Nº 7 - fevereiro 2014

Helena Mateus Jerónimo (ISEG-UL)

Maria João Simões (UBI)

Susana Costa (CES-UC)

O presente número temático da SOCIOLOGIA ON LINE reúne um conjunto de textos apresentados na Conferência “Rumos da Sociologia do Conhecimento, Ciência e Tecnologia em Portugal”, que se realizou no ISEG da Universidade Técnica de Lisboa, nos dias 18 e 19 de novembro de 2011. Esta Conferência inseriu-se no âmbito das atividades da Secção Temática da APS em “Conhecimento, Ciência e Tecnologia”, formalmente constituída em 2010. O objetivo era mapear e dar a conhecer os trabalhos de investigação realizados em Portugal no domínio do conhecimento, da ciência e da tecnologia e promover o intercâmbio de investigadores que trabalham em áreas similares. O sucesso da iniciativa ficou refletido em dois dias de partilha intensa de conhecimentos, discussões e debates, ilustrados, em parte, nos cinco painéis que compuseram o programa da conferência.

No primeiro painel, intitulado “Conhecimento, Ciência e Tecnologia: principais desafios”, os oradores convidados debruçaram-se sobre os desafios colocados pela tecnociência, a evolução dos estudos sociais de ciência e tecnologia, e o seu enquadramento em Portugal, bem como a internacionalização da ciência no nosso país. No segundo, “Rumos da Ciência e da Tecnologia: Atores e Casos”, os contributos centraram-se na caracterização das associações científicas portuguesas, na democratização da ciência, na gestão de riscos e sócio-ecossistemas, e na importância do capital social para reduzir as vulnerabilidades e a resiliência aos desastres naturais. O envolvimento público com a ciências sociais e as ciências da vida e a democratização destas, as implicações éticas e políticas da utilização da tecnologia de DNA na investigação criminal, o risco tecnológico na área da radiologia, a tematização sociológica do conhecimento médico e o estudo sobre a dinâmica de investigação do envelhecimento do eritrócito (ou célula vermelha do sangue), no âmbito das ciências da vida e biomedicina, foram temas abordados no terceiro painel sobre “Conhecimento(s), Ciência, Tecnologia e Risco”. No quarto painel, “Rumos da Tecnologia: Reflexões e Práticas”, as comunicações centraram-se em temas tão diversificados como a avaliação das tendências recentes da tecnologia em Portugal, a análise do desenvolvimento da biotecnologia em Portugal, as semióticas dos artefactos tecnológico (um sistema de navegação português), a memória e o luto na internet, e, num registo menos usual, no âmbito dos estudos sociaia de ciência, uma reflexão a partir de dois movimentos meditativos. O último painel, “Conhecimento(s), Usos das Tecnologias e Impactos”, reuniu comunicações que analisaram a relação entre os jovens, a TV e a escola; as oportunidades, bloqueios e resistências à introdução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) nas escolas; os desafios conceptuais e metodológicos do uso das narrativas sobre experiências de doença; o conhecimento da doença através do diálogo entre doentes/cidadãos e especialistas/profissionais; e, também com um foco similar, a gaguez enquanto objeto de investigação colaborativa caracterizada pela participação de múltiplos atores epistémicos.

Não tendo sido possível reunir nesta publicação todos os textos apresentados, acreditamos que o conjunto que aqui coligimos constitui uma contribuição para os propósitos que nortearam a conferência e que guiam também este volume. Cumprindo os desígnios que estabelecemos para a própria Secção Temática, também o presente volume partilha de uma posição de abertura e pluralidade às diversas concepções teóricas e metodológicas da sociologia, assumindo-se como uma plataforma de dinamização e configuração pública do campo de estudos do conhecimento, da ciência e da tecnologia. Os seus propósitos enquadram-se numa orientação que procura divulgar esta área de especialização, cujo impulso na última década e meia tem vindo a consubstanciar-se no aumento do número de pesquisas, livros, teses e investigadores com interesse na área.
Este sétimo número da SOCIOLOGIA ONLINE é composto por seis contributos. A sua diversidade temática, de convocação teórica e de diferentes perspetivas, bem como a abrangência em termos de filiação institucional dos próprios autores, dá conta de um campo em crescimento e cujo dinamismo em muito pode enriquecer a Sociologia.

O primeiro artigo versa sobre as associações científicas em Portugal, um campo que, como afirmam Ana Delicado, Raquel Rego e Luís Junqueira, se encontra em rápida expansão em Portugal e que acompanha o recente desenvolvimento do sistema científico nacional. Com o objetivo de analisar e caracterizar as associações científicas em Portugal, os autores propõem uma tipologia que permita compreender a sua diversidade com base nas diferenças encontradas, quer na ocupação dos sócios quer nas atividades das associações. A recolha de dados empíricos, coadjuvada pela revisão da literatura, permitiu que fossem identificados três conceitos que polarizam o universo das associações científicas portuguesas – a ciência, a profissão e a sociedade – e que foram cruciais para a construção de três ideais-tipo de associações científicas: as sociedades científicas disciplinares, as associações de profissionais científicos e as associações de divulgação científica.

Ancorado nos conceitos e perspetivas dos Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia, o artigo de António Carvalho constitui uma reflexão sobre um tema pouco usual naquele domínio de investigação: o estudo de dois movimentos de meditação (Vipassana e Zen) como instâncias de política ontológica. Estes movimentos de meditação convocam uma série de dispositivos (performativos, materiais e discursivos) que permitem a transformação ética e experiencial da subjetividade humana. As suas práticas de meditação – a performatividade, a constituição de novas subjetividades mediante a associação com agentes não-humanos, a promoção a formas específicas de experienciar o corpo, a mente e o intersubjetivo, e os agenciamentos meditativos – promovem a emergência de novas ontologias do sujeito. Para o autor, a reflexão sobre as práticas promovidas pelas duas tradições de meditação analisadas permite compreender as articulações e implicações que aqueles dispositivos sugerem entre o sujeito e o social, bem como questionar os processos que suportam a nossa individualidade.

A temática dos desastres naturais e sociais ocupa o texto de Carmen Diego. Mais do que problematizar os desastres como destruição do capital humano ou do capital físico, a autora elege a visão dos desastres como ameaça ao “capital social”. Uma vez que o capital social é composto por recursos incorporados em redes e na estrutura social, que podem ser mobilizados pelos atores em ações individuais e coletivas, o enfoque do texto incide sobre a resposta da comunidade, enquanto principal pilar de resiliência ou capacidade para lidar e recuperar de situações potencialmente causadoras de dano. Convocando um amplo quadro teórico, desde o risco e perigo à vulnerabilidade e resiliência, a autora argumenta que a capacidade de resposta e superação das comunidades pode ser melhorada se partirmos da hipótese que o capital social é um bom preditor (porque é protetor) do stress e trauma que as populações enfrentam aquando de um desastre natural.

Filipa Queirós, Liliana Gil Sousa, João Arriscado Nunes; Rita Serra e Carlos Barradas propõem-nos um olhar sobre as narrativas da doença e suas potencialidades, enquanto estratégia metodológica de um projeto de investigação mais vasto que visa compreender e avaliar o estado de conhecimento público sobre saúde e informação médica em Portugal, partindo de experiências pessoais. A análise baseia-se em três doenças: asma, cancro da mama, e cancro do colo retal. Os resultados preliminares do estudo apontam para o facto de as narrativas de experiência de doença serem um elemento fundamental na avaliação de diversos parâmetros da vida dos indivíduos, revelando prioridades, interpretações e constelações de sentido que
dificilmente poderiam ser captadas de outro modo, e também para uma crença profunda na biomedicina por parte dos entrevistados portadores destas doenças.

Partindo do contributo de Ludwick Fleck para o estudo do conhecimento médico, Hélder Raposo elabora uma reflexão sobre o potencial heurístico da incomensurabilidade entre estilos de pensamento. O autor analisa as reconfigurações na epistemologia médica assentes na Medicina Baseada na Evidência procurando perceber que tipos de evidência são utilizados nos contextos das práticas médicas, em particular na medicina geral e familiar. O autor alude para a emergência de formas de sincretismo epistemológico, fundamentado nas articulações compósitas resultantes da prática clínica.
Nuno de Almeida Alves e Carla Rodrigues analisam o uso que se faz das tecnologias da informação e comunicação (TIC) na educação, especialmente no ensino secundário em Portugal. Estando subjacente na sua análise o caráter sempre benigno do uso das TIC no ensino, procuram traçar a evolução recente da utilização daquelas tecnologias, em particular dos computadores e da internet, constatando que um dos problemas centrais tem sido a sua tendencial subutilização no ensino, sobretudo tomando em consideração os largos investimentos realizados pelas administrações escolares. São apontadas as causas dessa subutilização em Portugal, bem como um conjunto de aspetos de contexto que podem estimular o seu uso.

Autores: Helena Mateus Jerónimo, Maria João Simões e Susana Costa