Nº 2 - abril 2011

António Cardoso, Sociologia, Escola Superior Agrária, Instituto Politécnico de Viana do Castelo e Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho, antoniocardoso@esa.ipvc.pt

Manuel Carlos Silva, Sociologia, Instituto de Ciências Sociais e Centro de Investigação em Ciências Sociais, Universidade do Minho, mcsilva@ics.uminho.pt

Resumo: Os autores começam por equacionar o fenómeno de transição duma comunidade agrária tradicional que a partir dos anos 60 conhece transformações consideráveis não só em termos económicos e sociais mas também culturais, religiosos e políticos. Neste texto é dada atenção particular ao fenómeno do patrocinato, sobre o qual é feita uma revisitação das interpretações teóricas com base em trabalho já realizado pelo segundo autor e, mais recentemente, um novo estudo por parte do primeiro autor na freguesia de Durrães, concelho de Barcelos (noroeste de Portugal, Anexo 1). O patrocinato tradicional nesta freguesia era mormente personalizado na figura de um pároco dado e visto como exemplar nas práticas sacerdotais, embora com um sentido e vigilância e controlo sobre os costumes dos paroquianos. A partir do 25 de Abril de 1974 e sobretudo nos anos 80, apesar de o patrocinato persistir, vai verificar-se uma mutação no sentido de se multiplicarem pela via designadamente partidária novas formas de clientelismo, com alinhamentos diferenciados conforme os líderes locais mediadores dos respectivos partidos políticos. Os recursos disponibilizados pela Câmara e outras instâncias são fonte de competição e conflito, reproduzindo-se esquemas de favores administrativo-políticos para manter as posições de comando da aldeia. Aos moradores restava-lhes assumir ou posições esquivas ou alinhar com um ou outro bloco ou facção de poder, sendo relativamente baixo o sentido e a prática da cidadania no quadro dos constrangimentos patrocinais ou clientelares.

Palavras-chave: patrocinato, clientelismo, comunidade, igreja e partidos, noroeste de Portugal.

Introdução e problema

Uma das componentes mais relevantes da vida tradicional das populações rurais, designadamente no Norte do país, era a ajuda familiar e comunitária, a qual, tal como autores clássicos como Weber (1978) e Mauss (1993) até outros mais recentes, designadamente em monografias em Portugal (O´ Neill, 1984, Portela 1986, Silva 1990, 1998), implica intercâmbios que, não sendo desinteressados, surgem da necessidade de fazer frente a problemas concretos, particularmente económicos.

Com as mudanças ocorridas, sobretudo no decurso e após a saída maciça de migrantes e correspondente êxodo rural, não só os habitantes das freguesias rurais diminuíram o seu grau de dependência perante os vizinhos e, em particular, face aos antigos patrões e patronos – um fenómeno já detectado por vários autores (cf. Silva, 1998) – mas também as próprias freguesias rurais conheceram uma recomposição social com uma considerável deslocação das actividades do sector primário para outras do secundário e terciário, mantendo o primeiro como complemento dos segundos e verificando-se assim uma notável mudança no modus vivendi de muitas famílias. Ou seja, nos casos estudados no Baixo Minho, designadamente no concelho de Barcelos, o sentido de comunidade, tal como o definiram diversos autores desde Tonnies (1953) e Weber (1978) a Redfield (1961), foi sofrendo alterações, tendo dado lugar a uma das três situações: ou cada um procurou maximizar estratégias de sobrevivência com rendimentos numa base familiar ou individual ou reemergem, a partir de necessidades concretas, iniciativas de ordem mais institucional – por via da Câmara ou da Junta de Freguesia -, ou então estabelecem-se formas associativas de base alegadamente voluntária que todavia se baseiam numa base comunitária mas já debilitada. Porém, se a ajuda mútua a nível comunitário está em declínio, em que medida estão ou não surgindo novas formas de relações na comunidade para ir ao encontro das necessidades colectivas e individuais?

Esta é uma questão difícil de responder, limitando-nos a procurar examinar em que medida, face ao declínio das velhas formas comunitárias, se entrecruzam ou emergem novas formas associativas, sem deixar de assinalar oportunidades e obstáculos na sua concretização. Estas dificuldades, como veremos, prendem-se, entre outros factores, com o velho fenómeno do patrocinato ou clientelismo que, perdendo peso nas formas assentes na posse de propriedade e das credenciais de pendor eclesiástico, foi assumindo desde os anos setenta outras formas relacionadas com o clientelismo político-partidário e respectivos mediadores.

O fenómeno clientelar que tem sido analisado em diversos contextos e países, foi também analisado sob vários ângulos, podendo ser sintetizadas, na esteira de Silva (1994,1998) as seguintes perspectivas: (i) a estruturo-funcionalista que analisa o patrocinato como um modo de troca relativamente simétrico mais presente nas sociedades tradicionais (Parsons 1988:103 ss); (ii) a simbólico-interaccionista e transaccionalista que concebe o clientelismo como resultado da dinâmica dos actores sociais e suas redes (Boissevain 1969, Barth 1966); (iii) a do modelo de poder em que as relações patrocinais são interpretadas como fenómenos de poder e dominação (Weingrod 1968, Blok 1969); (iv) a marxista que, reconhecendo as relações assimétricas de poder, tende a reduzir o patrocinato a um epifenómeno das relações de classe a nível sócio-económico (Causi 1975). Cremos que a perspectiva mais fecunda para entender o clientelismo político-partidário consistirá em assumir um método pluricausal que, sem deixar de colocar o problema em termos de assimetria sócio-estrutural na vertente sócio-económica, possa incorporar as relações de poder e as redes fabricadas a nível interactivo, recuperando o conceito de Powell (1970) sobre o clientelismo extenso aplicado à multiplicidade de acções dos partidos políticos e seus mediadores locais a nível municipal e local.

Em Portugal, o patrocinato mais vulgarmente designado de clientelismo, apesar de amiúde referido, tem sido pouco analisado, sendo de ressalvar os trabalhos de Cutileiro (1977), Sobral e Almeida (1982), Lopes (1991) e, de maneira mais aprofundada e detalhada, Silva (1994, 1998) com base no estudo longitudinal de duas aldeias no Minho: Lindoso no concelho de Ponte da Barca e Aguiar no concelho de Barcelos.

Este texto dá conta de um estudo teórico e empírico ao nível da freguesia de Durrães no concelho de Barcelos[1] (Anexo1) e baseia-se num trabalho de campo efectuado nesta freguesia em 2002, tendo ainda por base entrevistas junto dos protagonistas do poder local e dirigentes associativos mas também servindo-se da recolha e análise documental, designadamente a consulta do semanário Barcelos Popular e das Actas da Câmara Municipal de Barcelos.

 

1. Do paternalismo patrocinal do pároco à emergência clientelar dos partidos

No plano social e político, a alteração dos processos produtivos e ocupações profissionais também representou o início do desmoronamento ou, pelo menos, uma forte  diminuição das relações da autoridade tradicional personalizada no pároco, no presidente da Junta de freguesia e em alguns nobres locais, denominados na terminologia sociológica e antropológica como patronos.

O patrocinato[2] representa um sistema de dependência do cliente face ao patrono influente, com relação de reciprocidade tendencialmente assimétrica, em que o cliente, a troco da protecção recebida ou a receber do patrono, deve a este reconhecimento, lealdade e prestação de serviços.

Em relação à freguesia de Durrães, este fenómeno assumiu proporções consideráveis atendendo a factores de ordem histórica, principalmente o facto de que Durrães, junto com Carvoeiro, integravam o Couto de Carvoeiro pertencente ao Convento Beneditino de Carvoeiro. O peso desta instituição conventual com todo o acervo de vínculos e obrigações feudais por parte dos colonos e arrendatários residentes principalmente em Durrães comportou, ao longo dos séculos e formalmente até ao século XIX, relações de servidão, forte dependência e servilismo. No entanto, se a par das relações de dependência (quasi)feudal em relação ao Mosteiro tivéssemos em conta que uma parte considerável da população, composta por camponeses pobres e jornaleiros, dependia dos proprietários das referidas quintas e alguns lavradores médios, não é difícil de entrever relações de acentuada dependência clientelar, quer seja em termos civis como sobretudo em termos eclesiásticos ou, talvez mais adequadamente, eclesiastico-civis. As Juntas de freguesia, durante uma grande parte do século XIX até à I República, eram presididas pelos sucessivos párocos (cf. Figueiras 2000:471 ss). Os moradores recordam com certa nostalgia esses tempos, assim como os nobres e personalidades que presidiram aos destinos da freguesia entre os anos sessenta até aos anos oitenta: o pároco M., M.G., chefe do apeadeiro e presidente da Junta, o regedor, o Dr. F., auditor jurídico, entre outros.

Esta freguesia, contrariamente a outras circunvizinhas, teve até 1986 um pároco que, dedicado aos assuntos espirituais e religiosos da comunidade, era considerado um padre exemplar nas virtudes sacerdotais e, deste modo, mantinha-se muito próximo dos paroquianos, ainda que extremamente vigilante nos seus costumes exercendo sobre eles um certo controlo moral e religioso, surgindo Durrães, aos olhos dos moradores, também como “freguesia exemplar”.

O poder eclesiástico local representado no pároco estava em relativa sintonia e correspondência com a Junta de freguesia, cuja lista era “cozinhada” entre os nobres locais e, em particular, pelo próprio pároco. Até 1974 a Junta de freguesia era formalmente nomeada e homologada pelo Presidente da Câmara Municipal de Barcelos, a qual, ainda que politicamente era bastante dependente do mesmo e de outras entidades civis e religiosas, exercia um controlo local sobre certos acontecimentos públicos e influenciava social e politicamente as famílias pela dependência destas em relação aos assuntos administrativo-burocráticos e políticos. Por outro lado, não raramente actuava com certo grau de discricionariedade no tratamento dos diversos assuntos não apenas perante os moradores dependentes mas também perante famílias mais acomodadas, conforme fossem aliadas ou rivais[3].

Paralelamente à Junta de freguesia e com uma função de controlo, vigilância e até mesmo repressão, estava o regedor, seu substituto (D.M., administrador da Quinta N.) e seus cabos (A.Mº, J.Gº, M.C.M., A.M.S.), os quais acompanhavam os fiscais na função de vigilância das produções de cada casa. Não obstante, o tratamento era discricionário, tanto por parte dos fiscais da Câmara Municipal como do regedor e seus cabos que os acompanhavam: enquanto penalizavam uns, “fechavam os olhos” a transgressões de outros. O próprio regedor, com 104 anos ao tempo do trabalho de campo, conta que uma vez foi solicitado por M.G., chefe do apeadeiro e presidente da junta de freguesia, para que não o denunciasse por um saco de milho. O mesmo tinha sucedido com os M. de Quintiães em relação ao azeite do lagar ou aos donos da Quinta de M., em que os fiscais entravam em casa dos caseiros mas não fiscalizavam a própria casa do dono da quinta.

A personalidade demasiado forte, absorvente e inclusive autoritária, do antigo pároco M. deixou em muitos durranenses uma espécie de sentimento de orfandade: “Deixamos de ter líder – o padre M. –, por outro lado, a política veio dividir muito as pessoas. O líder tinha qualidades sociais, culturais e humanas extraordinárias… Todavia, agora, somos um rebanho sem pastor” (C.M.). Não obstante, tal como foi possível concluir da narrativa do padre L. que veio substituir o padre M., esta relativa harmonia controlada pelo pároco escondia constrangimentos e contenções latentes ao ponto de manifestar-se e, de certo modo, de contestar a autoridade eclesiástica local. O padre L., actual pároco de Durrães, tendo dificuldade para suster e conter o seu “rebanho”, reconheceu ao seu antecessor a capacidade de ter disciplinado os seus paroquianos, quando, sendo pároco da vizinha freguesia B., passou também a ser pároco de Durrães, disse:

“Eu me dei conta daquilo (Durrães!), tentei fazer o possível dentro do impossível. Cheguei lá e encontrei certas estruturas das quais beneficiei, certos valores, certo respeito nas famílias… Durrães tinha um pároco próprio que estava sempre vigilante no dia-a-dia”. E, em público, como disse uma moradora: “Eu vim aprender muitas coisas aqui em Durrães. Por exemplo, quando sai uma procissão em Durrães formam-se duas filas bem alinhadas e não como em muitas outras aldeias que vão todos juntos atrás do andor que mais parece um rebanho de carneiros…” (a moradora AE).

No entanto, o actual pároco confessou a dificuldade de manter o equilíbrio na balança de forças e sobretudo em conter os sentimentos reprimidos de bastantes paroquianos. É o próprio padre L. que em 1990, a propósito de uma obstinada crítica na actuação dos professores nas escolas, depois do 25 de Abril, por depreciarem as aulas de religião e moral e por se manifestarem mais permissivos nas relações entre rapazes e raparigas, refere-se ao comportamento reprovável não só de certos professores como de certos paroquianos:

“ainda que a gente não se manifestasse externamente, já existia essa predisposição, e rebentou o 25 de Abril, mas já vinha de antes, já havia podridão, por baixo já  estava o mal minado… e essas pessoas só explodiram nesse momento…Tudo isto se reflectiu na Igreja, na autoridade da própria Igreja. Inclusive aquela obediência que se via na autoridade da Igreja debilitou-se…A Igreja não possuía organizações e estruturas para fazer frente a tudo isso, foi apanhada de surpresa porque vivia embalada pela defesa do Estado…” (Padre L.)

O 25 de Abril mudou algo na relação de forças, provocando a própria demissão da Junta de então, principalmente do seu presidente, que viria a ser substituído por seu irmão A.G…. Ainda que formalmente as eleições pressupunham a disputa política inter-partidária, os partidos que tiveram por muito tempo o controlo político local foram o CDS e o PPD/PSD. E, ainda que o PS obtivesse uma subida nas últimas eleições de 1997, o PSD continua a ser o partido maioritário.

Mesmo sendo a situação política agora bem diferente do passado, ainda são evidentes algumas situações de dependência e práticas de política clientelar e, segundo alguns, autoritária, da parte não só do poder eclesiástico, como, segundo outros, do poder autárquico na freguesia, tal como o refere um habitante:

“Essas dependências existem e resultam de pequenos jogos de interesse… “podes fazer mais esta obra e mais esta…”. Trata-se de uma certa fidelidade interna, ou seja, se és moralmente fiel porque este deve favores àquele…. E, olhe, temos lá na cúpula uma determinada cor, um determinado líder que vai permanecendo… e isto dá a entender que há uma sintonia dos de “aqui” com os de cima…Ou seja, até eu ás vezes me acobardo para não ter confusões… Aqui é “eu faço, eu quero, eu mando” e isto é Durrães.  (C.M.).

Inclusive ainda que esta posição não seja partilhada por outros habitantes, há indícios da persistência de relações de tipo clientelar, quer seja a nível das relações diádicas, quer a nível da política local:

“Ou me segues ou então não tens lugar aqui… De facto, o que une tudo é o trabalho. Mas a política dividiu bastante as pessoas. A maturidade política é pouca e lenta…. em todas estas aldeias… Há pouca consciência democrática, há inclusive défice de cultura democrática…”

As pessoas votam em agradecimento a favores ou na expectativa de favores, sendo os mais velhos literalmente conduzidos em carros e carrinhas que são disponibilizadas no dia de eleições (por exemplo, a carrinha do Centro Social).

Alguns habitantes (C.M., J.S, F.C.) dão exemplos de certa discriminação por parte da Junta na pavimentação e no arranjo de caminhos, favorecendo a parentes ou famílias aliadas, prejudicando ou discriminando adversários políticos, favorecendo os lugares “onde há mais votos” e esquecendo-se de famílias mais isoladas, desprovidas e, portanto, com menos peso contratual (negocial). Ou, mais recentemente, conforme as famílias em questão, permitindo ou não abrir ou fazer caminhos, ou fazer loteamentos com especulações imobiliárias. Não há, portanto, a este respeito nenhuma acção colectiva, pelo que a maioria prefere ‘desenrascar-se’ e não “ter problemas com a Junta”, como dizia um morador. Outros como J.S. não deixam de denunciar publicamente esta política clientelar:

“Estou contra os compadrios na criação de emprego à volta do apoio aos idosos e ao ATL. Afinal a criação de emprego não é para quem mais necessita. Por exemplo, a máquina de limpar as bermas das estradas foi entregue ao tio do presidente. Aqui em Durrães estes gajos não atendem aos pobres… os idosos não são todos atendidos, alguns vivem isolados onde nem o GASIN nem os bombeiros nem a ambulância lá chegam…”

Silenciosamente alguns moradores denunciam alguns acordos e negócios da Junta de freguesia com empreiteiros locais e, segundo outros, alguns dividendos para o próprio presidente da Junta. Por exemplo, o edifício da actual sede de Junta de freguesia foi vendido pelo empreiteiro local LS à Junta de freguesia por 26 mil contos (cerca de 130 000 euros), valor este que, pago pela Câmara Municipal, tem sido considerado, por vários habitantes, superior ao seu real valor de mercado. Se bem que uns têm canais de influência no poder local ou municipal, outros moradores menos providos, como um ex-emigrante X, vêem-se desprotegidos e são inclusive discriminados pelas autoridades locais. Por exemplo, a casa de um ex-emigrante desmoronou-se em consequência do deslizamento de um monte, por desvio das linhas de águas, e com isso viu destruídas suas poupanças sem que até este momento as autoridades locais, municipais ou governamentais se co-responsabilizem pelo sucedido. Também, segundo outro morador, quando os subsídios dos funerais provenientes da Segurança Social eram confiados ao presidente que tinha um escritório de contabilidade, este soube-se aproveitar de parte de esses subsídios para ajudar a financiar a fábrica de cerâmica (L.C., Mª). Outra denúncia e protesto feitos por diversos moradores consistem na apropriação do Senhor do Lírio pelo Conselheiro N. que o vedou, não obstante o Dr. J., pai dos actuais herdeiros, ter prometido devolvê-lo à freguesia, sendo agora necessárias novas negociações com o filho, Eng.º J., herdeiro da parte da quinta. Esta usurpação é tanto mais sentida quanto mais recordam que um dos moradores, o Sr. C.O.M., já falecido, ofereceu 500 contos (cerca de 2500 euros) para construir um caminho de acesso ao Senhor do Lírio.

A luta política surge em relação com os mais variados assuntos. Uma das questões com as quais a Junta de Freguesia e seus seguidores mais conotados com o PSD, incluindo o antigo presidente da Casa do Povo, J.P., e os dirigentes do GEN mais orientados pelos partidos da oposição, principalmente o PS, se têm confrontado, tem sido a gestão do GEN situado no edifício da Casa do Povo, que desde 1993 deixou de cobrar quotas para a Segurança Social. Segundo um ex-presidente da Assembleia de Freguesia,

“O GEN não tem personalidade jurídica, seus estatutos foram aprovados numa casa particular e, por isso,  é ilegal; a presidência do GEN nem sequer é de nenhuma das três freguesias às quais pertence a Casa do Povo. A Casa do Povo podia ser para o Grupo Cénico. O edifício foi doado pelo Dr. J. mas com a condição de que permaneça ali o Centro de Saúde. Para além disso, as obras de recuperação têm sido feitas pela Junta”.

Não obstante, esta luta continua em relação com a concessão, pela REFER, do espaço do apeadeiro, hoje desactivado, que o GEN teria solicitado para as suas actividades de investigação arqueológica e para exposições, projecto que teve a oposição da Junta de Freguesia que também pretende gerir esse espaço por sua conta e para actividades de sua iniciativa.

Para um número considerável de moradores, sobretudo os mais críticos da oposição, não há verdadeira participação democrática na vida da aldeia, tal como o exprime um morador C.M.: “Aqui não há espaço para o debate… Ou és por mim ou se não és por mim és contra  mim… ou seja, nem hipótese dão de que uma pessoa seja neutra…”.

Por isso, as pessoas hoje, ao não serem tão dependentes como antigamente e havendo um quadro democrático que permite alguma margem de opção político-partidária, verifica-se contudo um menor constrangimento clientelar e inclusive algumas vantagens mínimas de espírito democrático no sentido de respeitar ou pelo menos suportar as opiniões dos outros. Mas de aqui a poder falar-se de cidadania activa e de uma democracia participativa há ainda um bom passo a percorrer…

2. Padrões culturais e práticas religiosas: entre devoção e desafeição

Os hábitos e as cosmovisões culturais são, regra geral, muito mais resistentes às mudanças do que os modos de vida em termos económicos e sociais. Inclusive enquanto alguns traços culturais se têm mantido e/ou reformulado, o quadro relacional entre os moradores mudou consideravelmente no sentido de uma maior afrouxamento dos vínculos comunitários, numa maior influência do mundo exterior à aldeia (emigrações, meios de comunicação) e num aumento da relativa autonomia familiar e individual. Na continuação distinguiram-se as diferenças em algumas das práticas, estratégias e padrões de comportamento, destacando as que têm que ver com as relações de vizinhança e ajuda mútua.

Pelo que foi possível observar, também a nível das relações de ajuda mútua e solidariedade se notam algumas diferenças entre os dois tempos: os actuais em relação aos dos anos sessenta. Ontem como hoje existiam e existem relações de ajuda mútua tanto de cariz assimétrico como simétrico, se bem que hoje tais relações são menos frequentes e duradouras devido a uma menor dependência de uns e outros e sobretudo porque a maior parte das famílias são relativamente mais autónomas umas em relação a outras. Actualmente persistem entre os vizinhos diversos tipos de relação de bases diferenciadas, na base de uma reciprocidade simétrica e assimétrica, prevalecendo situações de boa relação, mas sem excluir casos de desentendimentos e sentimentos de inveja. Por exemplo, C.A.S. sente-se incomodada com a vizinhança por esta lhe ter inveja por ´estar em casa` a cuidar do seu filho deficiente que recebe um subsídio para tal, havendo pessoas que dizem  “está bem gordinha, graças ao cheque do filho deficiente… ela mostra o filho mas não mostra o cheque”(!).

Em termos de representações e práticas religiosas podia-se pensar que estas, de  modo nenhum, estão relacionadas com a questão do desenvolvimento rural. Não obstante, como é sabido, as representações religiosas, enquanto parte integrante do mundo simbólico-cultural, tal como o demonstram alguns sociólogos começando por Weber (1996), são extremamente relevantes, tanto na manutenção do status quo, como na sua mudança. O normativismo moral e religioso dominante até recentemente tem sido de tal ordem decisivo na travagem de processos de modernização da sociedade rural tradicional e introdução de práticas e costumes mais secularizados e ajustados com a actual economia (livre) de mercado.

Por diversos autores, principalmente por aqueles que se têm centrado sobre a região minhota (Santo 1984, Geraldes 1987, Cabral 1989, Silva 1998), tem sido realçada a forte religiosidade das populações, o que também se pode dizer, de facto, da grande maioria das pessoas de Durrães. É certo que as formas de religiosidade popular, que na prática se confundem muitas vezes com as formas dominantes da religião oficial católica, devem, contudo, analiticamente distinguir-se, pois, enquanto que as primeiras têm um carácter animista e antropomórfico, as segundas têm uma visão doutrinária transcendental, tal como referem autores como Almeida (1986:328 ss), Cabral (1989:224 ss) e Silva (1998:344).

Em relação ao ambiente social dos anos sessenta e setenta, tal como e até mais que noutras freguesias circunvizinhas, também em Durrães o pároco procurava dar um sentido sobrenatural a todas as festas, rituais e demais acontecimentos inerentes ao ciclo agrícola, não só proibindo ou restringindo certos excessos ‘profanos’, insinuando sentimentos de culpa e vergonha a eventuais prevaricadores (não-participação na missa, matrimónio não-católico, concubinato), como sobretudo criando um sentimento corporativo de pertença e comunhão entre os paroquianos, tal como refere um morador ao denotar em simultâneo a aparente ‘adesão voluntária” e o clima compulsivo de então:

“…o padre M. orientava melhor: havia cruzada, mais meninas, a JAC, comunhão solene… tinha boa relação com os jovens, havia muito mais respeito pelo padre M…. Todos os jovens corríamos a pedir-lhe a bênção… Mas antigamente éramos obrigados pelos pais a ir à igreja e éramos controlados pelo padre” (D.C.).

De facto, o que ressalta, em primeiro lugar, dos testemunhos dos habitantes inquiridos e, em particular, dos informantes-chave, é que a população vivenciava fortemente os acontecimentos religiosos não só durante as festas principais no ciclo anual, mas também nas celebrações religiosas dominicais e até nas missas durante a semana e as preces diárias habituais: a da Trindade pela tarde e a da oração do terço pela noite. Assim o referia, por exemplo, A., um criado na casa de um lavrador, também cansado:

“Pelas tantas da noite… (ele era maldoso!) rezava-se todos os dias o terço. Fazia-me pôr de joelhos no chão apoiado um pouco a uma mesa e a família toda de pé …eu já tinha 18 ou 19 anos….a  mulher dizia-lhe: “deixa ir o criado para a cama … que ele não necessita orar porque ele está cansado… tu bem sabes que ele anda muito cansado”…e  ele marido respondia .. “tem muito tempo para ir dormir…”

É importante sublinhar que, simultaneamente à já referida vigilância exaustiva do pároco e à dos seus incondicionais seguidores, se uma parte menor da população sentia-se temerosa e obrigada a cumprir graças à dita vigilância no quadro das relações (para)domésticas, outra parte, largamente maioritária segundo vários testemunhos, fazia questão de se mostrar ‘orgulhosa’ de ser e sentir-se tanto ou mais profundamente religiosa e cumpridora dos preceitos eclesiásticos que outras populações das redondezas, demonstrando inclusive uma forte sintonia com os conselhos e as advertências de seus párocos tomados como exemplares, em relação a outros párocos vizinhos: os padres M. (1982-83), S. (1975-82), M. (1974) e J. E (1900-1941. Ou seja, os párocos de Durrães eram considerados honestos e por muitos como moralmente sérios e socialmente genuínos nas virtudes da pobreza, da castidade e a obediência dos preceitos religiosos. Há que salientar alguns acontecimentos considerados de maior importância, inclusive os formalmente seculares ou civis, em que a autoridade eclesiástica local assumia um papel preponderante: por exemplo, a entronização do crucifixo na escola em 1938, a electrificação pública da freguesia em 28 de Maio de 1955[4], a criação do grupo cénico “Lírio do Neiva” composto por 27 rapazes, o lançamento do jornal local “Lírio do Neiva”, o órgão da Acção Católica de Durrães, cujos artigos eram, antes de serem publicados, objecto de controlo e censura doutrinária por parte do padre M. e, posteriormente e actualmente pelo padre L..

Isto não significa que não houvesse, de modo mais latente que manifesto, expressões de certa dissidência prática, mas silenciosa. Não obstante, importa demonstrar os comportamentos e as práticas de conformidade com as normas oficiais. A desobriga anual (confissão e comunhão pascoal), a presença/participação na missa dominical, a frequência dos sacramentos, a abstinência quaresmal, a participação nos actos religiosos mais relevantes eram consideradas obrigações para todas as famílias que, por regra geral, as cumpriam escrupulosamente: uns por razões de sobrevivência e para evitar processos de marginalização, e outros na expectativa de serem localmente premiados em termos de prestígio e estima social.

Também havia dissidências em Durrães, inclusive, em períodos anteriores aos párocos E. e M., práticas de transgressão e até alguma “libertinagem” em certos costumes e locais, tal como se pode inferir dos escritos de Figueiras (2000), quando este se refere às danças e aos cantos no Campo do Forno aos domingos, depois da missa e do ´terço´, em que se cantava e dançava ao som das concertinas, violas, cavaquinhos e “ferrinhos”, sem o controlo eclesiástico, práticas que eram objecto de frequentes advertências por parte dos antigos párocos: “Campo do Forno, Campo do Inferno… Campo das Murmurações, donde se fazem escrituras, sem letrados nem escrivães” (in Figueiras 2000:469). Outra fonte indicadora de costumes mais ‘pagãos’ em épocas anteriores é o Livro de Visitas entre 1701 e 1717.

Remontando-nos ao século XX, principalmente com a construção do Estado Novo, a moralização generalizada da Igreja também fez-se sentir e de modo muito agudo em Durrães. Não obstante, ainda durante este período houve uma espécie de domesticação dos paroquianos pela mão dos padres E. e M., alguns relatos dão conta de alguns casos de repugnância passiva ou resistência silenciosa: ausência à missa dominical, o não-cumprimento da desobriga, o não-pagamento das primícias e, sobretudo, o evitar encontrar-se com o padre. No entanto, em comparação com as práticas de outros párocos de freguesias vizinhas, consideradas “parasitárias”, “avarentas” e/ou “escandalosas”, desde o ponto de vista sexual, ao seu pároco os durranenses não tinham que apontar-lhe esses comportamentos considerados ‘indignos’. Ou seja, consideravam o padre M. um pároco coerente e exemplar em seus comportamentos e, por isso, sua palavra era respeitada e tomada a sério. Com o padre L. os jovens começaram a minar a sua autoridade, por exemplo, “apagando a luz”, sempre que este queria dar catequese.

Decorridos cerca de trinta anos, que dizer das actuais práticas religiosas dos actuais paroquianos? E como era sua relação com o novo pároco, que já exercia noutra freguesia vizinha?

Em primeiro lugar, há que sublinhar a menor frequência no cumprimento das obrigações referidas: por regra geral a abstinência quaresmal já não é praticada, a frequência dos sacramentos é consideravelmente menor e irregular, o pagamento das primícias já não é sentido como vinculativo, o índice de participação na missa é inferior a 70% e, segundo um morador, “hoje 50% dos jovens não frequentam a Igreja” (D.C.). Portanto, há menos respeito e consideração pelo padre e os pobres já não aceitam tratamentos diferenciados como em tempos passados, chegando a censurar o pároco “por celebrar as missas dos ricos geralmente aos sábados e domingos e as dos pobres durante a semana” (F.C.). O incumprimento das obrigações já não tem consequências repressivas, como antigamente. A obediência dos rituais (baptismo, primeira comunhão, casamento) têm hoje uma componente de encontro, afirmação familiar e de exibição social.

Um acontecimento donde se pode concluir e medir as diferenças nas vivências e significados da religiosidade é a festa do padroeiro, S. Lourenço. Enquanto no passado e até aos anos oitenta a festa, organizada rotativamente pelas famílias de proprietários, lavradores e pequenos camponeses, representava o momento auge da vivência religiosa aldeã pelo que as manifestações ‘profanas’ eram relativamente contidas, hoje estas coexistem e, às vezes, sobressaem as manifestações ‘profanas’, sem sofrer as limitações e proibições noutros tempos impostas pela figura austera do pároco. As colaborações que antigamente eram em espécies, hoje são entregues sobretudo em dinheiro, apara além dos leilões. Os gastos não tanto os especificadamente religiosos (andores, padres, sermão) mas sobretudo os profanos (ceias/jantares, foguetes, bandas, ranchos, grupos musicais) multiplicaram-se de modo exponencial. A festa, se já o era, tornou-se ainda mais uma manifestação de prestígio, êxito e poder alcançados pelas famílias organizadoras: juiz e mordomos. Finalmente, a população ainda hoje colabora para qualquer iniciativa de melhoria ou arranjo da Igreja sob pedido do pároco: por exemplo, a compra de aparelhos de som para a Igreja no valor de 600 contos (cerca de 3 mil euros).

Nas últimas décadas, a liderança eclesiástica na pessoa do pároco foi sofrendo um certo desgaste e verifica-se uma certa desafeição por parte dos paroquianos que se orientam num sentido mais laico. Uma das iniciativas traduziu-se na redinamização/revitalização da Casa do Povo impulsionada por alguns moradores letrados, particularmente a família M. com um historiador e um arqueólogo, que o presidente da Junta confirmou, quando foi questionado sobre a parte cultural da freguesia:

P.J. – Durrães tem sido sempre uma freguesia bastante culta… pelas pessoas pensantes que temos cá… muito cultas… por que as publicações de livros falam por si mesmas…a parte cultural mais emblemática de Durrães ainda é o teatro… e todos os anos temos feito alguma coisa pelo teatro…que é uma tradição que vem de há muitos anos…há quem diga que vem desde 1933 mas outros dizem que é de 1927 ou 1929…

Para além disso, Durrães tem organizado algumas exposições…uma das quais de arte-sacra…temos algumas associações que têm trabalhado também no âmbito cultural…Eu tenho que admitir que o GEN é também uma associação que tem desempenhado um grande papel…eu não poderia dizer o contrário ainda que eles sejam meus inimigos…tenho que admitir… Penso que no passado a Casa do Povo teve uma grande responsabilidade nessa parte cultural, hoje a Casa do Povo resume-se praticamente ao GEN e acaba por confundir-se com a instituição, Casa do Povo e  GEN, não sei se sabe… aqui quem é quem no fundo…. Os dirigentes pertencem a um lado e os mesmos pertencem ao outro lado e acabam por se confundir.

A.C. Recentemente li um artigo no Jornal de Barcelos sobre o apeadeiro… que vai nascer uma nova associação…

PJ: …eu não sei como é que…eu não vou falar sobre isso… creio que os governos são responsáveis do próprio património que lhes corresponde…e desde 1990 esta Junta de Freguesia empenhou-se, tenho documentos que o comprovam porque toda a correspondência que enviei para a CP e agora REFER a enviei com carta registada e aviso de recepção e tenho provas mais que suficientes de como lutei por aquilo, para o adquirir para a Junta de Freguesia… O apeadeiro ainda tem bastante terreno para além das instalações do apeadeiro…eu então pensei fazer ali a sede da Junta…mas com os atrasos e dificuldades da CP… apresentei outra solução…

De repente vejo aquilo ir para uma associação que até pode ser muito boa…não duvido disso… mas penso que de aqui a alguns anos, como não pertence neste caso à Junta de Freguesia, levará a que se diluia…a questão do património …Sabe que daqui a alguns anos poderá exigir uma grande intervenção…agora quem apresenta um projecto inicial recupera o imóvel e possivelmente vai conseguir dinheiro com alguma carolice deste ou daquele, mas amanhã esse dinheiro faltará e vão precisar de dinheiro para obras…porque nós sabemos que as instituições funcionam um pouco por ciclos, não é?… Hoje estão com muita  pujança mas amanhã essa pujança vai-se diluindo e penso que isso sucede com todas as associações e isto é um pouco assim com todas as associações e amanhã o que vai suceder é que o imóvel vai precisar de uma grande recuperação e não vai haver capital para o recuperar, e tudo o que até agora se fez acabará por se esquecer… mas se aquele fosse um imóvel da Junta de freguesia existiria sempre o Estado por detrás que em qualquer momento poderia investir ali capital para obras…

Como se pode inferir, o impulso de actividades culturais ocorre ainda sob a luta de poderes no seio da freguesia entre os promotores do GEN que se tinham instalado na Casa do Povo e, como os activistas da oposição ou representantes do PS projectavam criar uma associação cultural como base de apoio às suas actividades científicas, culturais e políticas e os representantes do poder local favoráveis ao PSD, posicionando-se a favor não da entrega do imóvel ao GEN mas sim antes á freguesia sob a argumento plausível de que a Casa do Povo se manteria como propriedade do Estado gerido pela Junta de Freguesia. Fora desta competitividade ou competição não se verificava uma estratégia global de interesse e  mobilização de toda a comunidade.

3. Conclusão

A freguesia de Durrães juntamente com a freguesia de Carvoeiro, integravam o Couto de Carvoeiro pertencente ao Convento Beneditino de Carvoeiro, implicando todo um acervo de vínculos e obrigações feudais por parte dos colonos e arrendatários residentes principalmente em Durrães, em relações de servidão e forte dependência até ao século XX, prolongando-se ainda nas dependências de camponeses pobres, jornaleiros e criados dos proprietários das quintas e de alguns lavradores médios. Estes factos permitem compreender relações de acentuada dependência clientelar, quer seja em termos civis como sobretudo em termos eclesiásticos.

As Juntas de freguesia, durante uma grande parte do século XIX até à I República, eram presididas pelos sucessivos párocos. Durrães teve até 1986 um pároco considerado um padre exemplar nas virtudes sacerdotais, que se manteve muito próximo e vigilante dos costumes dos paroquianos, exercendo controlo moral e religioso sobre os durranenses. Nessa altura o poder eclesiástico local representado no pároco estava em relativa sintonia e correspondência com a Junta de freguesia e, por sua vez, esta era bastante dependente do Presidente da Câmara mesmo e de outras entidades civis e religiosas, exercia um controlo local sobre certos acontecimentos públicos e influenciava social e politicamente as famílias pela dependência destas em relação aos assuntos administrativo-burocráticos e políticos.

Tendo presente o contexto da transição da comunidade tradicional ou sociedade agrária à sociedade rural actual com as continuidades e mudanças inerentes a esse processo, colocou-se a tónica na descrição e análise das relações de poder e as tensões entre os diversos actores locais em que, com a alteração dos processos produtivos e recomposições profissionais, se pôde verificar uma notável diminuição das relações da autoridade tradicional personalizada no pároco e no presidente da Junta de freguesia e outros influentes que funcionavam como patronos face à grande parte dos moradores como clientes.

Ao nível das relações de ajuda mútua e solidariedade notam-se algumas diferenças entre os dois tempos: os actuais em relação aos dos anos sessenta, se bem que hoje tais relações são menos frequentes e duradouras devido a uma menor dependência de uns e outros e sobretudo porque a maior parte das famílias são relativamente mais autónomas umas em relação a outras. Actualmente persistem entre os vizinhos diversos tipos de relação de bases diferenciadas, na base de uma reciprocidade simétrica e assimétrica, prevalecendo situações de boa relação, mas sem excluir casos de desentendimentos e sentimentos de inveja.

Nas relações de poder a nível de freguesia e desta com o Município constatou-se que os assuntos administrativos são tratados de modo rotineiro e mediante a aplicação de estratégias impregnadas de mediações clientelares, alinhando os moradores pelos diversos mediadores político-partidários que, por sua vez, detêm relações preferenciais com os responsáveis partidários a nível concelhio, com particular evidência junto do partido hegemónico que se encontra em condições de redistribuir recursos e recompensas.

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[1] Grande parte da recolha empírica no que se refere designadamente a freguesia de Durrães foi realizada no quadro dum trabalho mais amplo de uma dissertação de doutoramento por parte do primeiro autor, cujo título é “Desarrollo local: virtualidades y limites. Estudio de caso de un pueblo en el ayuntamiento de Barcelos (noroeste de Portugal)”, defendida em 2008 na Universidade Complutense de Madrid. O contributo do segundo autor situou-se mais no enquadramento teórico e interpretativo, de que deu conta em seu trabalho de doutoramento, designadamente sobre o fenómeno do patrocinato em duas freguesias minhotas: Lindoso em Ponte da Barca e Aguiar no concelho de Barcelos (Silva 1998).

[2] O tema do patrocinato tem sido abordado por vários sociólogos e sobretudo antropólogos, destacando-se entre outros, Wolf (1966), Bossevain (1966), Blok (1969) e, em Portugal, sobretudo Cutileiro (1977) e Silva (1998), os quais apresentam as diversas interpretações teóricas em torno deste fenómeno social e político. O patrocinato, se bem que tem estado também presente nos países centrais da Europa e na América, tem sido mais  frequente em países da área mediterrânica, latino-americana e em países africanos e asiáticos.

[3] Quando se construiu a nova igreja de Durrães nos anos sessenta, o construtor civil local A. e seu sócio M.S. tinham feito um contrato com a freguesia e trataram a obra por um determinado valor, mas como os sócios se desentenderam, a freguesia viu-se obrigada a fazer a obra a jornal por administração directa. Não obstante, uma grua que era do construtor A., foi retida no final da obra e não a devolveram como gesto de represália, decisão tomada pelo Conselho Paroquial com o desacordo de alguns, entre os quais o então regedor.

[4] Nas Actas de registo deste acontecimento vivido como ‘grandioso’ a nível local, foram feitos pela Comissão de Electrificação – composta pelo padre J.M., A.S. e M.G.- os mais rasgados elogios à chamada Revolução Nacional do 28 de Maio de 1926 e subsequente obra do Estado Novo, celebrando com entusiasmo militante por parte dos nobres organizadores e representantes com referência expressa a seus nomes e à bênção da Igreja na pessoa do pároco, celebrando assim o 29º aniversário da Revolução Nacional “que possibilitou o ressurgimento nacional que criou as condições económicas e morais que tornaram possível este grande progresso da freguesia, factor indispensável nesta época para a melhoria das condições de vida e para seu desenvolvimento futuro” (Acta 28-5-1955)

Autores: António Cardoso e Manuel Carlos Silva