Nº 3 - junho 2011
Noémia Mendes Lopes
David Tavares
Graça Carapinheiro
Número Temático de Sociologia da Saúde
Editorial
O presente número temático da SOCIOLOGIA ON LINE, o número 3, reúne um conjunto de textos de comunicações apresentadas no Encontro Nacional de Sociologia da Saúde – práticas em debate, que decorreu a 19 e 20 de Novembro de 2010, na Covilhã – UBI.
Os textos estão organizados em torno de cinco blocos temáticos, conforme consta do Índice, sendo cada tema objecto de uma breve introdução, redigida pelo moderador da respectiva mesa, seguindo-se então os textos dos autores das comunicações.
Para dar conta das problemáticas que dinamizaram este Encontro, bem como da importância de que o mesmo se revestiu enquanto espaço de reflexão, deixamos neste editorial o texto de abertura que então foi apresentado.
Texto de Abertura
Este Encontro reveste-se de especial significado para a sociologia da saúde em Portugal.
Desde logo, porque ele consagra um novo tempo e uma nova etapa da sociologia da saúde no contexto português – uma etapa de associativismo científico – cujo marco inaugural teve lugar com a constituição da Secção de Sociologia da Saúde, há cerca de um ano atrás, quando a Associação Portuguesa de Sociologia estabeleceu as condições formais e regulamentares para a criação de Secções Temáticas. Um dos objectivos primeiros a que a Secção de Sociologia da Saúde se propôs foi a organização de um Encontro Nacional, pensado como um espaço de reflexão e debate sobre a prática sociológica em saúde, e também como um espaço de interconhecimento dos sociólogos da saúde e dos que se interessam por esta área de conhecimento.
Cumpre sublinhar que toda esta dinâmica associativa da sociologia da saúde, e o espaço de visibilidade que esta área do saber foi adquirindo em Portugal, é o culminar de um caminho talhado e percorrido durante várias décadas por outros colegas. Colegas que cedo perceberam os ventos sociológicos que chegavam de outras partes da Europa e do Mundo; que perceberam os desafios sociológicos que o campo da saúde colocava, enquanto matéria social e enquanto objecto teórico; e que perceberam, ainda, o contributo e a instrumentalidade que a sociologia podia ter para a melhoria das práticas políticas e profissionais de intervenção na saúde. O Encontro, que aqui nos reúne durante dois dias, é tributário desse caminho que outros iniciaram e percorreram. Mas é também tributário de outros, mais jovens, que souberam tomar em mãos esse património herdado e dar-lhe continuidade, acrescentando-lhe outras mais-valias.
Relativamente às temáticas que organizam este evento – e que organizam as cinco mesas que irão decorrer hoje e amanhã – são temáticas que correspondem a dimensões várias do exercício, e da construção, da sociologia no âmbito da saúde, as quais se identificaram como sendo domínios prioritários, a requerer um debate alargado, aprofundado e plural. Debate esse que se pretende reflexivo, enriquecedor da nossa capacidade de pensar o social, de o problematizar e de nele intervir.
Em termos da distribuição temática, teremos duas mesas iniciais centradas no ensino da sociologia: uma versando a sociologia na formação dos profissionais de saúde, e a outra versando a sociologia da saúde na formação de sociólogos. São dois campos de interpelação incontornáveis, num tempo em que o espaço do ensino da sociologia da saúde se tem ampliado, em que os públicos se têm diversificado, e em que as formas de difusão do saber, e as formas de valorização desse saber, se estão também a reconfigurar. A “especialização do conhecimento versus conhecimento generalista”, ou “matéria reflexiva versus instrumentalidade imediata”, estão a tornar-se formas de relação com o saber que vêm desafiando, e por vezes perturbando, os fazedores de sociologia (neste caso de sociologia da saúde). Trata-se, pois, de matéria a merecer reflexão, e ponderação, em torno dos “requisitos sociais” e dos “requisitos sociológicos” que hoje desafiam o ensino da sociologia da saúde (e da própria sociologia, em sentido mais global).
Um outro campo temático – constitutivo de uma terceira mesa – respeita ao exercício da sociologia nos contextos organizacionais de saúde. Também nestes contextos, e particularmente neles, diversas são as questões que se colocam no que respeita aos contributos da sociologia e à maior ou menor visibilidade desses contributos nas prestações dos sociólogos. A questão, tão actual, da recíproca necessidade da ligação entre o universo académico e o universo do chamado sector produtivo, certamente encontrará nesta mesa um espaço privilegiado de inspiração e debate.
Duas outras mesas temáticas – a ter lugar amanhã – vão centrar-se nas matérias da investigação sociológica em saúde. Também aqui novas questões se vêm colocando, e que tornam premente o debate e a reflexão neste domínio. Com efeito, as condições de produção da investigação têm sofrido mudanças recentes: existem hoje mais recursos para a investigação, e produz-se hoje mais investigação; paralelamente, existem também novos constrangimentos, sejam no domínio da autonomia temática, nas pressões de internacionalização, ou na burocratização do acesso aos contextos empíricos da investigação. Por tudo isto, importará questionarmo-nos sobre que investigação se está a fazer, sobre as condições da sua produção, sobre a sua mais-valia social, ou mesmo sobre o seu valor sociológico.
E ainda em matéria de investigação, outra linha de reflexão temática – que constitui a mesa de encerramento do encontro – será centrada nas questões éticas que hoje se colocam à realização da investigação sociológica em saúde. Trata-se de um tema suscitado pela crescente dificuldade de acesso aos espaços de investigação, e que remete para a questão dos monopólios da legitimidade ética na saúde, e para a necessidade de novas formas de regulação deste campo.
São estes os cinco temas que propomos para reflexão e debate neste Encontro. Deles, provavelmente, outros temas surgirão, outras questões, outras perspectivas, que podem suscitar, desde já, a agenda de futuros encontros temáticos – mais específicos e circunscritos. Encontros que serão um sedimento necessário para a consolidação do associativismo científico e, porventura, para o enriquecimento das nossas práticas profissionais.
A Comissão Coordenadora da Secção Temática de Sociologia da Saúde – APS
Autores: Noémia Mendes Lopes, David Tavares e Graça Carapinheiro