração das TIC na educação. Alan Peslack, intérprete desta postura, elaborou em 2005 um estudo em 2500 escolas da Pensilvânia através do qual não encontrou indícios de uma relação consistentemente positiva entre a utilização de tecnologias da informação e os resultados obtidos pelos alunos na Matemática e Leitura. A relativa novidade da integração das TIC no ensino e a ainda já referida subutilização das mesmas nos processos de ensino e aprendizagem convidam a uma maior ponderação e detenção no respeitante à procura de demonstração empírica de efeitos rápidos e imediatos da tecnologia sobre o ensino, mas o argumento de Peslack (2005) e merece atenção e resposta, ou seja, uma avaliação clara dos benefícios (e eventuais aspetos menos conseguidos ou inclusivamente menos positivos) da integração das TIC no ensino, em lugar de uma aclamação inequívoca e indiscutível de uma proclamação não testada.

No entanto, o objetivo do incremento do uso das TIC na Educação por parte de governos e autoridades educativas em Portugal, como em parte dos seus parceiros europeus (Selwyn, 2008 e Nivala, 2009), foi efetuado sem um conjunto de objetivos e modalidades de implementação claramente delineados. O uso das TIC foi adicionado ao processo educativo enquanto incorporador de benefícios automáticos e inquestionáveis, sem cuidar da eventual perturbação da relação pedagógica entre professores e alunos causada pela introdução deste objeto tecnológico na sala de aulas. Questões menos positivas como o menor grau de atenção à exposição por parte do docente por abuso do uso de apresentações eletrónicas, a distração proporcionada pela possibilidade de exercício simultâneo de outras atividades que não a prevista pelo plano de aula ou a facilitação do plágio e fraude académica foram claramente negligenciadas pelos autores do plano.

Este artigo pretende responder a algumas das questões colocadas acima, nomeadamente, à subutilização da utilização das TIC no contexto do ensino secundário em Portugal e o conjunto de razões que a justificam, bem como proceder a um inventário do modo como se está a proceder à integração das TIC nos processos de ensino e aprendizagem do ensino secundário em Portugal, após a vaga de modernização de infraestruturas e redes de comunicação que ocorreu ao longo dos últimos anos[4]. Após a descrição das opções metodológicas efetuadas apresentar-se-á um conjunto de dados respeitantes à utilização das TIC numa amostra de escolas do ensino secundário em Portugal a que se seguirá uma breve conclusão[15].

 Metodologia

Os dados utilizados neste artigo provêm da aplicação de um inquérito por questionário a professores e alunos do ensino secundário no âmbito do desenvolvimento do projeto investigação “Learn-Tech: Tecnologias da Informação e Aprendizagem”. Este inquérito procurou conhecer o modo e objetivos da utilização dos computadores e da internet para fins pedagógicos e pessoais por parte de uma amostra não probabilística de professores (N=324) e alunos (N=2674) do ensino secundário regular em Portugal. Foi aplicado durante a primavera de 2011 em 12 escolas secundárias de diversos concelhos do País, com alguma sobre-representação da respetiva faixa litoral (três escolas na área metropolitana do Porto, três escolas na área metropolitana de Lisboa, e uma escola nos concelhos de Braga, Viseu, Coimbra, Setúbal, Évora e Loulé). Com o objetivo de obter alguma diversidade social entre os estudantes e famílias, a escolha das escolas foi ponderada por alguns indicadores sociais como o poder de compra, a proporção da população detentora da escolaridade obrigatória e a proporção de profissionais socialmente valorizados (categorias 1 e 2 da Classificação Portuguesa de Profissões) de cada uma das freguesias. A escolha das escolas a inquirir obedeceu ainda a um critério central: existência dos quatro cursos científico-humanísticos no seu plano curricular. O preenchimento dos questionários foi efetuado em sala de aula por uma turma selecionada aleatoriamente de cada um dos cursos científico-humanísticos por cada um dos três anos curriculares do ensino secundário. Quanto aos professores, a seleção dos respondentes assentou num único critério: assegurar a diversidade disciplinar na amostra.

O uso das TIC na Escola

O objetivo de conhecer o modo como as TIC estão a ser utilizadas no ensino secundário conduziu à inscrição de uma bateria de questões sobre este tema no inquérito por questionário dirigido aos professores e alunos. A uns e a outros foi perguntado se utilizavam o computador e a internet na sala de aulas, com que frequência o faziam e para que fins eram utilizados estes instrumentos pelos diferentes atores da comunidade.

Quadro 1: Utilização do computador na sala de aulas

O Quadro 1 evidencia uma diferença substantiva nas respostas dadas por professores e alunos: 90 % dos docentes declara utilizar a internet na sala de aulas enquanto apenas metade dos alunos manifesta fazê-lo. A diferença entre estes números é explicada quando verificamos o papel do computador e da internet na sala de aula. Este está habitualmente localizado na secretária do professor e é fundamentalmente utilizado por este para a projeção de slides de PowerPoint ou para o visionamento de conteúdos didáticos a partir de sítios da internet durante as sessões letivas. Assim sendo, os computadores disponíveis na maior parte das salas de aulas não se destinam ao trabalho prático dos alunos, mas sim como auxílio à exposição por parte do docente, sucedendo à utilização de transparências ou à escrita no quadro enquanto modalidades analógicas de transmissão de conteúdos educativos. Assiste-se, assim, à renovação tecnológica dos equipamentos (o computador e o projetor digital a substituir o projetor analógico de transparências que tinha anteriormente substituído a escrita a giz na lousa da matéria a ensinar), bem como à eventual manutenção dos conteúdos. Assim sendo, é legítimo considerar o atual papel das TIC na sala de aulas como estando significativamente aquém as suas potencialidades (Miranda, 2007, pp. 44; Peralta e Costa, 2007, pp. 84-85). Se apenas 49 % dos alunos afirma utilizar os computadores e a internet na sala de aulas, comprova-se assim que pelo menos a uma parte significativa destes está reservado o papel de espetador e recetáculo dos conteúdos transmitidos pelo docente, sem lugar ao trabalho individual ou em grupo com estes instrumentos em articulação com o professor. As TIC tendem, assim, a ser utilizadas para reforçar um ensino que continua centrado no professor, sendo minoritária a utilização das TIC para atividades pedagógicas centradas no aluno (Palak e Walls, 2009).

O lugar do computador e da internet na sala de aulas apenas como instrumento de transmissão de conteúdos por parte do docente é reforçado pelas respostas às perguntas efetuadas acerca do equipamento constante nas salas: 50% dos professores referiram como equipamento um único computador ligado a um projetor no lugar do professor, sendo as outras condições disponíveis a inexistência de qualquer equipamento informático (19%) ou a possibilidade de os alunos trazerem com eles os portáteis disponíveis na escola (21%). No inquérito efetuado aos alunos é ainda referida a possibilidade de agendamento de um laboratório de informática aquando da necessidade de utilização deste tipo de equipamento para uma aula em particular. A integração das TIC no ensino parece, então, seguir a conceção curricular disciplinar (Aviram e Talmi, 2005), no qual as TIC constituem mais uma disciplina do currículo ou um mero apêndice a utilizar num momento em que o professor o julgue apropriado. Destes números é também possível depreender que a modalidade com que foi efetuado o equipamento informático das escolas, parte delas já com as obras de requalificação terminadas, não é de molde a privilegiar a conceção integradora das TIC no ensino. Neste âmbito, o inquérito conduzido junto dos diretores das escolas revela-nos algumas disposições variáveis dos mesmos relativamente à apropriação das TIC. Embora a maioria revele abertura para aprofundar a utilização das TIC nos respetivos estabelecimentos, existe uma escola em que o diretor parece ser claramente resistente a essa inovação, enquanto em três outras os diretores revelam-se ambivalentes ou, pelo menos, apresentam reservas quanto aos benefícios desse processo.

Esta restrita utilização do computador e da internet em salas de aula por parte dos alunos é relativamente uniforme nos diversos cursos científico-humanísticos do ensino secundário regular (Ciências e Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e Artes Visuais), revelando no entanto diferenças substanciais quanto ao ano curricular, com destaque para a utilização das TIC no 12º ano (Quadro 2). Esta situação deve-se necessariamente à localização da unidade curricular de Área de Projeto, na qual os alunos usam ativamente o computador para pesquisas, redação a produção de relatórios. Esta unidade curricular constituía, como veremos mais à frente, um exemplo (provavelmente o melhor) de ensaio de métodos de ensino e aprendizagem construtivistas no ensino em Portugal, centrados no aluno, baseados na investigação e articulação de saberes. A utilização das TIC no seu desenvolvimento não se produziu desde o início da respetiva implementação, que data de meados dos anos 90, no entanto, estas ferramentas vieram a dotar os alunos de capacidades acrescidas de pesquisa da informação, da sua manipulação e posterior produção de relatórios ou outros produtos de disseminação alargada. Estas “boas práticas” de utilização das TIC no currículo do secundário, em conjugação com a unidade curricular de Tecnologias da Informação e da Comunicação, acabaram por se tornar nos polos fundamentais de utilização das TIC em sala de aula no ensino secundário, facilitando assim o argumento para a libertação das demais disciplinas desse objetivo.

Quadro 2: Utilização do computador na sala de aula por curso e ano curricular

Este cenário de relativa subutilização dos computadores e da internet na escola, sobretudo na sala de aula e especialmente por parte dos alunos, não deixa de ser aparentemente contraditório com os objetivos traçados no Plano Tecnológico da Educação, onde se procurava uma maior implicação e intensidade de utilização das TIC no ensino. A proporção de utilização das TIC está, no entanto, muito próxima do verificado para Portugal na última edição do PISA (OCDE, 2011, pp. 308) onde se verifica que apenas 55% dos alunos (de 15 anos) utiliza computadores na escola estando estes amplamente disponíveis para o total da população escolar, comparado com taxas de utilização em casa de 96%. Este elevado uso em casa e relativa subutilização na escola não é característico apenas de Portugal, é partilhado por inúmeros e diferenciados países: da Estónia a Israel, da Turquia à Eslovénia. Nos países do Norte e Centro da Europa o mesmo não acontece: as taxas de utilização em casa e na escola são relativamente próximas. Poderá tal diferença significar uma diferencial implicação dos computadores e da internet nas práticas e conteúdos pedagógicos (OCDE, 2011, pp. 153)?
O reforço na noção da eventual subutilização dos computadores e da internet no ensino secundário em Portugal processa-se através do sublinhar desta reduzida frequência de utilização por parte dos alunos, embora o mesmo não aconteça por parte dos docentes: 40% destes afirmam utilizar as TIC em mais de 50 % das suas aulas; em contrapartida, apenas 32 % dos alunos afirma usar estes instrumentos pelo menos algumas vezes por semana, enquanto 16% afirma nunca o fazer. É no entanto de salientar que aqui se verificam dois planos diferenciais de utilização, podendo verificar-se uma frequente utilização por parte do docente a par de uma baixa ou nula utilização por parte dos alunos.

Quadro 3: Frequência de utilização do computador e da internet em sala de aula por parte de professores e alunos (%)

 

O cenário de subutilização dos computadores e da internet no ensino secundário por parte dos alunos tem também expressão na análise efetuada em função das diversas disciplinas do currículo. Quase todas as disciplinas do currículo do ensino secundário registam uma baixa frequência de utilização das TIC em sala de aulas por parte da população discente. O quadro 4 ilustra a reduzida utilização das TIC em sala de aula nas disciplinas clássicas do currículo (Português, Matemática, Física, Línguas, Estrangeiras, etc.), um uso ligeiramente mais frequente em algumas disciplinas específicas de alguns cursos científico-humanísticos (Economia/Direito e Oficina das Artes/Multimédia) e um uso relativamente alargado na disciplina de Área de Projeto. As únicas disciplinas clássicas onde se verifica uma utilização um pouco mais frequente das TIC são: Biologia, Geografia e Geologia, podendo-se provavelmente dever tal facto à maior riqueza em recursos didáticos digitais disponíveis e a uma maior mobilização das respetivas equipas docentes para a sua utilização.

Quadro 4: Frequência de utilização das TIC por parte dos alunos por disciplina do currículo (% de menções a Frequente e Muito frequente)

 

A unidade curricular “Área de Projeto” constituía, então, o núcleo fundamental da utilização das TIC em sala de aula pelas características específicas do trabalho realizado. Tratava-se de uma disciplina específica cuja instituição visava “diminuir o carácter excessivamente formal, enciclopedista e livresco do ensino” (ME/DGIDC: 2006, pp. 3), procurando através de um espaço curricular alternativo auxiliar os alunos na integração e articulação de saberes, na consulta de informação em fontes diversas e realização de trabalho em grupo nas suas diversas fases: planeamento e organização de tarefas, execução das mesmas, proceder à respetiva avaliação crítica e, finalmente, à apresentação do trabalho produzido aos colegas e por vezes a públicos mais alargados5. Os computadores e a internet constituem ferramentas fundamentais para a conjugação destes objetivos, sobretudo quando articuladas com outros suportes de acesso à informação e conhecimento como os meios impressos e audiovisuais. No quadro da última reforma curricular do ensino básico e secundário esta disciplina foi extinta por suposta ineficácia, inicialmente apenas no 12º ano (Decreto-Lei 50/2011, DR, 1.ª Série, N.º 70 de 8 de abril) e posteriormente alargado a todo o ensino secundário (Portaria 244/2011, DR, 1.ª Série, N.º 118 de 21 de junho), deixando de vigorar a partir do ano letivo de 2011/2012, precisamente o ano subsequente à realização do inquérito de suporte deste artigo. Curiosamente, o argumento central utilizado pelas autoridades educativas é a falta de eficácia das referidas tecnologias, no mesmo sentido do afirmado por Peslak (2005) e já referido acima. Desconhece-se, no entanto, o estudo e respetivos resultados que justificam tal avaliação.
O desenvolvimento de atividades com auxílio das TIC em sala de aula acompanha de perto a modalidade de distribuição da utilização das mesmas por disciplina. Perante um leque de atividades onde a escassa utilização é dominante (o uso médio baliza-se entre o “nunca” e o pouco frequente”), apenas as atividades “utilizar um motor de busca” e “fazer apresentações nas aulas” acumulam frequências médias relevantes (superiores a 2,5). Este quadro de utilização, se bem que genérico e provavelmente extensível a qualquer disciplina do currículo é provavelmente mais consentâneo, acompanhado do “acesso às páginas recomendadas pelos docentes” dos métodos de trabalho comummente utilizados na disciplina de Área de Projeto. Se há resultados relativamente intermédios como a menos reduzida intensidade da “execução de tabelas e gráficos”, da “utilização de software educativo indicado pelo professor” e da “consulta de enciclopédias e dicionários digitais”, não deixa de ser surpreendente a reduzida utilização destes meios para a realização de operações de cálculo ou simular experiências científicas, apesar do rico património didático digital acessível através da internet.

Quadro 5: Atividades realizadas com as TIC em sala de aulas por parte dos alunos (média*)

*Escala: 1 – Nunca; 4 – Muito Frequente

 

O cenário traçado pelos docentes quanto à utilização das TIC em sala de aula para o prosseguimento de determinados fins pedagógicos não apresenta diferenças substantivas do traçado pelos alunos. Aqui ganha proeminência a intensidade da utilização destes meios, enquanto instrumentos auxiliares da exposição das matérias a apreender por parte dos alunos, podendo estes incluir apenas texto ou outros conteúdos multimédia que enriqueçam e tornem mais apelativa a mensagem a transmitir. A intensidade de utilização decresce claramente nas restantes modalidades de utilização, embora o estímulo à procura de informação e de conteúdos eletrónicos por parte dos alunos assuma ainda frequências médias interessantes. Outras utilizações de maior complexidade e sofisticação como as atividades de simulação e cálculo ou mesmo a utilização de software educativo evidenciam taxas de utilização muito reduzidas em contexto de sala de aula.

Quadro 6: Atividades realizadas com as TIC em sala de aulas referidas pelos docentes (média*)

*Escala: 1 – Nunca; 4 – Muito Frequente

 

Conforma-se, assim, a subutilização das TIC nas escolas ministrantes do ensino secundário em Portugal, em particular na dimensão respeitante ao uso por parte dos alunos no desenvolvimento de atividades em sala de aula. Dada a extinção da unidade curricular para a qual o uso dos computadores e da internet estava remetido, o destino da iniciativa de integração das tecnologias no ensino parece assim traçado, a não ser que se verifique um acréscimo da integração destes meios nas disciplinas clássicas do currículo, tal como esperado pelas autoridades educativas aquando do anúncio da última reforma curricular.

Conclusão

Se os computadores e a internet se tornaram uma ferramenta do dia-a-dia para uma parte significativa da população portuguesa no prosseguimento de diversas atividades: profissionais, educativas, informativas, lúdicas (Alves, 2008) e se o mesmo se verifica para o uso individual quotidiano de professores e alunos do ensino secundário em Portugal, a que se deve, então, a sua subutilização em sala de aula, nos processos de ensino e aprendizagem? A pertinência da questão cresce após o investimento realizado no âmbito do Plano Tecnológico da Educação no apetrechamento das escolas com equipamento moderno e adequado a uma maior intensidade da sua utilização no ensino, embora a eventual carência de salas equipadas para utilização simultânea de professores e alunos seja um fator a ter em consideração.
Tendo em conta os dados apresentados e comentados anteriormente, o computador e a internet constituem uma mera atualização tecnológica dos meios de transmissão dos conteúdos a apreender por parte dos alunos, substituindo anteriores procedimentos analógicos sem alteração de procedimentos ou métodos. Esta constatação repete a efetuada noutros contextos, sublinhando que “ a estratégia de acrescentar a tecnologia às atividades já existentes na escola e nas salas de aula, sem nada alterar nas práticas habituais de ensinar, não produz bons resultados na aprendizagem dos estudantes” (Miranda, 2007, p. 44).
E o que falta para que a alteração de metodologias propiciadoras de uma mais intensiva integração das TIC nos métodos de ensino e aprendizagem se produza, para além do reforço da tecnologia existente nas salas de aula? A formação dos professores é um aspeto a ter em conta, não só na proficiência na utilização dos equipamentos mas também na didática eletrónica que permita a verdadeira articulação da tecnologia com os conteúdos disciplinares (Miranda, 2007; Peralta e Costa, 2007). Os atuais docentes do ensino secundário e também os que ainda estão em formação revelam carências substantivas nestas matérias, para o qual contribui certamente a falta de equacionamento desta problemática por parte tanto das Universidades e Politécnicos como das autoridades educativas. No entanto, o desenvolvimento de capacidades pedagógicas e didáticas de utilização das TIC em sala de aulas por parte do corpo docente dependerá não somente das diretivas hierarquicamente produzidas neste sentido, mas também da iniciativa e mobilização dos mesmos para a formação e autoaprendizagem. A proficiência na utilização das TIC é uma circunstância comum a um sem número de atividades e profissões e os respetivos incumbentes não esperaram por processos alargados de formação, ministrados por terceiros, para incluir a utilização destes instrumentos enquanto fator central da sua atividade.
Uma última questão facilitadora deste objetivo é a estabilidade legislativa. O círculo apertado das reformas curriculares não estimula a fixação no prosseguimento e cumprimento de objetivos, reforçados pelo largo dispêndio de fundos no Plano Tecnológico da Educação, conduzindo não só ao desperdício como à ausência de uma linha de rumo que permita um crescimento sustentado dos indicadores de formação e educação da população portuguesa.

 

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[1] Tal assunção não implica no entanto a operacionalização de um determinismo tecnológico simplista sobrea evolução do devir das sociedades. O desenvolvimento tecnológico é entendido aqui como produto de uma articulação e interpenetração entre ciência, técnica e sociedade, dimensões e respetivas relações cuja disjunção é aqui efetuada apenas enquanto dispositivo argumentativo.

[2] Em Portugal este investimento não obteve continuidade em governos posteriores não apenas em virtudeda crise financeira, orçamental e económica atravessada por Portugal nos anos subsequentes como também por ação das diferentes orientações de política educativa, introduzidas pela mudança de ciclo político, em particular pelo XIX Governo Constitucional.

[3] Medida decisiva na superação do fosso digital que até então se registava em Portugal implicando asdificuldades de aquisição destes instrumentos e serviços por parte da população menos favorecida.

[4 A questão das TIC no ensino básico tem sido abordada noutros projetos de investigação, como porexemplo no estudo coordenado por Ana Nunes de Almeida “Crianças e Internet”, em curso no ICS-UL e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian (Almeida et al., 2011), ou no estudo “Usos do computador Magalhães entre a escola e a família” (Silva e Diogo, s/d).

[5] É claro que o cumprimento integral deste conjunto de aspetos de implementação das áreas curriculares não disciplinares não se terá verificado na íntegra, sendo alvo de controvérsia pública e de contestação por parte de segmentos de professores e famílias com base em argumentos diferenciais. Os primeiros porque conduzidos a lecionar numa área disciplinar sem correspondência com a sua formação de base e provavelmente por isso entendida como “menor”, os segundos por considerarem as áreas curriculares não disciplinares um desperdício de tempo letivo que poderia ser mais proveitosamente utlizado nas disciplinas clássicas.

Autores: Nuno de Almeida Alves e Carla F. Rodrigues