Nº 2 - abril 2011

Inês Vieira, Licenciada em Educação de Infância, Mestre em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos, Doutoranda em Ecologia Humana (FCSH-UNL), CesNova, ines.vieira@fcsh.unl.pt

António Cardoso, Sociólogo, Doutorando em Sociologia (FCSH-UNL), Ministério da Defesa Nacional e CesNova, ideiascardoso@gmail.com

Resumo: Não obstante a tendência geral de admissão da mudança social, uma grande porção das vozes internacionais identifica a Europa do Sul enquanto um dos principais locus face aos maiores desafios económicos, políticos e desenvolvimentais. Os jovens, no seu percurso entre a infância e a idade adulta, explicitam os alicerces das sociedades contemporâneas, na medida em que transparecem questões tais como papéis e responsabilidades face à própria sociedade que os alberga. Neste artigo procuraremos apresentar a evolução de alguns aspectos que caracterizam os jovens portugueses, de 2004 até ao presente, bem como a sua variação regional e por género, nomeadamente no que concerne à situação pessoal, perspectivas sobre educação e emprego, bem como atitudes políticas e modalidades de participação social. Os dados apresentados têm sido colectados ao longo das edições do Dia da Defesa Nacional, que se desenvolvem por todo o país, numa amostra que cobre a grande maioria dos rapazes com 18 anos de idade em cada ano, ao que se acrescenta a recente tendência de inclusão de raparigas da mesma idade, desde 2009.

Palavras-chave: Jovens portugueses; situação e perspectivas educativas; situação profissional; atitudes políticas e participação social.

Introdução 

A identificação dos caracteres contextualizados da juventude, processo multi-transitivo tão central na vida humana, configura-se importante num contexto de mudança social global. Se focalizarmos esta mudança na Europa do Sul, admitindo os seus traços distintivos face ao conjunto europeu, as suas peculiaridades culturais e atitudes sociais predominantes, torna-se possível vislumbrar algumas das continuidades e rupturas que circunscrevem a história do seu presente. É nesta dimensão histórica que se constroem as situações de vida conducentes às estratégias de afirmação dos jovens portugueses na sociedade contemporânea. Será que os seus percursos individuais, da educação ao emprego, passando por modalidades de participação social e atitudes políticas, significam um percurso orientado para os projectos formativos e democratizantes da modernidade? E, neste panorama, qual a pertinência das diferenças de percursos face ao género e às realidades regionais que encenam a vida dos jovens portugueses? No presente artigo procurar-se-á contribuir para a resposta às questões previamente formuladas, essencialmente através da disponibilização e tratamento descritivo de dados empíricos, considerados representativos da situação dos jovens portugueses nos últimos anos. As dimensões compreendidas são a situação e perspectivas educativas, a situação profissional, atitudes políticas e modalidades de participação social. No final da exposição de dados será apresentada uma síntese conclusiva respeitante aos perfis evidenciados pelos jovens portugueses.

 

Enquadramento do estudo 

O Dia da Defesa Nacional, implementado de forma generalizada em 2004 aos jovens portugueses do sexo masculino, conta com seis edições, nas quais participaram mais de 300 000 jovens. Até 2009, a convocatória era feita a todos os jovens rapazes com 18 anos de idade em Portugal continental e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira; nesse ano, a convocatória começou a ser estendida a jovens raparigas da mesma idade. Porém, a representatividade massiva dos dados sobre jovens rapazes (a amostra implica a quase totalidade do universo) ainda não se vê espelhada nos dados sobre os elementos do sexo feminino (cuja amostra é cerca de 10 vezes menor que a dos elementos do sexo masculino); não obstante, é de ressalvar a sua pertinência representativa, dado o facto de os elementos do sexo feminino terem sido convocados aleatoriamente, com forte componente de variação regional. A par da implementação do Dia da Defesa Nacional, tem sido desenvolvido um programa de estudos sobre a relação dos jovens com as Forças Armadas, mediante o qual é aplicado um inquérito por questionário à totalidade dos jovens participantes. Este instrumento é composto por várias secções, onde estão compreendidas as dimensões da situação pessoal, educativa e profissional, bem como da visão dos jovens sobre as suas atitudes no que respeita, por exemplo, a questões de cidadania política. A compilação de dados resultante é assim mobilizada para o presente artigo, onde se procurará contribuir para a caracterização dos jovens portugueses, sua evolução nos últimos cinco anos e traços comuns e divergentes mediante o género e a distribuição regional dos jovens.

 

1. Situação e perspectivas educativas

A caracterização dos jovens portugueses iniciar-se-á com uma abordagem à sua situação escolar e perspectivas educativas, contemplando a perspectiva evolutiva dos dados bem como a sua variação consoante o género e a proveniência regional.

Gráfico nº 1: Evolução da situação escolar

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.


No que respeita à evolução da situação escolar dos jovens portugueses (Gráfico nº 1), podemos salientar o aumento geral de jovens com escolaridade mais avançada, na ordem dos 5.1% no ensino secundário (12º ano) e dos 7% no ensino superior. Porém, apesar da diminuição percentual de jovens cuja situação educativa é inferior ao grau escolar considerado obrigatório (9º ano) na ordem dos 8% de 2005 a 2010, o seu valor percentual é ainda expressivo (7.9%).

Se efectivarmos uma comparação por género sobre a situação escolar dos jovens no último período de recolha de dados (Gráfico nº 2), podemos inferir o carácter mais escolarizado dos elementos do sexo feminino. As jovens portuguesas apresentam valores percentuais que nos indicam a finalização do ensino secundário por cerca de 6% mais raparigas que rapazes, sendo que a frequência do ensino superior é também cerca de 5% mais elevada nos elementos do sexo feminino. Sendo a frequência dos primeiros dois anos do ensino secundário semelhante para os dois grupos, o carácter menos escolarizado dos jovens rapazes espelha-se nos valores mais altos que são apresentados em situação inferior (mais 3.4% que as jovens) ou igual à escolaridade mínima obrigatória (mais 7.6%). Devemos, porém, ressalvar que, dado o diferencial de representatividade dos grupos masculino e feminino, os presentes dados são indicativos de potenciais divergências, as quais deverão ser corroboradas aquando da obtenção de índices de resposta similares, que permitam uma caracterização mais efectiva dos grupos em apreço.

 

Gráfico nº 2: Comparação por género da situação escolar, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

Um outro aspecto de necessária atenção face à situação escolar dos jovens portugueses diz respeito à variação dos perfis de qualificação consoante a proveniência regional dos jovens (Gráfico nº 3). Conforme tem vindo a ser observado nas sucessivas edições de recolha de dados, duas regiões podem ser identificadas por indicarem os valores mais preocupantes, essencialmente no que respeita a situações de escolaridade reduzida (3º Ciclo do Ensino Básico ou inferior, entre 11% e 17% superior à média nacional) e diminuto enquadramento nas estruturas de ensino superior (percentagem 50% inferior à média nacional), respeitantes à Região Autónoma da Madeira e à Região Autónoma dos Açores. Às realidades insulares devemos ainda acrescentar a região Norte, única região continental em que os valores percentuais de jovens com escolaridade reduzida são superiores à média, sendo a frequência do ensino secundário e do ensino superior ligeiramente inferior à tendência nacional. Esta região é, na realidade, uma das que apresenta um perfil mais distinto, onde se torna necessário afunilar a observação para dados distritais. Em 2008/2009, o distrito do Porto apresentava um conjunto de características que o distinguiam das restantes áreas urbanas de distritos litorais: era um dos distritos continentais com maior percentagem de jovens com escolaridade inferior ao 9º ano (13.3%), após Bragança (13.5%) e seguido de Portalegre (13.2%), sendo que estes dois últimos representavam os casos extremos de uma tendência menos favorável dos distritos de interior. Porém, o distrito do Porto apresentava um valor percentual de jovens a frequentar o ensino superior ligeiramente superior à média dos distritos portugueses (22% face a 20.7%). Ainda na região Norte, o distrito de Viana do Castelo tem apresentado valores cada vez mais semelhantes à realidade de Lisboa e Coimbra (contextos mais escolarizados à escala nacional), em detrimento dos distritos de interior. 

Gráfico nº 3: Variação regional da situação escolar, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

A abordagem às aspirações educativas, enquanto níveis escolares e formativos que os jovens portugueses pretendem alcançar, permite percepcionar a sua visão sobre quais os contextos mais promissores para a sua inserção na estrutura funcional. Se enquadrarmos as aspirações educativas na sua perspectiva evolutiva (Gráfico nº 4), podemos observar a supremacia do ensino superior como meta formativa para os jovens portugueses, apresentando no último ano um valor superior a 50%, subindo quase 15% desde 2004.

Gráfico nº 4: Evolução das aspirações educativas [1]

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

É de salientar que, na actualidade, os jovens apresentam as aspirações escolares mais qualificadas desde o início da recolha de dados, sendo que os valores percentuais respeitantes ao ensino superior e ao ensino secundário se configuram como os mais altos de sempre. Ao longo deste intervalo de tempo, foi possível observar uma flutuação pouco significativa do valor percentual de jovens que pretendem concluir o ensino secundário, entre os 30% e os 34%. De destacar, por fim, o decréscimo paralelo dos valores que concernem aos jovens que pretender alcançar a escolaridade mínima obrigatória e aos jovens que não pretendem continuar a estudar.

Procedendo à comparação por género sobre as aspirações educativas dos jovens no último período de recolha de dados (Gráfico nº 5), a informação vem corroborar a tendência identificada ao nível da situação escolar. As jovens portuguesas, sendo mais escolarizadas que os jovens rapazes, apresentam também um perfil de aspirações educativas mais qualificado, o que se espelha, ao nível da conclusão do ensino superior, num diferencial de quase 15% face aos seus pares. No entanto, é importante referir que o valor respeitante à aspiração dos jovens do sexo masculino pelo ensino superior já supera os 50%. Estes jovens revelam ainda uma forte propensão à obtenção do ensino secundário (34.6%, numa diferença de quase 8% face aos elementos do sexo feminino). Mantendo a tendência mais escolarizada das raparigas, é de ressalvar que o valor global de jovens que pretendem alcançar o patamar mínimo da escolaridade obrigatória oscila entre os 3% e os 6%, sendo superado pelo valor apontado por jovens que pretendem abandonar os estudos, ente os 5% e os 9%.

Gráfico nº 5: Comparação por género das aspirações educativas, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

Gráfico nº 6: Variação regional das aspirações educativas, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

A variação regional das aspirações educativas (Gráfico nº 6) está em consonância com o postulado face à situação escolar dos jovens portugueses. As regiões insulares e a região Norte continental voltam a destacar-se por dinâmicas mais afastadas ao prosseguimento escolar, sendo que nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira tal tendência também se faz acompanhar de uma menor predisposição à frequência do ensino superior e de uma antagónica propensão à perspectiva da escolaridade mínima obrigatória. Numa facção oposta encontramos a região que congloba a capital, Lisboa, onde mais de 90% dos jovens almejam completar o ensino secundário ou o ensino superior, cabendo ao último mais de 60% das intenções de prossecução de estudos.

2. Situação profissional

A abordagem à situação profissional dos jovens portugueses contemplará a identificação da evolução das situações profissionais e escolares predominantes, através do reconhecimento proporcional de jovens estudantes, trabalhadores-estudantes, empregados e desempregados, bem como a sua variação por género e região de proveniência. Procurar-se-á, ainda, caracterizar os tipos de emprego destes jovens.

Gráfico nº 7: Evolução da situação profissional e escolar

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

A primeira observação de necessária reflexão, quando se observam os dados respeitantes à evolução da situação profissional e escolar dos jovens portugueses (Gráfico nº 7), respeita à clara maioria de jovens em situação estritamente estudantil (69.1% em 2010). A percentagem destes jovens tem vindo a aumentar desde 2005, sendo possível registar um incremento de 11.5% de 2005 a 2010. A percentagem de jovens que trabalham e estudam simultaneamente, bem como a percentagem de jovens desempregados, são as mais estáveis, sendo apenas de referir que em 2009/2010 os jovens desempregados aumentaram um ponto percentual, alcançando os 8.1%. Por sua vez, a percentagem de jovens empregados desceu 11.9% desde 2005/2006. É de destacar que as evoluções mencionadas têm sido particularmente notórias desde 2006/2007. Resumidamente, denota-se o aumento da prevalência de jovens que pretendem estender os seus percursos académicos em detrimento de procurarem uma captação laboral precoce, tanto em parcial como em total actividade profissional.

A comparação por género sobre a situação profissional e escolar dos jovens (Gráfico nº 8) vem, novamente, reforçar o padrão de maior escolarização dos elementos do sexo feminino, tanto em situação isolada de estudo (72.3% face a 68.8%) como em situação conjugada de estudo e ocupação laboral (10.3% face a 8.4%), cabendo aos seus pares a prevalência da percepção laboral em situação de emprego (14.6% em relação a 10.3% dos elementos do sexo feminino) ou desemprego (8.2% face a 7%). Uma observação à variação regional da situação profissional e escolar dos jovens (Gráfico nº 9) vem reforçar a identificação das regiões de menor integração escolar – Madeira, Açores e Norte continental –, ao que se deve acrescentar, particularmente no caso dos Açores e do Norte continental, a existência de perto de 20% de jovens integrados em estruturas laborais, o que representa um valor quase duplicado se comparado às restantes regiões portuguesas.

Gráfico nº 8: Comparação por género da situação profissional e escolar, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

Gráfico nº 9: Variação regional da situação profissional e escolar, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

É necessário ressalvar que, neste caso, a agregação dos distritos em regiões que os suplantam não permite observar algumas características importantes da situação profissional dos jovens. Tendo por base os dados recolhidos em 2008/2009, só na região Norte, a população jovem empregada variava entre 1.2% no distrito de Bragança, 15% no distrito de Braga e 23.1% no distrito do Porto. Nestes mesmos distritos, a população jovem desempregada variava entre 1.5%, 11% e 19.5%. Na região Centro, a população empregada variava entre 1.4% na Guarda e 10.1% em Aveiro, sendo que a população desempregada variava entre 1.7% e 9% nos mesmos distritos referenciados. Por sua vez, o distrito de Lisboa abarcava 9.8% de jovens empregados e 13.3% de jovens desempregados.

Tendo em vista a caracterização do emprego dos jovens portugueses, e referenciando os dados colectados em 2008/2009, foi possível observar que 20.2% dos jovens nunca tiveram um emprego, 44.1% teve um emprego, 23.3% teve dois empregos e 12.4% já teve três empregos [2]. Dos jovens inseridos em estruturas laborais, 68.7% dos jovens trabalhava por conta de outrem, 6% trabalhava por conta própria e 9.5% manifestava a sua ocupação em negócio familiar [3]. Os sectores implicados na ocupação dos jovens portugueses são a agricultura ou pescas (4.7%), os serviços e vendas (16.9%), as artes (2%) e a indústria (18.1% refere ser operário), sendo que 3.7% dos jovens referiam ser trabalhadores administrativos, 2.9% quadros técnicos intermédios da administração pública ou da empresa, 15% trabalhadores semi-qualificados e 1.8% empresários [4].

3. Atitudes políticas e modalidades de participação social

O presente contributo à caracterização dos jovens, no que concerne às suas atitudes políticas e modalidades de participação social, contemplará dimensões tais como a intenção de voto, a avaliação do funcionamento da democracia, a participação em actividades cívicas, a importância atribuída e a colaboração efectiva em partidos políticos e associações ou organizações voluntárias. Será igualmente abordada a variação regional e por género das dimensões supracitadas.

Gráfico nº 10: Comparação por género da intenção de voto nas eleições subsequentes, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

No que respeita à intenção de voto nas eleições subsequentes (Gráfico nº 10), sobressai a tendência geral (entre os 68% e os 76.7%) no sentido do voto, particularmente notória nos elementos do sexo feminino, a partir da diferença de quase 10% face aos seus pares. Sendo a intenção de votar em branco bastante semelhante, são os elementos do sexo masculino que protagonizam a intenção de não votar e a indecisão sobre o voto ou a abstenção, sendo que a última é superior à soma das restantes duas (indecisão entre 13.8% e 19%, face a 3.5% e 6.5% na intenção de abstenção e a 6% e 6.5% na intenção de voto em branco).

Gráfico nº 11: Variação regional da intenção de voto nas eleições subsequentes, 2009/2010


Fonte
: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

Os dados respeitantes à variação regional da intenção de voto (Gráfico nº 11) denotam um conjunto de divergências importantes no que concerne às atitudes políticas dos jovens portugueses. Por um lado, encontramos nas regiões insulares e no Algarve uma certa evidência de distanciação, patente não só nos menores valores percentuais atribuídos à intenção de voto, como também nos elevados índices de indecisão face ao voto ou à abstenção. No caso dos Açores, é também de referir a percentagem de jovens que advoga a abstenção (12.4%), valor que representa quase o dobro das restantes tendências regionais. As regiões do Norte e do Centro apresentam valores bastante semelhantes, próximos também à tendência apresentada na região alentejana (a qual, porém, denota uma maior percentagem de jovens que intentam a abstenção). Lisboa apresenta uma realidade singular: a região mais escolarizada e qualificada apresenta um valor mediano no que respeita à intenção de voto (66.1%), ao que acresce a intenção abstencionista (7%) e, demarcada das outras regiões, a intenção de votar em branco (8.7%, face ao restante intervalo de variação entre 5% e 7.3%).

Prosseguindo para a avaliação do funcionamento da democracia (Gráfico nº 12), há que destacar, em primeiro plano, o carácter consonante por género sobre a avaliação do funcionamento da democracia portuguesa num patamar médio (4 valores numa escala de 1 a 7). Se atendermos à variação regional desta avaliação (Gráfico nº 13), apesar de se tratar de um intervalo de variação reduzido, podemos verificar que a avaliação mais elevada é protagonizada pelas regiões dos Açores (4.24), Madeira (4.14) e Norte (4.12). Os valores mais baixos respeitam ao Algarve (3.86) e a Lisboa (3.89), regiões previamente identificadas pela menor tendência na direcção do voto e pelo reforço do voto em branco.

Gráfico nº 12: Comparação por género da avaliação do funcionamento da democracia, 2009/2010 [5]

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

 

Gráfico nº 13: Variação regional da avaliação do funcionamento da democracia, 2009/2010 [6]


Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

No que respeita à participação em actividades cívicas (Gráfico nº 14), os jovens portugueses destacam o acto de votar nas eleições e a participação em associações ou organizações voluntárias enquanto as duas dimensões da sua maior implicação social, ainda que com preponderante presença feminina. Seguem-se a participação em manifestações e a procura de chamar a atenção dos meios de comunicação social, sendo atribuída uma importância tangente a valores negativos no que toca a contactar elementos da vida política ou colaborar em partidos políticos. Mais especificamente, se atendermos à variação regional da importância atribuída à colaboração com partidos políticos e com associações ou organizações voluntárias (Gráfico nº 15), podemos verificar não só a discrepância constante em detrimento da participação em partidos políticos, como também a sua apreciação menos favorável nas regiões do Algarve (3.58) e de Lisboa (3.67). Apesar de se tratar de valores pouco divergentes, as regiões do Norte e do Centro, seguidas pelo Alentejo e pela Madeira, são as que mais valorizam a dimensão associativista.

Gráfico nº 14: Comparação por género da participação em actividades cívicas, 2009/2010 [7]

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

Gráfico nº 15: Variação regional da importância atribuída à colaboração com partidos políticos e com associações ou organizações voluntárias, 2009/2010 [8]

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

 

Gráfico nº 16: Variação regional da colaboração efectiva com partidos políticos, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

É possível identificar uma correspondência entre a avaliação num patamar médio (por vezes próximo à avaliação negativa) dos jovens face à participação em determinadas actividades cívicas e o seu envolvimento efectivo nessas actividades. No caso da colaboração efectiva em partidos políticos, apenas entre 4.6% (Algarve) e 7.4% (Madeira) dos jovens portugueses se manifesta disponível. A disponibilidade dos jovens aumenta no caso da colaboração efectiva com associações e organizações voluntárias (Gráfico nº 17), particularmente através da participação em associações desportivas. Ao nível da variação regional da colaboração em dinâmicas associativistas, as regiões que conglobam os jovens mais participativos são os Açores (onde se verifica o índice mais alto de participação em associações paroquiais ou religiosas, desportivas e culturais ou de lazer) e as regiões continentais do Norte, Centro e Alentejo (as duas últimas de perfil semelhante, destacando-se o valor percentual de jovens que colaboram em associações juvenis ou estudantis).

Gráfico nº 17: Variação regional da colaboração efectiva com associações ou organizações voluntárias, 2009/2010

Fonte: Base de dados do Dia da Defesa Nacional, DGPRM-MDN e CesNova/FCSH-UNL.

Linhas conclusivas sobre os perfis evidenciados pelos jovens portugueses

Na procura de sintetizar os traços conducentes à caracterização dos jovens portugueses, importa primeiramente atender ao carácter prioritário atribuído à qualificação educativa. É no âmbito de uma tendencial escolarização prolongada, patente através da evolução crescente da frequência escolar e da aspiração a níveis educativos mais qualificados, que encontramos uma primeira associação a diferentes perfis evidenciados pelos jovens. A tendência escolar revela-se prioritária para os elementos do sexo feminino e para a generalidade dos jovens de regiões mais litorais, com particular incidência na região que congloba a capital, Lisboa. À orientação escolar prolongada contrapõe-se a integração laboral precoce, mais incidente nas regiões insulares e nas regiões mais caracterizadas pela sua localização interior e/ou periférica. O caso da região Norte continental é particularmente complexo por abarcar realidades bastante distintas ao nível dos distritos que a compõem, ora caracterizados por elevados índices de integração escolar, ora evidenciando uma procura laboral precoce.

É possível verificar que os jovens oriundos da região de maior qualificação académica – Lisboa – são os que se demonstram menos disponíveis à participação em dinâmicas associativistas, apresentando, em paralelo com a região do Algarve, os valores mais baixos no que concerne à importância atribuída e à colaboração efectiva com partidos políticos, à avaliação do funcionamento da democracia e, em contexto continental, à intenção de voto. Os contextos insulares, apesar de uma maior distanciação e dúvida face à participação em situações de voto, reúnem os jovens que atribuem valores mais positivos ao funcionamento democrático em Portugal, à colaboração com partidos políticos e, no caso açoriano, também com dinâmicas associativistas. No que respeita a divergências de género no âmbito de atitudes políticas e modalidades de participação social, é verificável uma atitude mais comprometida, enquanto participativa, dos elementos do sexo feminino. As jovens portuguesas são protagonistas no que toca a intenção de voto e participação em actividades cívicas, não apenas no âmbito de actos eleitorais, como também através da participação em associações ou organizações voluntárias, em manifestações e, numa modalidade menos divergente face aos seus pares, em partidos políticos.

É-nos possível observar que o investimento na educação, aspecto preponderante da vida dos jovens portugueses, denota aspectos de uma directa e oposta correspondência à procura de emprego e à participação em dinâmicas sociais de maior ou menor pendor interventivo. Neste enquadramento, é congruente considerar que um cenário de maior investimento educativo e menor investimento laboral, ao adiar a autonomia do jovem, o transporta para uma situação de dependência familiar que pode simultaneamente conduzir a uma certa desresponsabilização política e social. Porém, é necessário atender ao facto de que “o prolongamento da escolaridade fez deslocar a idade média de entrada na vida activa, contribuindo, do mesmo passo, para a constituição da juventude enquanto categoria de recorte social e etário específico, o que é também um dos traços singulares das sociedades industrializadas” (Almeida, 1994: 118).

A evolução positiva da escolaridade dos jovens está relacionada com os processos de massificação escolar associados às políticas educativas dos últimos 30 anos (alargamento da escolaridade obrigatória, da rede escolar e incremento da oferta de educação pré-escolar), mas está também associada ao valor que as famílias continuam a atribuir às qualificações enquanto recurso para processos (ou intenções) de mobilidade social. A educação tem um forte valor simbólico e integra por isso as estratégias de valorização social das famílias, sejam estas de ascensão ou de legitimação de posições. Não obstante, é importante considerar, no campo das mudanças observáveis na estrutura das sociedades modernas, que o crescimento da formação escolar terá – e já manifesta – implicações na realização profissional. Na actualidade, a escolarização tem-se revelado uma condição necessária mas insuficiente; da procura optimista de educação, outrora encarada como a hipótese de “concretização de um diploma escolar como um meio efectivo para a obtenção de um emprego e a realização de uma trajectória social ascendente” (Santos Silva, 2002: 110), passamos progressivamente a uma procura desencantada de educação (Grácio in Santos Silva, 2002). Por outras palavras, a dedicação de tempo a um projecto de qualificação por via educativa, observável nos jovens portugueses, encontra cada vez menos resposta consequente no mercado de trabalho, adiando o problema da procura de emprego para fases posteriores da juventude.

A diferença de género em termos de investimento e de sucesso educativo favorável às jovens é um traço característico da sociedade portuguesa nos últimos anos. Há de facto uma maior capacidade de adaptação dos elementos do sexo feminino às normas e códigos escolares, mas não pode deixar de ser equacionada a possibilidade de o valor simbólico das qualificações poder ser maior para as raparigas e respectivas famílias, que aspiram à sua mobilidade social ascendente. As significativas desigualdades de género que se verificam em matéria de acesso a lugares de “poder”, tanto nas organizações políticas como nas empresas, podem levar as jovens portuguesas a apostar de forma mais vincada nas qualificações.

É também necessário reflectir sobre as desigualdades sociais que circunscrevem a actividade educativa, sendo de destacar a variação regional da situação escolar, a qual reflecte importantes assimetrias de desenvolvimento sócio-económico que caracterizam o país. Criar condições de igualdade de acesso à escolaridade não significa garantir condições de igualdade de sucesso na apropriação da sua lógica organizativa. O capital económico, cultural e social das famílias condiciona, sem que determine, os resultados escolares; porém, como estes capitais estão assimetricamente distribuídos, a situação escolar dos jovens reflecte essa assimetria. Este cenário é comum ao de outros países desenvolvidos, podendo considerar-se que a instituição escolar contribui para a reprodução e até o reforço de vários tipos de desigualdade social, actuando “de forma socialmente selectiva pelo menos em três pontos fundamentais: no sucesso escolar, nas taxas e tempos de abandono do sistema de ensino e no acesso às instituições universitárias” (Almeida, 1994: 122).

No entanto, destaca-se o facto de, apesar das diferenças em termos de situação escolar (numa população homogénea em termos de idade), as aspirações escolares serem geralmente elevadas. Com maior ou menor grau de dificuldade, os jovens pretendem a obtenção de um curso superior, facto que também está associado à desvalorização crescente da formação profissional de natureza mais técnica, que tem vindo a ser encarada como percurso menor e uma alternativa para quem não consegue condições de sucesso para atingir o ensino superior. Numa posição oposta, há ainda uma franja significativa de população que, apesar da escolaridade ser obrigatória até à conclusão do 9º ano, abandona o sistema de ensino sem a completar. Tal facto relaciona-se com o insucesso escolar associado às condições desfavoráveis previamente reflectidas, surgindo a estrutura local do mercado de trabalho (pouco exigente em matéria escolar) como alternativa.

Ao nível das atitudes dos jovens face à participação política e social, é relevante a intenção generalizada de participação em actos eleitorais, o que vem contrariar as teses de alheamento cívico e político com que se tem vindo a caracterizar a juventude portuguesa. No entanto, a associação entre escolaridade e intenção de votar parece seguir um padrão de influência de sentido negativo, pois na região em que a escolaridade é mais alta (Lisboa) a intenção de voto é mais baixa, bem como nas regiões mais periféricas do ponto de vista funcional (Algarve) ou de localização não continental (Madeira e Açores), sugerindo por isso uma maior distância dos jovens às dinâmicas de representação política.

Há de facto uma apreciação geral pouco positiva sobre o funcionamento da democracia, o que pode relacionar-se com a valorização que é feita relativamente ao desempenho das instituições em que assenta. Este processo enquadra-se no que tem sido observado nas sociedades modernas em que se assiste, se não à “falência” das grandes instituições que suportam os Estados, estaremos perante um cenário de forte reconfiguração das suas funções. Para além disso, há uma postura mais avaliativa das populações que exigem a prestação de contas por parte das instituições e dos servidores do Estado. Ou seja, as pessoas avaliam a relação que o Estado (através das suas instituições) tem com elas, sendo que o resultado não é positivo.

Denota-se um valor considerável de participação da população em associações de natureza social, cultural e desportiva, mas um forte afastamento das dinâmicas com carácter mais político. Esta situação aponta para uma clara divisão entre participação cívica e participação política (ao contrário da sua proximidade conceptual), em desfavor desta última no caso dos jovens portugueses. As representações sobre os partidos e sobre os elementos da esfera política levam a que estes jovens adoptem estratégias de afastamento em termos de participação, sem que descurem a possibilidade de os avaliar em actos eleitorais. 

 

Referências [9]

ALMEIDA, J.F. (Coord.) (1994) Introdução à Sociologia, Lisboa: Universidade Aberta.

BAPTISTA, L.V., RESENDE, J.M. (Coord. Cient.); COELHO, A.R., LOPES, A.S., CARDOSO, A.I. (Coord. Exec.); Mendonça, A.C., Vieira, I. & Rodrigues, J. (2010) “Jovens e Forças Armadas. Estudo no âmbito do Dia da Defesa Nacional 2008/09. Um olhar de perspectiva”, Relatório policopiado da Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar – Ministério da Defesa Nacional & CesNova.

SANTOS SILVA, A. (2002) Dinâmicas sociais do nosso tempo, Porto: Editora U.P.

[1] A partir de 2006, a opção “cursos profissionais” deixou de figurar neste ponto do questionário.

[2] N = 14 631.

[3] N = 10 798.

[4] N = 15 830.

[5] Escala intervalar de 1 a 7, correspondendo 1 a “Má avaliação” e 7 a “Muito boa avaliação”.

[6] Idem.

[7] Escala intervalar de 1 a 7, correspondendo 1 a “Nenhuma participação” e 7 a “Forte participação”.

[8] Escala intervalar de 1 a 7, correspondendo 1 a “Nenhuma importância” e 7 a “Muita importância”.

[9] Para além do relatório contemplado, foram exportados dados da Base de Dados complementada anualmente com a informação recolhida em cada edição do Dia da Defesa Nacional, através do projecto de estudo previamente referenciado, resultante da colaboração entre o Ministério da Defesa Nacional/Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa/CesNova.

Autores: Inês Vieira e António Cardoso