Nº 11 - agosto 2016
Filipe Teixeira Portela, Doutorando no programa doutoral de Relações Interculturais na Universidade Aberta, Departamento de Ciências Sociais e de Gestão, Lisboa, Portugal
Resumo: Propomos uma reflexão sobre as redes sociais digitais e as formas de participação e mobilização cidadã. O tema relaciona-se com as tecnologias, as redes sociais e sua relação com as formas de mobilização, alguns problemas relacionados com a liberdade, a privacidade e o controlo nas redes sociais, entre outros assuntos conexos. O nosso principal argumento é que as redes sociais digitais possibilitam novas formas de mobilização e participação cívicas aos cidadãos.
Palavras-chave: Redes sociais; mobilização; intervenção cívica.
Teaching and Training in Distance Learning: an Exploratory Study on Opinions of Higher Education Students.
Abstract: We propose a reflection about digital social networks and the forms of citizen participation and citizen mobilization. The subject relates to the technologies, social networks and its relation to the forms of mobilization, some problems related to freedom, privacy and control in social networks, and other related matters. Our main argument is that digital social networks make possible new forms of mobilization and civic participation to citizens.
Keywords: Social networks; mobilization; civic intervention.
Este artigo pretende dar um contributo para a compreensão das redes sociais digitais e a mobilização e participação cívicas dos cidadãos. As nossas reflexões constroem-se em torno de questões relacionadas com as tecnologias, as redes sociais, as novas formas de mobilização e intervenção cívicas dos cidadãos, algumas questões éticas, e problemas relacionados com a privacidade, liberdade e controlo, entre outros assuntos.
O nosso principal argumento é que as redes sociais digitais possibilitam novas formas de mobilização e participação cívicas aos cidadãos.
Tomamos como estratégia fazer uma pesquisa avançada sobre o tema, realizar uma leitura exploratória dos resultados da pesquisa e construir uma sondagem geral das reflexões de vários autores sobre os problemas que nos parecem pertinentes. Construímos as nossas reflexões críticas a partir daqueles e apresentamos as nossas conclusões.
Consideramos que as tecnologias, incluindo as plataformas das redes sociais digitais, são mais uma de várias ferramentas ao dispor dos cidadãos, não são nem boas nem más, nem progressivas nem regressivas, nem revolucionárias nem reacionárias, nem certas nem erradas. Elas estão em grande parte dependentes do contexto em que se inserem, e da utilização que lhes é atribuída. Nas suas análises Carty (2015) e Castells (2014), têm em consideração posição semelhante. Marichal, por exemplo relativamente ao Facebook, afirma que “[…] pode ajudar na mobilização, mas não necessariamente no desenvolvimento de melhores cidadãos” (Marichal, 2012, p. 10).
Acresce que também não perspetivamos as redes sociais como uma panaceia, não são um “remédio para todos os males” quando as relacionamos com as ideias de mobilização e intervenção cívicas. Num sentido mais instrumental, não são o principal ou único recurso, embora possibilitem condições particularmente relevantes para a mobilização e participação dos cidadãos. Apesar disso, existem muitos outros fatores ou condicionalismos, que podem ou não possuir características instrumentais, que exercem uma relevante influência nestes movimentos. Por exemplo, Nunes afirma nas conclusões duma investigação transnacional sobre desigualdades e ação coletiva na Europa que os processos de mobilização e intervenção estão imbuídos numa relação de grande complexidade “[…] a ação coletiva é diretamente influenciada por um quadro social multidimensional de desigualdades sociais que marcam presença decisiva nas sociedades atuais” (Nunes, 2013, p. 159). Identifica algumas dessas desigualdades condicionadoras da ação coletiva como a globalização económica, a divisão do trabalho, os recursos económicos, sociais e simbólicos, a desigualdade de género e classe, as relações de poder, as questões identitárias, o conhecimento, as qualificações e a literacia tecnológica, entre outras. As tecnologias, e em particular as redes sociais, são apenas mais um entre vários elementos que de algum modo afetam as mobilizações e participações cívicas contemporâneas.
O que nos é transmitido pela internet e dispositivos digitais aumenta a visibilidade e os nossos conhecimentos sobre a realidade planetária, evidenciando-se uma grande diversidade cultural, social e política. As últimas décadas proporcionaram condições que alteraram as nossas conceções sobre o mundo, os nossos valores e a relação com os outros. Esta realidade não se aplica a todos de igual modo e é muito complexa e dinâmica. Se restam poucas dúvidas que a utilização das novas tecnologias facilitam de vários modos e formas a diversidade cultural, criando para muitos novas oportunidades de se estabelecerem diálogos, também se verifica em certas circunstâncias o oposto, pois as assimetrias no acesso e utilização das tecnologias são igualmente coexistentes na atualidade, acarretando condicionalismos.
As redes sociais em particular ajudam-nos a aumentar o conhecimento sobre essa diversidade. Porém, elas próprias são afetadas pelos contextos culturais, políticos e económicas em que se inserem. A comunicação mediada pelas redes sociais é complexa e possui muitas formas de interação. Pode realizar-se de forma síncrona ou assíncrona e pode, simultaneamente ou de forma isolada, possibilitar o intercâmbio de vídeo, texto, imagens ou áudio. Pode ainda ser de um indivíduo para outro, de um para muitos ou, inversamente, de muitos para apenas um indivíduo. Acrescem ainda outras características, que abordaremos adiante, que nos permitem afirmar que as redes sociais são uma das causas cujo efeito se pode conceptualizar numa ideia de mudança na ação coletiva contemporânea, passam a existir outros modos de as pessoas se conectarem entre si, que é extremamente relevante na coordenação das ações coletivas. Não obstante, o significado desta mudança não dá forma a uma rotura sem resíduos do passado, sem descontinuidades, existem coexistências passadas nas mudanças do presente. Refere Arditi que esta mudança não se caracteriza por uma rotura do tipo jacobina-leninista:
“A referência habitual é a visão jacobina da mudança entendida como uma rotura que faz tábua rasa com o passado para reconfigurar o mundo. Mas as roturas não são limpas, de modo que o novo nunca resulta ser absolutamente inovador.
[…] O nosso atual devir-outro refere-se àquilo em que nos estamos a converter, que se perfila como o surgimento gradual de um cenário pós-liberal. Não digo que a representação partidária está ausente deste cenário. Não está: as pessoas continuam a ir às urnas. Mas sim porque coexiste com outras formas de ação coletiva entre as quais encontramos a comunicação e a conetividade viral ou distribuída.” (Arditi, 2015, pp. 4-5).
As nossas reflexões têm como ponto de partida estas três ideias: as redes sociais têm sobretudo um caracter instrumental, não são um fim em si mesmas; não são uma panaceia, não são solução para resolver todos os problemas associados às mobilizações e intervenções cívicas; e a ideia de mudança que se associa aquelas não tem um caracter radicalmente fraturante, mas sim protelada ao longo do tempo.
“Novas” redes sociais digitais?
A ideia de rede social não é algo que tenha surgido a meados da primeira década do século XXI como uma realidade completamente nova. Em 1968 Licklider e Taylor escrevem um ensaio naquela época inovador, em que perspetivam a forte possibilidade de no futuro poderem existir comunidades online interativas, cujos membros se encontrariam no espaço do ciberespaço, mas em espaços geográficos muito diversos e distantes. Antecipavam comunidades cujos participantes construíam as suas uniões não pelas localizações físicas comuns, mas por interesses comuns.
Ainda antes da criação da World Wide Web (WWW), um serviço que permite o envio de mensagens a grupos organizados por temas específicos, nascia em 1979, e ainda hoje é utilizada, a Usenet (Unix User Network). Os utilizadores colocam mensagens ou artigos que são agrupados em fóruns por assuntos, que podem ser consultados por outros utilizadores.
Em 1985 é lançada uma das comunidades virtuais mais antigas, que em 2012 ainda possuía mais de 2 milhões de utilizadores, The Whole Earth ‘Lectronic Link mais conhecido por WELL. Um dos usuários, Howard Rheingold, em 1987 escreveu um ensaio sobre esta plataforma, referindo-se à ideia de que os seus utilizadores criavam uma comunidade virtual.
Não obstante, alguns autores atribuem a Howard Rheingold apenas nos inícios de 1990 a criação do termo comunidades virtuais (também designadas por cibercomunidades) para caracterizar grupos virtuais em que se desenvolvem contatos bi e multidireccionados cujos contornos geográficos podem ser planetários e em que se estabelecem alguns tipos de relações sociais digitais. Normalmente constituem-se por um grupo de pessoas que são ao mesmo tempo os membros e os utilizadores da própria comunidade, e partilham interesses e/ou objetivos específicos comuns. Muitas delas caracterizam-se pela criação de uma rede social aberta, o que significa que normalmente são os seus membros que concebem e alteram as regras gerais de funcionamento da comunidade, a organização interna é pautada por relações horizontais entre os membros.
Mais tarde Rheingold, baseando-se na ideia de que nos inícios de 2000 se aproximava uma “revolução social” que iria transformar as culturas, a comunicação e as comunidades online, propõe o termo smart mobs para definir um novo tipo de mobilizações:
“…smart mobs consiste num grupo de pessoas que são capazes de agir em conjunto, mesmo não se conhecendo. As pessoas que compõem as smart mobs cooperam de uma forma nunca antes vista, porque carregam dispositivos que possuem recursos de computação e comunicação. (…) Estes dispositivos ajudam as pessoas a coordenar ações com outras pessoas à volta do mundo – e muitas vezes, ainda mais importante, com pessoas próximas. Os grupos de pessoas que utilizarem estas ferramentas ganham novas formas de poder social, novas formas de organizar as suas trocas e interações.” (Rheingold, 2003, pp. xii-xiii).
Este académico considerava nos inícios de 2000 que a rede e os novos dispositivos tecnológicos permitiriam às pessoas a mobilização e ação conjunta em formas novas e múltiplas. É exatamente isso que nos parece que ocorre na atualidade, se observarmos o tipo de mobilização e participação política que os cidadãos podem empreender por exemplo através das redes sociais digitais.
As designadas redes socias digitais que surgem a partir do século XXI possuem uma organização interna algo diferente das comunidades virtuais dos meados de 80 e dos anos 90. A horizontalidade organizacional dessas comunidades parece-nos um pouco mais limitada se a compararmos com as anteriores comunidades virtuais. As grandes multinacionais proprietárias das plataformas, apesar de permitirem grandes liberdades aos utilizadores, com frequência definem, alteram e impõe as regras de funcionamento. Suscitam-se até algumas questões éticas quanto a este domínio e imposição que abordaremos adiante. A rede social que atualmente é mais conhecida é o Facebook, com mais de 1200 milhões de utilizadores em todo o mundo (SIC Notícias, 2014).
As redes sociais digitais podem agora ser utilizadas nas redes e dispositivos móveis, o que lhes confere características “um pouco mais avançadas” (Kirkpatrick, 2011, p. 67). Face ao que se tem testemunhado na última década, é possível perceber que os cidadãos passam a ter capacidades diferentes quando decidem organizar ações coletivas com base nas redes sociais. Estas ações por vezes desestabilizam instituições que seria importante manter, mas também com frequência desestabilizam outras que podem significar compromissos de esperança para uma vida social mais equitativa. Refere Kirkpatrick relativamente ao Facebook que:
“Sendo uma forma de comunicação fundamentalmente nova, o Facebook também produz efeitos interpessoais e sociais fundamentalmente novos. O efeito Facebook acontece quando a rede social põe as pessoas em contato umas com as outras, às vezes de forma inesperada, em torno de algo que tenham em comum: uma experiência, um interesse, um problema ou uma causa. Isso pode acontecer em pequena ou grande escala.” (Kirkpatrick, 2011, p. 13).
Embora as “novas” redes sociais digitais cuja utilização se expandiu significativamente há cerca de uma década não sejam, como conceito, algo completamente inovador. Existe desde pelo menos os anos 90 a ideia de comunidades online ou cibercomunidades, e décadas antes já se perspetivava que o futuro poderia reservar algo do género. A diferença atual da utilização das redes sociais reside sobretudo no avanço dos dispositivos tecnológicos, softwares, facilidades no acesso e no maior número de utilizadores.
Redes sociais e mobilização e participação cívicas
Da evolução tecnológica que se sente sobretudo a partir dos anos 90 do século passado resultam, na opinião de alguns estudiosos, transformações: “defendo que em torno do final do segundo milénio da nossa era se conjugaram um conjunto de importantes transformações sociais, tecnológicas, económicas e culturais que deram lugar a uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede” (Castells, 2011, p. xxxvi). Outra evolução tecnológica sequente contribuiu para enfatizar ainda mais a ideia de mudança, as comunicações móveis e as redes sem fios. Ganham maior relevância a partir de aproximadamente o ano 2000 e hoje estão presentes no nosso quotidiano. A este respeito refere o mesmo autor: “Assume-se que a comunicação móvel contribui para reforçar a autonomia dos indivíduos, permitindo-lhes criar as suas próprias conexões, contornando os meios de comunicação de massas e os canais de comunicação controlados pelas instituições e organizações” (Castells et al., 2009, pp. xv-xvi). Estas novas tecnologias possibilitam que pessoas comuns desenvolvam canais de comunicação em relações de horizontalidade não só de um para um, mas de muitos para muitos e aparentemente libertos do jugo controlador de autoridades políticas, económicas e sociais. Portanto, não é de surpreender que novos processos de mobilização e intervenção caracterizados por um elevado grau de autonomia passem a coexistir, como por exemplo os que se servem dos média digitais.
Além de as tecnologias e infraestruturas necessárias para se comunicar serem cada vez mais ubíquas, outra constatação relevante é que internet, computadores e outros dispositivos cujo crescimento de utilização se começou a sentir nos anos 90, e outras tecnologias mais recentes como por exemplo as novas redes sem fios e os novos dispositivos móveis, não se excluem mutuamente. Estas tecnologias têm demonstrado múltiplas formas de complementaridade que poucos designers ou produtores tecnológicos previam. As redes sociais digitais não são exceção a este fenómeno. A mobilização, a participação e a intervenção cívica através destas podem organizar-se num computador de secretária, num computador portátil, num tablet, num telemóvel, numa consola de jogos com ligação à internet ou até num televisor de última geração ligado à rede. Existem múltiplos dispositivos e múltiplas tecnologias para se utilizarem as redes sociais. Uma tendência de inclusão de novos dispositivos tecnológicos e novas aplicações para a utilização das redes sociais, sem que signifique a exclusão das tecnologias e aplicações anteriores. De modo que é possível afirmar que a mobilização e intervenção nas redes sociais é multi-situada quanto às tecnologias e dispositivos de utilização, ao mesmo tempo que já era multi-situada quanto às suas geografias.
As redes sociais facilitam a criação e partilha de conteúdos organizados por comunidades de interesses. Estes interesses partilhados dão muitas vezes origem a construções partilhadas, que se podem construir/realizar permanentemente, com a contribuição individual de cada um dos membros dessas comunidades ou grupos online. Normalmente trata-se de coproduções de ideias em conteúdos em que o esforço voluntarioso individual de cada um possibilita um resultado complexo. Cada indivíduo participa numa pequena parte na construção do resultado final. Em 2006 Howe utiliza o termo crowdsourcing para se referir a este tipo de coprodução. O crowdsourcing pode ser útil para coisas tão inócuas como por exemplo listas de recomendação de restaurantes, como para atividades mais complexas, como por exemplo organizar grandes eventos ou ações coletivas. A ideia de crowdsourcing conjugada com a utilização das redes sociais expande as possibilidades e efeitos das mobilizações e intervenções que um grupo de pessoas relativamente pequeno pode fazer.
Uma outra característica que decorre da sociedade em rede e das redes sociais digitais é a minimização da economia de esforço na partilha de informação, e em simultâneo o aumento da capacidade dessa partilha. Estas características reforçam as possibilidades de informação dos utilizadores das redes. Pode dizer-se que os usuários são dotados de um empoderamento que se realiza pelo aumento da via informacional. Acresce que os novos média sociais melhoram as possibilidades de os utilizadores passarem de meros recetores de informações e mensagens para um outro papel, o de criadores e distribuidores de informações e mensagens. As redes sociais digitais consentem grande liberdade aos utilizadores no que se refere ao grau de controlo, produção, distribuição e consumo de conteúdos informacionais. A distribuição da informação é imediata por toda a rede, gratuita e pode ser manuseada/alterada e retransmitida facilmente. A morfologia de distribuição tem por base as ligações estabelecidas por cada utilizador. Esta panóplia de possibilidades é relevante na mobilização e participação cívicas. Refere Carty, por exemplo, que “alteram a atmosfera política” (Carty, 2015, p. 9). Arditi, utilizando metaforicamente a ideia de “espetador-ator”, afirma que com as redes sociais deixa de ser possível delimitar quem é quem, pois todos podem exercer papeis diversos: ”[…] podemos ver o espetador como um modo de subjetivação que desestabiliza a distinção entre atores políticos e espetadores, entre os que fazem e os que pensam ou falam sobre algo. As redes sociais atualizam e radicalizam o carater indistinto das fronteiras entre observar e atuar” (Arditi, 2015, p. 17).
Muitas das novas plataformas das redes digitais incentivam os seus utilizadores à criação de redes sociais online baseadas nas suas redes offline, ou seja, nas suas redes sociais pessoais. Estas plataformas consentem que usuários criem com relativa liberdade os seus perfis. Passa-se de uma ideia de construção de comunidades virtuais de identidades anónimas, que eram as mais comuns nos anos 90 do século passado, para a utilização de redes socias cujos perfis de utilizador possuem pelo menos parte das informações verdadeiras. Esta característica das novas redes sociais tem um impacto considerável nas novas formas de mobilização e intervenção cívica. Agora, aqueles que se envolvem numa dessas atividades, ainda que seja apenas virtualmente, fazem-no com pessoas identificáveis, com informações nos seus perfis aparentemente verdadeiras, e muitos deles conhecem-se pessoalmente. A identificação de outras pessoas que partilham as mesmas causas ou possuem os mesmos problemas cria uma motivação extra, pois reconhecem-se como possuidores de pertenças comuns. Marichal considera que “a capacidade de fazer estas três coisas – criar perfis, construir a rede e fazer crescer essa rede – permite aos utilizadores organizar a Web em torno das relações offline” (Marichal, 2012, p. 3).
A crescente utilização dos média sociais tem afetado profundamente os conflitos políticos e a organização de movimentos sociais. Nos últimos anos regista-se um progressivo aumento de mobilizações e intervenções online de jovens ativistas um pouco por todo o globo que propõem “(…) uma nova visão do futuro e exigem mudanças radicais no sistema económico e político” (Carty, 2015, pp. 3-4)
Ao longo da história os movimentos sociais foram (e continuam a ser) compreendidos como alavancas que facilitam as mudanças sociais. A combinação da degradação das condições materiais da vida e uma crise de legitimidade de representação dos que governam criam condições para o envolvimento das pessoas em ações coletivas. Estas muitas vezes caracterizam-se por comportamentos de “risco” social que questionam as relações de poder e as instituições (Castells, 2014). Os movimentos recentes têm como um dos seus grandes suportes as tecnologias e a rede: “a morfologia das redes de comunicação e a tecnologia moldam o processo de mobilização, e portanto, da mudança social, tanto como processo como resultado” (idem, p. 219). Desde pelo menos 2010, alguns dos novos movimentos sociais encontram a sua importante ferramenta mobilizadora e ativa nas redes sociais digitais. Estamos perante novos modos e formas de intervenção e mobilização, em que as redes sociais digitais desempenham um papel mediador essencial.
A diferença que é possível reconhecer de um passado recente para a atualidade não são tanto os comportamentos ou as atividades em si, mas antes as formas e modos de se construírem e organizarem essas mobilizações. A sociabilidade continua a ser uma das capacidades fundamentais dos humanos, que se insere em todos os aspetos da vida quotidiana. Contudo, a apropriação das redes sociais digitais para a mobilização e intervenção significa que qualquer um tem a possibilidade de criar o seu próprio sistema de comunicação de massas de um modo muito simples e económico. A diferença reside antes nas condições e possibilidades de se realizarem as mobilizações, intervenções e participações dos cidadãos, porque as capacidades de cooperação, de partilha e de comunicação aumentaram significativamente as possibilidades da ação coletiva. Shirky, face à atualidade, refere que:
“A formação de grupos é ridiculamente fácil e por isso o desejo de fazer parte de um grupo que partilha, coopera ou age em consonância é um instinto humano básico que foi sempre reprimido pelos custos de transação. Agora que a formação de grupos passou de difícil a ridiculamente fácil, estamos a assistir a uma explosão de experiências com novos grupos e novos tipos de grupos.” (Shirky, 2010, p. 56).
Castells (2014, pp. 218-237) estudou recentemente este tipo de movimentos, concluindo que é possível identificar um conjunto de características comuns que permitem avançar com um paradigma concetual: i) estão ligados em rede de múltiplas formas (a ligação à rede é multimodal); ii) apesar destes movimentos terem o seu início normalmente nas redes sociais, transformam-se em movimentos de ocupação de espaços urbanos; iii) estes movimentos são simultaneamente globais e locais (glocal); iv) quanto à sua génese, estes movimentos são maioritariamente espontâneos; v) os movimentos tornam-se virais; vi) a transição da “indignação” para a “esperança” é acompanhada pela deliberação de um “espaço de autonomia” (the space of autonomy); vii) tanto na internet como no espaço urbano uma organização multimodal horizontal e em rede desencadeiam a ideia de união; viii) são movimentos “altamente autorreflexivos”; ix) estes movimentos sociais muito raramente são “movimentos programáticos”.
Têm surgido novos conceitos que se associam aos média sociais, que muitas vezes possuem significados muito similares, como por exemplo “e-movimentos”, “e-protestos” ou “e-ativismo”. Carty é da opinião que “a emergência dos média sociais está a mudar a natureza do ativismo e da luta política dos movimentos sociais nos Estados Unidos e por todo o mundo”(Carty, 2015, p. 5). As inovações tecnológicas, e em particular as inovações relacionadas com a informação e sua transmissão, sempre tiveram grande relevância ao longo da história como recursos de contrapoder e de luta para as mudanças sociais. Contudo, as mais recentes criações tecnológicas alteraram mais radicalmente a forma de mobilização e intervenção dos cidadãos que qualquer outra invenção tecnológica do passado (Carty, 2015).
Podemos ainda acrescentar que as redes sociais digitais alteram também as formas de revelação e denúncia de injustiças e iniquidades do mundo. O conteúdo deste tipo de mensagens e informações expande-se rapidamente para a esfera pública através das conexões em rede.
A partir de 2010 surge em Portugal um conjunto de mobilizações cujo principal “suporte” organizativo são as tecnologias e em particular as redes sociais. Um dos primeiros eventos desta nova vaga de mobilizações sociais surgiu com o grupo/manifestação “Geração à Rasca”. Posteriormente, surgem outros como por exemplo o movimento “12 de Março” e “Que Se Lixe a Troika! Queremos as Nossas Vidas!”. São movimentos cujos efeitos das mobilizações criaram considerável impacto na imprensa nacional e internacional. Acrescem ainda outros movimentos similares com dimensão menor.
Soeiro analisou este tipo de mobilizações em Portugal. Na sua opinião a realidade portuguesa não difere da realidade internacional, existe um novo ciclo de protestos mundiais que são possíveis reconhecer também em Portugal. A propagação planetária e a sua relação geográfica nos diversos territórios podem ser compreendidas em parte do seguinte modo:
“Estes acontecimentos contestatários parecem assumir um carácter fundacional, criando uma cultura e uma marca identitária próprias. Em função da comunicação em rede e da difusão da internet, eles produziram um certo sentido de «comunidade imaginada global», através do qual as experiências de diferentes países se contaminam e inspiram.” (Soeiro, 2014, p. 56).
Com a crescente utilização das redes sociais digitais os modelos formais e hierárquicos dos movimentos e intervenções mais tradicionais coexistem com novos modelos organizativos. Os líderes carismáticos associados aos movimentos tradicionais perdem relevância nestas novas formas de ativismo e intervenção. As redes sociais e as conexões que elas permitem geram uma estrutura em rede que se caracteriza pela horizontalidade e dissipação dos seus membros. Todos os aspetos relacionados com a organização e decisão destes movimentos estão normalmente distribuídos pela rede de conexões. Significa também que, em consequência desta dispersão, as autoridades têm dificuldades em exercer qualquer tipo de controlo sobre os intervenientes, sobre os modos de protestos inesperados e sobre os resultados não desejados. Acresce que esta ideia de um novo conceito, a “hierarquia horizontal” destas novas formas de mobilização que encontram nas rede sociais digitais um importante mediador, reforça uma outra ideia referida anteriormente, que qualquer cidadão se torna um potencial ativista na defesa de causas com as quais se identifica, e simultaneamente mobiliza outros na defesa ou partilha dos mesmos interesses ou causas.
Visto deste modo, os média sociais, no âmbito da participação e mobilização cívica, funcionam simultaneamente como uma ferramenta individual pela utilização que cada cidadão lhe pretende atribuir, e coletiva porque auxilia no despoletar, na organização e na conetividade dos ativistas em ambos os espaços: no espaço virtual e no espaço físico.
Por fim, assinalamos que as próprias características e funcionalidades das plataformas associadas às redes sociais possuem ferramentas que facilitam e incentivam à mobilização e intervenção dos utilizadores. O Facebook, por exemplo, com a utilização da ferramenta newsfeed, permite a constante atualização dos utilizadores que estejam ligados numa mesma rede de amigos ou conectados a um grupo que pode pertencer a um movimento social. Esta atualização não só informa os ativistas, como os faz sentir “importantes”, convidando-os a participar com as suas contribuições. Cria uma sensação de envolvimento e de pertença às mobilizações, que pode como efeito produzir ainda mais vontade de participação dos seus membros.
Problemas e questões críticas das redes sociais e a mobilização e intervenção cívicas
Propusemos um conjunto de argumentos relacionados com as redes sociais que de algum modo favorecem ou facilitam a mobilização e intervenção cívicas. Mas, como também referimos, não se trata de uma panaceia, existe igualmente um conjunto de problemas e questões que são críticos para o desenvolvimento destas ações coletivas.
Marichal sugere a ideia de que as redes sociais, como por exemplo o Facebook, propõem aos seus utilizadores uma espécie de “arquitetura da divulgação” (Marichal, 2012, pp. 33-59) pessoal contínua. Os utilizadores são encorajados a revelar mais e mais informação sobre eles próprios nas plataformas das redes sociais. Segundo o autor, trata-se mesmo de uma política associada ao próprio modelo de negócio de muitas das plataformas das redes sociais: “este ehtos da virtude da transparência radical está espelhada no modelo de negócio do Facebook. […] A revelação pessoal é uma chave da existência do Facebook. O modelo de negócio está dependente da revelação ativa deles próprios nas suas redes ” (idem, p. 7). Além das questões de privacidade e acesso às informações pessoais que esta problemática acarreta e que abordaremos, Marichal acrescenta uma outra interpretação sobre este assunto: se por um lado a “revelação” pessoal pode aumentar a conexão dos membros da rede pessoal de determinado utilizador, no reverso também aumentam a “rigidez” e as autoconstruções pessoais que não existem. Criando o problema de se tomar tudo o que essas informações revelam como reais e verdadeiras. Este radicalismo pode provocar um efeito negativo na mobilização e participação das pessoas.
Uma outra dificuldade relaciona-se com a ética. As questões éticas são elementos importantes para uma melhor compreensão das redes sociais no âmbito da participação e mobilização dos cidadãos. Trata-se de um problema geral da convivência humana e não exclusivo das redes sociais. Para a nossa análise, podemos considerar que a ética é o conjunto de princípios morais que possibilitam a coexistência social humana. Representa um conjunto abstrato de princípios morais pelos quais um indivíduo se deve orientar para qualquer procedimento da sua vida. Este conjunto de princípios não se refere necessariamente a questões de Direito: “a ética nunca substitui as leis mas permite distinguir o bem do mal. A ética orienta as ações dos indivíduos que têm a liberdade de empreender uma ação ou omissão. A ética constitui, neste sentido, uma espécie de carta de navegação para transitar pela vida” (Delarbre, 2014, p. 39). A dificuldade de definir o conceito de ética complexifica-se por se basear num outro conceito indeterminado, a moral. A este propósito, refere Brutto que “[…] a moralidade não é universal, o que é um momento moral num lugar pode ser depreciado noutro” (Brutto, 2014, p. 64).
As redes sociais são um campo privilegiado de transgressão ética. Muitos utilizadores não pautam os seus comportamentos tendo em conta o conjunto de princípios éticos essenciais, como por exemplo princípios de verdade, de transparência e de responsabilidade. O ciberespaço reúne um conjunto de condições ímpares para a propagação da mentira, para a criação e recriação da realidade, para a digitalização da informação, para a manipulação e para a virtualização da vida. Circunstâncias que podem condicionar a mobilização e intervenção dos cidadãos. Delarbre (2014, pp. 40-47) reflete sobre esta problemática e identifica quatro infrações éticas habituais na utilização das redes sociais: distorções e mentiras, identidades adulteradas, propagação de valores ofensivos/insultuosos e simplificação da realidade.
Quanto à infração que designa por distorções e mentiras, sustenta-se na ideia de que a vida quotidiana é constituída por mentiras, construímos comportamentos em que “[…] inventamos pretextos, desculpas ou gentilezas que fazem parte dos rituais de comportamento em sociedade” (idem, p. 40). As redes sociais são um campo privilegiado para se desenvolverem essas atividades, criamos as nossas próprias identidades (muitas vezes meramente virtuais e imaginadas) em que ocultamos informações e evidenciamos outras. Nestas atividades/comportamentos “falseamos circunstâncias ou realidades” que influenciam as relações virtuais e também as relações pessoais/presenciais dos indivíduos em sociedade. Delarbe afirma que:
“[…] a construção e propagação de falsidades resulta especialmente acessível devido a duas características das redes sociais. A primeira é a possibilidade de manipulação que as técnicas digitais permitem com qualquer conteúdo (imagens, vídeos, áudios, textos, entre outros). A segunda característica que facilita a disseminação de conteúdos falsos é a inerente capacidade de irradiação.” (Delarbe, 2014, p. 41).
A segunda infração ética proposta pelo autor (identidades adulteradas) relaciona-se com as condições das redes digitais, permitem que os seus utilizadores possam por um lado agir de modo anónimo e por outro têm a possibilidade de criar “identidades postiças” (idem, p. 41). Se é verdade que esta característica das redes digitais pode significar uma maior liberdade de expressão política, pois a identidade ocultada ou falseada reduz muito as questões de pressão ou acusação por delitos de opinião, no reverso esta realidade significa também a possibilidade de abusos ofensivos para os quais não é possível identificar o/os autores, novos tipos de delinquência sem rosto que ocorrem no ciberespaço e são de difícil combate.
A terceira infração ética para o autor é a propagação de valores ofensivos/insultuosos. Este problema ético relaciona-se com a possibilidade de as redes sociais digitais permitirem, de forma mais eficaz e eficiente, a propagação de ideais de intolerância e ideias fundamentalistas que não se coadunam com os princípios morais da vida em sociedade. Utilizadas com este propósito, as redes sociais atuam de forma negativa sobre valores como a diversidade, multiculturalidade e interculturalidade, sendo antes valorizados ideais anticivilizacionais.
Por fim, o autor compreende que a simplificação da realidade (quarta infração ética que associa às redes digitais) se relaciona com a ideia de que a informação mediada pelas tecnologias tende a ser parcial, a “vida” é mais extensa e muito mais complexa do que aquilo que nos é dado a apreender através daquelas:
“Os meios de comunicação, especialmente os de carácter audiovisual, tendem a oferecer versões esquemáticas dos acontecimentos, tanto por economia de espaço, como por economia dos seus formatos, como para facilitar os seus públicos na assimilação constante de informação. Nas redes sociais […] os acontecimentos tendem a ser apresentados com similar simplismo.” (idem, pp.41-42).
Estas transgressões éticas relacionadas com os média sociais digitais que mencionamos condicionam as mobilizações e intervenções cívicas, porque falseiam os elementos caracterizadores e os comportamentos dos utilizadores, estabelecendo como adquirido realidades que afinal não existem, ou sugerem realidades que negam as regras básicas da vida em sociedade.
Uma outra crítica sugerida por alguns autores é que, apesar de as redes sociais possibilitarem uma maior número de adesão de participantes aos movimentos e intervenções cívicas, nem sempre esta característica deve ser tomada como um aspeto positivo. Em certas circunstâncias acaba por ser mais prejudicial que benéfico. O argumento que apresentam é simples, a facilidade com que individualmente os cidadãos podem criar ou unir-se a um movimento é a mesma com que se podem também afastar daqueles. Portanto, esta instabilidade virtual dos movimentos cria muitas dificuldades, prejudicando a coordenação dos esforços organizativos. A consequência mais comum destas situações é a efemeridade de muitas ações coletivas, que por vezes são tão curtas que não ultrapassam alguns dias.
Um outro problema que se relaciona com a efemeridade de algumas mobilizações e intervenções remete para o conteúdo, causas ou interesses que defendem. Muitas são completamente inócuas e vazias de coerência, sendo irrelevantes para a generalidade das pessoas. Como qualquer pessoa ou um pequeno grupo de pessoas são potenciais mobilizadores, existem inúmeras tentativas de ações coletivas nas redes sociais que não têm nem aderentes nem relevância social, extinguindo-se pouco tempo após o seu início.
O número de utilizadores da internet e das tecnologias tem vindo a aumentar. Os legisladores de vários países consideraram ser necessário criar leis adequadas para os seus usuários. Contudo, existem algumas dificuldades associadas a estas criações legislativas. Na perspetiva de Brutto “o problema é que essas regras de carácter legal e ético não são tão conhecidas pelos usuários das redes virtuais. […] Ocorre que se decretam em função de interesses económicos ou outro tipo de interesses que não representam a cidadania territorial” (Brutto, 2014, p. 63).
Outro problema relaciona-se com a desigualdade no acesso e usabilidade das tecnologias e da internet. A sua utilização não se distribui nem pelo planeta, nem mesmo dentro de cada território nacional de um modo equitativo e igual. E mesmo em países ou regiões onde pareça existir equidade e igualdade de distribuição das tecnologias, acrescem ainda outros condicionalismos que não são só económicos. Existem diferenciações sociais e culturais que também limitam o acesso e utilização daquelas, como as desigualdades de género, entre outras. Acresce que a questão que se relaciona diretamente com a capacidade económica está muitas vezes ligada a princípios neoliberais de poderio económico e a leis de mercado injustas: “apropriaram-se de técnicas avançadas grandes empresas e atores privilegiados que dispõem do poder financeiro, da capacidade industrial e das redes globais da distribuição” (idem, p. 64), condicionando ou causando dependências de utilização a muitas pessoas. Todas estas situações são restrições que influenciam diretamente os utilizadores em pelo menos três níveis: a nível da privacidade, a nível do controlo e a nível da liberdade.
Trata-se de um problema geral de acesso e utilização das tecnologias, mas que contudo nos parece extremamente evidente no âmbito das redes sociais digitais. Os três níveis intersectam-se e podem ser observados simultaneamente ou de um modo isolado em situações que se relacionam, por exemplo, com a vontade de as pessoas utilizarem ou não as redes sociais, se as decisões que tomam enquanto utilizadores dessas redes é ou não condicionada, quem tem acesso às preferências, gostos ou tendências dos utilizadores, como é tratada, armazenada e usada a informação dos usuários quanto às suas questões patrimoniais, laborais, estado civil, opiniões pessoais e políticas, entre outras. São problemas que afetam diretamente a mobilização e participação política dos cidadãos, porque de algum modo aqueles podem sentir-se condicionados nas suas ações. Muitas vezes os Estados ou grandes empresas pressionam os proprietários das plataformas das redes sociais para terem acesso a algum tipo de informações pessoais de utilizadores.
O que torna ainda mais interessante a análise desta problemática da privacidade, controlo e liberdade nas redes sociais é que no seio delas próprias se discutem estes assuntos. Se sempre foi uma problemática associada à utilização da internet e das tecnologias, nas redes sociais os utilizadores questionam constantemente os proprietários das plataformas das redes sociais, os governos, as grandes multinacionais ou os utilizadores privilegiados sobre estas questões. Associado a este problema surge um outro, posições, atitudes e tentativas de dominação/imposição cultural por parte daquelas entidades privilegiadas:
“A defesa por uma cultura livre é o leitmotiv do século XXI com respeito à sociedade de informação e do conhecimento. Na Europa, na América Latina e no Caribe continuam as lutas contra o Estado e os monopólios internacionais da cultura e do entretenimento que coartam a liberdade de expressão e/ou a livre circulação entre cidadãos das ideias artísticas e intelectuais.” (Brutto, 2014, p. 66).
A partir de 2010 este leitmotiv, favorecido pela utilização das redes sociais digitais, fica reforçado com os acontecimentos da chamada primavera árabe, pela queda dos sucessivos governos gregos e pela posição da sua população, pelo surgimento do movimento os “Indignados” em Espanha, pelo movimento transnacional dos “Ocupas” ou até pelos movimentos nacionais “Geração À Rasca”, “12 de Março” e “Que se Lixe a Troika”, entre outros inúmeros movimentos que eclodiram um pouco por todo o mundo. Nestes movimentos as redes sociais digitais tornaram-se um mediador fundamental que afetou e alterou a participação e mobilização política dos cidadãos. Criticou-se severamente as grandes cadeias de informação quanto aos seus serviços noticiosos e às descrições dos acontecimentos que ocorriam nas suas ações coletivas. Por exemplo, no Brasil, em 2013, ficou bem patente uma tentativa inicial de algumas dessas entidades procurarem coartar algumas informações dos acontecimentos, numa tentativa parcial de influenciar a opinião pública (Figueiredo, 2013).
Uma nota final para uma tendência que se tem verificado recentemente, como por exemplo nas eleições de Inglaterra em Maio de 2015. Os políticos têm explorado algumas das características das redes sociais para mobilizarem os seus eleitores. Contudo, algumas das estratégias caracterizam-se pela dissimulação e manipulação dos média sociais. Procuraram alterar as perceções que as pessoas constroem a respeito de determinados candidatos. A utilização de spam (normalmente são mensagens não solicitadas com fins publicitários ou de marketing) é uma dessas estratégias. Uma outra manipulação é a criação de identidades falsas por parte dos propagandistas eleitorais, com o intuito de influenciar outras pessoas a aderir a ligações ou à rede de determinado candidato ou partido. Outra estratégia é a utilização de “Twitter bombs” (designação proposta por Metaxas e Mustafaraj) para designar o envio não solicitado de mensagens a usuários muito específicos, de modo a pressioná-los a aderirem a uma determinada causa política. Este tipo de atividades é extremamente vantajosa, é gratuita e pode alcançar vários milhares de pessoas em poucos minutos, contudo não está isenta de críticas; “infelizmente, as Twitter bombs tornaram-se uma prática cada vez mais comum” (Metaxas e Mustafaraj, 2012, p. 472), sujeitando os seus utilizadores a receber mensagens ou aderir a atividades que muitas vezes não desejariam. Uma outra utilização das redes sociais com intenções propagandistas é a associação de vídeos ou fotografias que ridicularizam candidatos opositores. Normalmente, o próprio título associado a esses vídeos e fotografias tem um sentido ridicularizante, o que faz com que o usuário tenha curiosidade em ver e partilhar esses conteúdos.
Apesar de (ainda) não ser percetível “calcular” um nexo de causalidade adequado ou uma correlação entre a utilização das redes sociais e os resultados efetivos dos atos eleitorais, a utilização daquelas é uma ferramenta que os candidatos políticos não ignoram para a mobilização e participação política do seu eleitorado, frequentemente através da manipulação.
Conclusão
Do que fomos expondo ao longo do texto, na nossa opinião, podemos concluir que as redes sociais modificam as formas e modos de participação e mobilização cívicas dos cidadãos.
As redes sociais digitais constituem-se como um meio com características simultaneamente locais e globais, que aumentam o alcance das ações coletivas, através da propagação da informação a grande velocidade, a custo reduzido e por múltiplos dispositivos. Facilita e incentiva a adesão de ativistas aos movimentos e permite uma organização descentralizada, com uma hierarquia horizontal. Possibilitam outras formas de ação em grupo, que se caracterizam por novas autonomias que já se reconhecem na atualidade, na sociedade globalizada e em rede.
Esta realidade deve ser compreendida não apenas como uma abordagem meramente tecnológica, mas sim com um sentido mais alargado, que enquadre além das tecnologias e dos movimentos sociais, também a política, a cultura, a identidade e outras questões sociológicas. Existem muitos pontos de reflexão que não se podem compreender se não tivermos esse campo de visão alargado. Por exemplo as questões éticas, os efeitos das redes sociais no fenómeno da globalização, a privacidade, o controlo e liberdade afetam a participação e mobilização política dos cidadãos, mas não são questões exclusivamente tecnológicas.
Referências bibliográficas
Arditi, Benjamin (2015), “La política distribuida de los rebeldes del presente: la acción en la era de la web 2.0”. Disponível em: http://www.consensocivico.com.ar/documento/1977-arditi-benjamin-la-politica-distribuida-de-los-rebeldes-del-presente-la-accion-en-la-era-de-la-web-20-agosto-de-2015/
Brutto, Bibiana Apolonia del (2014), “Redes sociales, culturas libres y controles”, in Leal, Luis Germán, Ética Multicultural y Sociedad en Red, Barcelona, Editorial Ariel, pp. 55–69.
Carty, Victoria (2015), Social Movements and New Technology, Boulder, Westview Press.
Castells, Manuel (2011), A era da informação: economia, sociedade e cultura. A sociedade em rede, vol. I, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
Castells, Manuel (2014), Networks of Outrage and Hope, Cambridge, Polity Press.
Castells, Manuel, et al. (2009), Comunicação móvel e sociedade. Uma perspectiva global, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
Delarbe, Raúl Trejo (2014), “Ética en las redes sociales. Dilemas y reflexiones”, in Leal, Luis Germán, Ética Multicultural y Sociedad en Red, Barcelona, Editorial Ariel, pp. 39–52.
Figueiredo, Carolina (2013), “Saímos do Facebook #soquenão: sobre os discursos que circularam no Facebook e os cartazes levados às ruas nos protestos de junho de 2013”, Cadernos de Estudos Sociais, 28 (1), pp. 53–72.
Kirkpatrick, David (2011), O efeito facebook, Rio de Janeiro, Editora Intrínseca Ltda.
Marichal, José (2012), Facebook Democracy, Farnham, Ashgate Publishing Limited.
Metaxas, Panagiotis; Mustafaraj, Eni (2012), “Social Media and the Elections”, Science, 338 (6106), pp. 472–473.
Nunes, Nuno (2013), Desigualdades Sociais e Práticas de Ação Coletiva na Europa, Lisboa, Editora Mundos Sociais.
Rheingold, Howard (2003), Smart Mobs: The Next Social Revolution, New Caledonia, Basic Books.
Shirky, Clay (2010), Eles vêm aí. O poder de organizar sem organizações, Lisboa, Actual Editora.
SIC Notícias (2014), “O Facebook em números”, SIC Notícias [online], Disponível em: http://sicnoticias.sapo.pt/especiais/facebook/2014-02-04-o-facebook-em-numeros.
Soeiro, José (2014), “Da geração à rasca ao que se lixe a troika. Portugal no novo ciclo internacional de protesto”, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, (28), pp. 55–79.
Data de receção: 15/12/2015 | Data de aprovação: 18/10/2016
Autores: Filipe Teixeira Portela