Nº 2 - abril 2011

Ana Margarida Raposo Ferreira, Centro de Administração e Políticas Públicas – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade Técnica de Lisboa (CAPP-ISCSP-UTL)

Resumo: Através da análise de uma realidade distante para muitos, este trabalho inscreve-se num esforço de compreensão da dinâmica dos Paraísos Fiscais no actual sistema, procurando mostrar a realidade de um dos principais fenómenos sociais que promove a ineficiência e o desequilíbrio da economia, através de estruturas profissionais altamente organizadas e especializadas na deslocação de capitais. Estas estruturas construíram e sustentam uma complexa infra-estrutura que serve de interface extraterritorial a uma economia global paralela, facilitando e estimulando a fuga a regulamentações territoriais, promovendo a deslocalização em grande escala de capitais dos países pobres para os ricos, contribuindo significativamente para aumentar a desigualdade, distorcendo os mercados globais em prejuízo da inovação e do empreendimento, desviando os investimentos e diminuindo o ritmo do crescimento económico, colocando em perigo a integridade dos sistemas fiscais e o respeito pelo Estado de Direito. O seu secretismo permite, por outro lado, complexos esquemas de branqueamento de capitais com origem no tráfico de droga, armas e corrupção. Esta nova geoeconomia requer repensar a natureza e a geografia da corrupção, forçando a sociedade civil a enfrentar as grandes falhas da arquitectura financeira internacional e a superar o poder político dos grandes interesses estabelecidos, pensando num novo modelo de globalização.

1. Introdução

O tema do presente trabalho enquadra-se na área das Finanças Internacionais, particularmente, no que a ela dizem respeito os Paraísos Fiscais (PF).

A pergunta de partida do estudo é “Como se caracterizam os Paraísos Fiscais?”, tendo como objectivo reflectir acerca dos processos sociais, económicos, políticos e culturais associados ao fenómeno em questão, de forma a compreendê-lo e a interpretá-  -lo mais acertadamente.

A estrutura do trabalho desenvolvido divide-se em duas partes: numa primeira parte, é feita uma revisão conceptual e, numa segunda parte, espera-se caracterizar este fenómeno pelas incoerências de um sistema globalizado, flexível, tendo como um dos seus principais suportes a existência de mecanismos opacos que ferem a própria democracia e a transparência dos mercados. Estas incoerências são ainda hoje mais relevantes, quando a Europa, como espaço integrado, é incapaz de se posicionar face à regulação dos mercados financeiros, como se verá na parte final do presente trabalho, pela evidência dos factos que, como consequência, decorrem da existência destes espaços jurídicos.

Para tratar a caracterização dos PF, definida na pergunta de partida, a metodologia utilizada consistiu na abordagem factual dos recentes acontecimentos ocorridos na teia do sistema financeiro, tendo como base técnicas analíticas de exploração das leituras das últimas investigações feitas por especialistas, assim como pela revisão de bibliografia.

Na última parte, é feita uma análise crítica e de síntese à abordagem utilizada, sublinhando os pontos fortes e fracos do estudo realizado, centrando a atenção sobre a actual arquitectura do sistema financeiro internacional, deixando pistas abertas para futuras explorações.

2. Paraísos fiscais: conceitos

2.1. Quadro Conceptual

Na origem dos PF estão os comportamentos de resistência à tributação, e estes remontam às primeiras civilizações, assumindo tão diversificadas formas quanto o permite a imaginação humana (Plate-Forme Paradis Fiscaux et Judiciaires, 2007).

A expressão Paraíso Fiscal evoca uma ilha paradisíaca, com sol e palmeiras, situada no fim do mundo, e onde alguns multimilionários enriquecem enquanto dormem. Esta primeira ideia é, ao mesmo tempo, enganadora e nociva porque os capitais que se encaminham para os PF são cada vez mais importantes (Mota et al., 2009: 7). Segundo o Bank for International Settlements, cerca de metade dos fluxos financeiros internacionais transitam actualmente por estes lugares (BIS, 2010), enquanto as suas origens são cada vez mais variadas e as consequências são, de muitos pontos de vista, dramáticas.

A história dos PF não é contínua nem linear, é feita de rupturas e mutações, consoante a época e o lugar, tendo conhecido um grande desenvolvimento em dois importantes momentos de mundialização da economia, um no final do século dezanove, com o aprofundamento do capitalismo, e outro no século vinte, após a segunda guerra mundial, na década de cinquenta, com a criação do mercado dos eurodólares (Palan et al, 2007: 28). Mas foi sobretudo nos últimos trinta anos que o seu número e importância cresceu exponencialmente, fruto da liberalização e desregulação da esfera financeira e de todos os outros mercados, ocorrida a partir do princípio dos anos 80, com a ascensão de Reagan e Thatcher ao poder.

O mercado dos eurodólares surge quando o mercado monetário deixa de estar sob as regras norte-americanas. Generalizou-se, entretanto, passando a denominar-se euromarket, que é o mercado onde se executam negociações em moeda externa. Utiliza-se, através de um título internacional expresso, numa moeda não nativa do país onde é comercializado, classificado de acordo com a moeda em que é emitido e, normalmente, é ao portador e livre de imposto, retido na fonte. Estes títulos podem ser comercializados em todo o mundo, sendo Londres um dos grandes centros. A sua comercialização faz-se através de um sistema de compensação, sendo os mais comuns o Euroclear e o Clearstream.

Dado que a existência de PF levanta muitas controvérsias, são várias as definições utilizadas pelas Instituições Internacionais quando abordam esta questão. Apesar de possuírem muitas características em comum, não há consenso quanto à definição a adoptar. A dificuldade denota-se logo pela variedade de nomes atribuídos ao fenómeno: Paraíso Fiscal, Centro Financeiro Offshore, Zona Franca, Zona de Benefício Fiscal, entre outras designações.

Actualmente, estes territórios são marcados por grandes facilidades na atribuição de licenças para a abertura de empresas de origem desconhecida, protegendo a identidade dos proprietários, ao garantirem sigilo absoluto. Um centro financeiro offshore é um centro financeiro internacional, onde são feitas operações que estão um pouco fora do controlo das políticas públicas nacionais e internacionais, e é isso que os torna tão especiais.

De uma forma abreviada, pode considerar-se que são fundamentalmente três os comportamentos que estão ligados à existência de um PF: o planeamento, a elisão e a evasão fiscais. O planeamento fiscal é uma forma de minimizar os custos fiscais e pode ir desde os meios mais rudimentares às técnicas mais sofisticadas, permitindo ao contribuinte subtrair-se aos impostos. A fronteira entre elisão e evasão fiscal está na forma legal ou ilegal de que se reveste o fluxo de capital. É considerada elisão se a redução fiscal é conseguida através de veículos legais, e evasão se esse fim é alcançado ilegalmente por procedimentos puníveis na lei.

Com efeito, é-se levado a concluir que o conceito de PF depende da perspectiva do que se está a querer estudar. Por um lado, a comunidade de utilizadores, seus beneficiários, falam dos PF como sendo um espaço de optimização fiscal. Por outro lado, a comunidade não utilizadora dos mesmos e algumas Instituições Internacionais não os vêem da mesma forma, mas antes como um espaço de subtracção à democracia e às regras de mercado.

Devido ao facto de não existir uma definição oficial, os investigadores apresentam alguns critérios de reconhecimento de um PF, salientando-se os seguintes.

Segundo Chritian Chavagneux e Ronen Palan (2007:11), especialistas em finanças offshore, são dez os critérios: 1.Tributação baixa ou ausência dela para não residentes; 2.Segredo bancário; 3.Segredo profissional; 4.Procedimentos de registo simples; 5.Liberdade total de movimentos internacionais de capital; 6.Rapidez de execução; 7.Suporte de um grande grupo financeiro; 8.Estabilidade económica e política; 9.Uma boa imagem de marca; 10.Uma panóplia de acordos bilaterais para evitar a dupla tributação.

Em 1998, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estabeleceu quatro factores-chave para o reconhecimento de um PF: 1.Ausência ou imposto reduzido sobre os rendimentos; 2.Fraca troca efectiva de informação; 3.Falta de transparência; 4.Não existência de actividade substancial, que consiste no exercício jurídico de uma actividade comercial que na substância não é exercida, ou que é exercida fora desse território, podendo traduzir-se, no limite, à existência apenas de uma caixa de correio. A questão surgiu na OCDE nos anos 90, numa altura em que a probabilidade de obtenção de receitas diminuiu relativamente ao aumento de custos.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) denomina-os como centros financeiros offshore e considera que são três os critérios para o seu reconhecimento: 1.Jurisdições que têm um grande número de instituições financeiras empenhadas principalmente em negócios com não residentes; 2.Sistemas financeiros com activos e passivos externos; 3.Centros que fornecem os seguintes serviços: baixa ou nula tributação, moderada regulamentação financeira e sigilo bancário.

A escolha de um PF depende do nível de especialização das suas opacidades próprias, o que põe de imediato em evidência a utilidade que terá para a entidade utilizadora onde esta se revê.

2.2. Principais Mecanismos e Entidades

A compreensão do funcionamento dos PF requer a explicação de alguns aspectos, entre os quais, os mecanismos normalmente utilizados e as entidades envolvidas.

Os principais mecanismos na utilização dos PF resumem-se nos seguintes pontos:

  • Manipulação dos preços de transferência – consiste em manipular os preços praticados em transacções entre entidades juridicamente distintas, integrando, ou não, o mesmo grupo, pela sub ou sobre facturação artificial dessas transacções, com o objectivo de conduzir os lucros para espaços com tributação favorável;
  • Uso de convenções para redução fiscal – consiste em fazer transitar rendimentos por entidades sediadas em jurisdições signatárias de convenções que estabelecem a não tributação ou a tributação moderada de determinados tipos de rendimentos;
  • Forma não correspondente à substância – consiste no exercício jurídico de uma actividade que na substância é exercida fora desse território, em que os rendimentos decorrentes dessa actividade são transferidos sob a forma de empréstimos e comissões.

Quanto às entidades envolvidas, as grandes companhias internacionais estão entre os primeiros utilizadores. O objectivo para estas companhias é a optimização da carga fiscal, minimizando o montante de imposto a pagar, utilizando, para isso, todas as possibilidades oferecidas pelas próprias jurisdições. Destacam-se os grandes bancos, as multinacionais e todas as actividades relacionadas com a exploração de recursos naturais de forma não transparente. Pela sua opacidade, os PF servem também como base de apoio para os serviços secretos. Também os regimes neo-coloniais, apadrinhados pelas políticas ocidentais, são grandes utilizadores. As máfias internacionais e os vendedores de armas dependem mesmo dos centros offshore, na medida em que é por esta via que conseguem branquear as receitas das actividades ilícitas. Todas estas entidades estão em permanente interacção com os PF através dos traders, dos correctores e dos traficantes.

3. Paraísos fiscais: caracterização

Reunidos os conceitos base necessários à exploração da temática PF, passa-se à parte central deste trabalho, onde se irá procurar encontrar, de forma sustentada, a resposta à questão de partida, isto é, à definição das características dos PF, na medida em que estes revelam incoerências do sistema onde se enquadram, quando este suporta a existência dessas específicas jurisdições.

Com efeito, o sistema capitalista cresceu globalizado, assente, ao nível dos princípios, nos mecanismos de concorrência e de transparência dos mercados. Neste contexto, é uma incoerência cada vez mais importante permitir que hajam espaços nacionais e estruturas jurídicas associadas completamente opacas e enviesadoras dos princípios que dizem defender com a globalização. Poderá pensar-se questionar, no plano dos factos, uma globalização assente numa lógica desvirtuadora da concorrência, ao nível da produção de bens e serviços, que é a concorrência fiscal. Por outras palavras, a competitividade das unidades de produção de facto, isto é, a economia real, assente numa lógica de concorrência fiscal, que passa a veicular a competitividade pela maior ou menor tributação dos rendimentos de capital, desvirtua a concorrência das empresas na sua essência, uma vez que a unidade de produção se torna competitiva, ou não, consoante é menos ou mais tributada nos seus rendimentos, em vez que se tornar competitiva por mérito, pela sua estrutura mais sólida, ou seja, por ter uma produção eficiente e eficaz, como, por exemplo, o demonstrou Henry Ford com a sua indústria automóvel. Neste enquadramento, não se entende que, durante tanto tempo e até muito recentemente, mesmo as grandes Instituições Internacionais tenham feito suas as palavras de Milton Friedman: “A concorrência entre os governos nacionais nos serviços públicos que proporcionam e nos impostos que impõem, é tão produtiva quanto a concorrência entre indivíduos ou empresas nos produtos e nos serviços que querem vender e aos preços a que querem vender.” (apud Christensen, 2009: 17).

Desta incoerência resulta uma outra não menos relevante: rompe-se a articulação do sistema entre o plano político, ou seja, o plano democrático, e o plano do mercado, que expressa a liberdade económica dos agentes. Por outras palavras, o Estado, governado num quadro democrático pelo plano político, vê distorcida a sua relação de articulação com os cidadãos, quer sejam singulares, quer sejam colectivos, porque deixa de poder estar num nível superior neutral, regulador e supervisor, passando a ter de se focar na competição fiscal entre Estados, estrangulando inevitavelmente a sua potencial maior fonte de receitas, o factor capital, em benefício da sobrevivência de uma relação com as empresas domiciliadas no seu território jurídico. Criam-se dessa forma mecanismos desestabilizadores no plano social que aprofundam e aumentam a disparidade no leque de rendimentos de cada factor de produção, pelas assimetrias fiscais criadas, onde a base social de tributação é enviesada, libertando-se ou deixando fugir os factores de maior potencial de riqueza.

As incoerências do sistema são reveladas de forma crua, pelos seguintes factos: 1.Capitais gerados por economias produtivas não concorrem para o seu desenvolvimento; 2.Economias geradoras de riqueza ficam descapitalizadas; 3.Os PF existem devido a legislação assente na concessão de benefícios fiscais para o desenvolvimento económico, quando isso não se verifica, uma vez que a grande maioria das entidades que decidem localizar a sua sede fiscal em Jurisdições relativamente benéficas fiscal e juridicamente, fazem-no pro forma e não substancialmente, isto é, a residência fiscal da operação financeira é registada na tal jurisdição especial, enquanto que todas as tarefas subjacentes, e portanto, todos os recursos humanos, mecânicos, tecnológicos e imobiliários, se localizam noutro Estado, que normalmente é o Estado da casa-mãe; 4.Os PF acumulam capitais e não têm qualquer estrutura produtiva.

Decorrente da fuga de capitais para as estruturas jurídicas tipificadas como offshores, resultam consequências dramáticas que se fazem sentir a vários níveis, tais como: perda de receitas fiscais; distorção do mercado; distorção dos princípios da equidade e eficiência fiscais; efeitos adversos nas Balanças de Pagamentos; branqueamento de capitais; perversão do sistema económico, promovendo bolhas especulativas, potenciando crises económicas.

3.1. As Consequências

3.1.1. Perda de Receitas Fiscais

 A perda de receitas fiscais é a consequência directa mais visível, quer para os Estados, que se vêem privados de receitas fiscais, porque os cidadãos residentes escapam a impostos em montantes significativos através da utilização de PF, receitas estas que serviriam para o funcionamento das empresas e dos serviços públicos; quer para os próprios PF, que podem incorrer em perdas de receitas fiscais, se aplicarem as taxas reduzidas de forma generalizada e não circunscrita.

Foi precisamente a partir desta questão que o problema começou a ser levantado na OCDE, e foi também a partir daqui que surgiu o Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI), de que se falará adiante.

A avaliação dessas perdas é difícil, dado que a utilização dos centros offshore se faz normalmente de forma camuflada. Contudo, devido à forte evasão, que cada vez mais se tem feito sentir, os EUA têm feito avaliações oficiais dessa utilização e das perdas de receitas fiscais envolvidas. Em 2006, o Subcomité Permanente de Investigações do Senado Norte-americano, presidido por Carl Levin, levou ao Senado, os abusos cometidos pela indústria offshore, desmascarando algumas das maiores fraudes, como o caso Anderson (Levin et al, 2006: 49).

3.1.2. Distorção do Mercado

Os diferentes graus e possibilidades de utilização dos PF, a desregulação, o sigilo e os incentivos fiscais distorcem o sistema comercial a favor dos interesses de cada utilizador e, adicionalmente, atraem capital com origem nos países emergentes e, mais grave, dos países em vias de desenvolvimento, distorcendo por aí outras vias possíveis de desenvolvimento económico.

Com base em dados do BIS, Palan (2006) mostra a disparidade dos elevados montantes de activos externos em Caimão e nas Bahamas comparativamente aos de outros centros financeiros internacionais como EUA, Bélgica e Holanda. Aqueles revelam uma considerável actividade offshore. De facto, quando se observa um país, como por exemplo as Ilhas Caimão, na verdade tem-se apenas uma casca vazia. Não há nenhuma produção. Com uma população de cerca de 50.000 habitantes, tem mais de 270 Bancos (CIBD, 2009), cujo produto representa cerca de 30% do PIB (CIG, 2009).

Levin (2006), do Senado Norte-americano, afirma que as jurisdições opacas começam a minar a soberania nacional e as formas democráticas de governo (Levin et al, 2006: 1 ss.), uma vez que permitem a criação de uma oferta assimétrica da informação económica e jurídica, que prejudica a eficiência dos mercados globais.

3.1.3.    Distorção dos Princípios da Equidade e Eficiência Fiscais

Outra consequência que se faz sentir num mercado que se pretende livre e perfeito é a distorção dos princípios da equidade e eficiência fiscais.

Deixa de haver equidade, porque níveis de rendimento iguais ou mesmo superiores de residentes num mesmo Estado são diferentemente tributados. A eficiência também é afectada, uma vez que as escolhas sobre a localização dos investimentos passam a assentar em razões fiscais e não noutras razões, como na estrutura da entidade geradora de rendimentos. Uma empresa, e.g., pode ter uma estrutura pouco eficiente em termos mecânicos, tecnológicos e até mesmo os seus recursos humanos ser menos competentes do que os de outras empresas, pode em resumo ser uma empresa menos produtiva do que outra. Contudo, se se domiciliar numa zona, real ou virtual, que tribute menos, verá as suas margens de lucro engrossadas, sem que tenha sido alterada a sua estrutura por forma a tornar-se mais eficiente.

No fundo, o mesmo é dizer que estas entidades que se deslocalizam para zonas de benefício fiscal, podem ver crescer os seus rendimentos, sem o devido acompanhamento do desenvolvimento da sua estrutura, i.e. um crescimento oco.

3.1.4.    Efeitos Adversos nas Balanças de Pagamentos

 Verificam-se efeitos adversos nas Balanças de Pagamentos, devido principalmente a três factores:

  • Transferências de capitais dos Estados de fiscalidade normal para os PF;
  • A remuneração dos investimentos efectuados em PF normalmente não regressa ao Estado residência da casa mãe;
  • A utilização de alguns mecanismos específicos, como a manipulação dos preços de transferência, ao facturar transacções entre empresas por um valor artificial, faz com que as Balanças de Pagamentos dos Estados de Fiscalidade normal assumam uma posição muito fragilizada.

3.1.5.      Branqueamento de Capitais

O sigilo comercial e bancário, a par da ausência de restrições nas transferências, vêm por essa via facilitar o branqueamento de capitais.

Segundo John Christensen (1999) do Secretariado internacional da Rede pela Justiça Fiscal, cerca de um bilião de dólares, proveniente de actividades ilícitas, entra, anualmente, em contas dos PF. Cerca de metade desse montante é originária dos países em desenvolvimento.

Apesar das numerosas iniciativas anti-branqueamento de capital, o índice de fracasso dessas operações é muito elevado. Os PF foram colocados em causa essencialmente devido à facilidade de implantação e desenvolvimento de sociedades ecrã dentro destes espaços e de uma protecção judicial facilitadora do branqueamento de capitais provenientes do crime financeiro (Bouzon, 2009).

3.1.6.      Perversão do Sistema Económico

 E por fim, uma das consequências mais importantes da existência dos PF, é que eles, dada a sua opacidade, pervertem todo o sistema económico, criando fortes e incomportáveis assimetrias fiscais, sendo um dos carburantes para a formação de bolhas especulativas e, por essa via, a correrem o risco de dinamizar crises económicas.

As jurisdições opacas contribuem para a criação de uma extrema concentração de riqueza, o que pode provocar a instabilidade económica e recessões longas.

A evasão corrompe os sistemas fiscais dos Estados modernos e a capacidade do Estado em disponibilizar os serviços exigidos pela cidadania. Além disso, representa a mais alta forma de corrupção, porque priva a sociedade de recursos públicos legítimos. De igual forma, se poderá dizer que os Estados, a partir do momento que sabem, reconhecem e inclusivamente criam e abrigam a existência de zonas de benefícios jurídicos e fiscais, têm consciência de que isso irá privar o Estado de receitas fiscais, privando por consequência os cidadãos de ter acesso a serviços considerados mínimos numa sociedade que se pretende auto-suficiente na saúde, na educação, na justiça, na defesa.

Nos últimos 50 anos, através da utilização dos mecanismos que caracterizam os PF, tem-se construído uma economia global paralela aos regimes fiscais que regulam todos os cidadãos que trabalham por conta de outrem e que por essa razão não têm hipótese de se regular noutra jurisdição, para fugir aos impostos e às regulações territoriais. Essa economia é sustentada por uma infra-estrutura de bancos, juristas, contabilistas, pequenas assembleias legislativas, pequenos sistemas judiciários e intermediários financeiros associados, que se combinam para servir de interface extraterritorial entre as economias lícita e ilícita. Tal estrutura tem estimulado e facilitado a fuga de capitais dos países pobres para os ricos em grande escala. Tem facilitado, também, o deslocamento da carga tributária do factor capital para o factor trabalho, contribuindo significativamente para aumentar a desigualdade. É por isso que há quem defenda que a tributação deveria ser mais indirecta do que directa, fazendo valer o princípio do utilizador/pagador.

Esta forma de jurisdição tem desintegrado os sistemas fiscais e feito diminuir o respeito pelo Estado de Direito. Os negócios secretos e os tratamentos especiais enfraquecem a própria democracia. Os mercados globais são distorcidos em prejuízo da inovação e do espírito de empreendimento, diminuindo o ritmo do crescimento económico ao promover recompensas sem esforços e ao desviar investimentos. Essa é uma das principais causas do crescimento da corrupção, que funciona pelo conluio entre intermediários financeiros do sector privado e os governos dos Estados que abrigam as actividades dos PF.

Estados e intermediários financeiros vêem-se hoje articulados de forma nociva. Uns precisam dos outros e facilmente caem em relações promíscuas que podem chegar à corrupção, se não existir uma forte base de valores éticos.

3.2. Manipulação Económica

Para as empresas, a grande vantagem em negociar através de subsidiárias implantadas nestes locais, está na utilização do que os técnicos do direito internacional chamam preço de transferência, já atrás apresentado como o preço praticado em transacções entre entidades juridicamente distintas, integradas, ou não, na mesma unidade económica.

A manipulação deste preço pela sub ou sobre facturação artificial das transacções proporciona margens de lucro líquidas muito atractivas.

E.g., se uma empresa nos EUA quiser adquirir um produto produzido em França e o fizer através de uma sua filial nas Ilhas Caimão, o custo baixo a que adquire ao produtor em França permite-lhe obter lucros extra, na medida em que será a sua filial em Caimão que irá vender aos EUA, com uma margem comercial que tem a vantagem de ser pouco tributada. A filial compra a baixo custo e vende caro, fazendo com que a empresa que tem a filial em Caimão tenha enormes lucros, enquanto que a filial francesa, que produziu, não lucra. Os lucros são alocados à subsidiária, a unidade destes grandes grupos onde a fiscalidade é reduzida. É isso que é interessante para as multinacionais. Isto é o que as motiva a utilizar os PF.

Contudo, num estudo realizado por Boyrie, Pak e Zdanowicz (Boyrie, 2005), respectivamente das universidades de New Mexico State University, Penn State University e Florida International University, é evidente o exagero a que pode chegar a manipulação dos preços, revelando pura fraude fiscal.

Após os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, os Estados deram prioridade aos problemas relacionados com o financiamento e culto de organizações terroristas. No entanto, a opacidade das transacções tem sido uma barreira importante na detecção de fluxos financeiros provenientes de actividades ilícitas, pois impede a investigação das actividades nos centros financeiros offshore por parte de autoridades externas, facilitando o branqueamento de capitais de actividades criminosas tais como fraude, desvio de dinheiro, roubo, corrupção, tráfico de drogas, tráfico ilegal de armas, falsificação de documentos, uso de informações privilegiadas, emissão de notas falsas, alteração na formação dos preços de transferência e evasão fiscal (Christensen, 1999).

Para incorporar o dinheiro proveniente de actividades ilícitas nas transacções comerciais, são concebidos esquemas complexos com a utilização de estruturas extraterritoriais, disfarçando o lucro do crime e da evasão fiscal. Segundo Riches, detective superintendente Des Bray, da Divisão de Crimes Comerciais e Electrónicos, entrevistado por Sam Riches, em 2007, os métodos de branqueamento de capitais variam, desde o mais simples até cenários comerciais altamente estruturados e complexos. A infiltração de criminosos em negócios legítimos começa a ser cada vez mais investigada. Nenhuma dessas pessoas poderia realizar essas actividades se não fosse através de advogados, consultoras e assessores financeiros que, conscientemente, as ajudam a branquear e a esconder activos (apud Christensen, 2009: 9).

Estimativas do Hedge Fund Reserach (HFR) verificam uma enorme diferença entre os montantes que vão para os centros offshore e os que vão para os centros onshore. Visivelmente, os centros offshore captam cerca do dobro dos montantes que são aplicados no mercado onshore.

O indicador da relação PIB vs. Actividade Bancária Internacional, reflectido em Múltiplos do PIB, dados do HFR, revela que estes centros financeiros são utilizados como entreposto offshore pelo elevado valor desses múltiplos, comparado com o valor do PIB, em cada uma dessas regiões (Palan, 2006).

O elevado crescimento dos lucros das empresas norte-americanas na Irlanda entre 1999 e 2002, conseguido pelas reduzidas taxas de tributação efectiva a não residentes, além de ter distorcido a concorrência, perverteu o sistema, o que veio a revelar-se mais tarde no colapso da economia irlandesa, corroborando a teoria da manipulação económica.

Ao contrário das imagens evocativas que o termo offshore traz à mente, seria um erro pensar em algo desligado e longe dos maiores Estados. Geograficamente, muitos PF estão localizados em pequenas ilhas espalhadas pelo espectro dos fusos horários. Mas, política e economicamente, a maioria está intimamente vinculada aos principais Estados da OCDE e o termo offshore nada mais é do que uma declaração política sobre o relacionamento entre um país e partes do seu território (Palan, 1999). Portanto, pode questionar-se até que ponto terá efeitos a norma emanada do Fórum Global sobre Fiscalidade (FGF), que foi guiado pelo trabalho da Comissão dos Assuntos Fiscais da OCDE, aprovada pelo G20 e pelo Comité de Peritos das Nações Unidas sobre a Cooperação Internacional em Matéria Fiscal, e que agora serve como base para a maioria dos Tratados Fiscais bilaterais como a norma acordada internacionalmente para a troca de informações.

Considerando-se, por exemplo, o caso de Londres, essas estruturas operam em territórios ultramarinos britânicos, dependentes da Coroa Britânica.

Começam a ser feitas conexões entre branqueamento de capitais, corrupção, instabilidade dos mercados financeiros, desigualdade de rendimentos e pobreza crescente, e as jurisdições offshore começam a ser identificadas como denominador comum a todos estes problemas.

3.3. A City

O Reino Unido é, ele próprio, um PF, desde logo porque um dos princípios fiscais seguido é o de ter uma legislação fiscal para os nacionais e outra para as pessoas que não são residentes, ou seja, os que não têm domicílio fiscal nessa jurisdição. Estes, marcam a existência de uma grande fatia de rendimentos que não são tributados, ao que os especialistas chamam loophole.

Londres é na realidade um PF, porque no final dos anos 50, exactamente em 57, o Banco de Inglaterra apoiou a criação de um instrumento financeiro inovador, o chamado mercado do eurodólar (Palan et al, 2007: 44). O eurodólar é a denominação em dólares de uma operação financeira feita num banco fora do seu território nacional, EUA. Este mercado surgiu no seguimento do Banco de Inglaterra ter verificado que a libra esterlina tinha perdido o seu estatuto como moeda internacional contra o dólar. O dólar estava a tornar-se numa moeda internacional muito importante. Nessa altura, começaram a permitir depósitos e empréstimos em dólares fora do escrutínio público, o que realmente impulsionou fortemente a liberalização financeira e o financiamento offshore. O Banco de Inglaterra concordou com a ampliação do mercado eurodólar feito na City de Londres. E foi uma estratégia vencedora.

Londres é hoje o primeiro centro financeiro mundial. Foi multiplicando os serviços do mercado eurodólar, que as grandes empresas desenvolveram o comportamento dos PF para o resto do mundo. As autoridades financeiras britânicas são, elas próprias, um sistema bancário usado como um PF, uma vez que compreende uma legislação diferente, mais favorável, para actividades e pessoas não residentes, conferindo e atraindo num centro mundial, no distrito financeiro londrino “The City”, um grande volume de empresas e transacções de não residentes (Palan et al, 2007: 33 ss.).

O volume de transacções offshore é controlado pelo distrito financeiro de Londres, conhecido como The City, embora muitos dos seus intermediários financeiros operem em escritórios localizados no exterior e na dependência da Coroa. Tais jurisdições dão a impressão que operam com autonomia. Porém, na prática, quase sempre actuam como centros de recepção das instruções emitidas pelo centro financeiro de Londres e por outros grandes centros financeiros. O distrito financeiro londrino oferece isenção fiscal máxima ou total, e é protegido por normas de segredo financeiro, incluindo a não divulgação dos beneficiários de empresas ou trusts, e é facilitado por regimes mais permissivos que os regimes onshore, na própria City. Muitos PF estão vinculados directamente ao Reino Unido por terem o estatuto de território estrangeiro na dependência da Coroa ou por fazerem parte da Comunidade Britânica, Commonwealth.

Londres é, na realidade, o principal centro financeiro mundial. Chavagneux e Palan fizeram cálculos para tentar medir a posição das operações financeiras em bancos internacionais, tendo verificado que, cerca de metade das transacções internacionais dos bancos, é feita através de centros offshore e que, por sua vez, essa metade é repartida da seguinte forma: Londres 40%, outros grandes centros financeiros nos países desenvolvidos 30%, e nas pequenas ilhas exóticas 30%.

O mercado financeiro destas operações financeiras, com as suas comissões, representa hoje um importante peso, de 10 a 15% do PIB no Reino Unido. Emprega muitas pessoas e permite o desenvolvimento de actividades muito sofisticadas, de alto nível. Por isso, coloca-o num dos segmentos mais rentáveis e com pessoal altamente qualificado. Deste ponto de vista, é sempre uma vantagem para um país.

3.4. As Consultoras como Elo do Sistema

As empresas consultoras dão aconselhamento fiscal aos seus clientes. Após fusões, incorporações e a falência da Arthur Andersen, actualmente são quatro as grandes firmas de consultoria. Elas são, por ordem de tamanho: PricewaterhouseCoopers (PWC), Deloitte Touche Tohmatsu, KPMG e Ernst & Young. Cada uma delas opera em pelo menos 139 países. Todas possuem escritórios nos principais PF do mundo, tendo estado fortemente envolvidas na promoção das actividades nesses espaços.

Em 2003, PWC, Ernst &Young e, particularmente, a KPMG foram altamente criticadas por promoverem a venda, nos EUA, do que o Subcomité Permanente do Senado Norte-Americano chamou produtos fiscais. Este subcomité descobriu que alguns destes produtos eram ilegais, pois, sob a máscara de um planeamento fiscal apelidado gestão preventiva, promovia junto dos seus clientes a evasão fiscal através de offshores. Ficou a saber-se que a KPMG gerou pelo menos 180 milhões de dólares de receitas a partir da venda de tais esquemas e que, colectivamente, os esquemas vendidos trouxeram para o Tesouro Americano perdas no valor de 85 mil milhões de dólares. Deloitte e Andersen foram criticados pelo Senado norte-americano pelo trabalho que fizeram para a Enron, no relatório sobre a falência da companhia. A Enron declarou lucros de 2,3 mil milhões de dólares entre 1996 e 1999, mas não pagou qualquer imposto. Para isso, estabeleceu uma rede de quase 3.500 empresas, das quais pelo menos 440 estavam registadas nas Ilhas Caimão.

A KPMG foi altamente criticada pelo Tribunal Americano de Falências pelo seu papel na criação de esquemas de poupança fiscal sem consistência económica em nome da WorldCom antes da sua falência. Estes esquemas foram desenhados para que a empresa poupasse milhares de milhões em impostos, através do que a KPMG chamou gestão preventiva.

A evidência do comportamento pouco ético das consultoras não vem apenas dos EUA. Em 2005, o Tribunal de Justiça Europeu apresentou um parecer sobre um esquema promovido pela KPMG para evitar o pagamento de IVA no Reino Unido. No seu material promocional de vendas, a KPMG admitiu que sabia que as autoridades fiscais do RU considerariam o esquema como evasão fiscal inaceitável. Apesar disso, eles promoveram o esquema como um produto fiscal. O tribunal concluiu que o esquema fiscal da KPMG era uma tentativa para evitar o IVA.

3.5. O G20 e a União Europeia

O Fórum Global sobre Fiscalidade (FGF), guiado pelo trabalho da Comissão dos Assuntos Fiscais da OCDE, desenvolveu também uma norma, aprovada pelo G20 e pelo Comité de Peritos das Nações Unidas sobre a Cooperação Internacional em Matéria Fiscal, e que agora serve como base para a maioria dos Tratados Fiscais bilaterais como a norma acordada internacionalmente para a troca de informações.

A base utilizada para a distinção entre as jurisdições que executam a norma e aquelas que não o fazem, passou por uma avaliação objectiva da situação nos diversos países. Embora sem traçar uma linha rigorosa delimitadora na forma de medir os progressos realizados, tem sido utilizado, como indicador de progresso, o de saber se uma jurisdição tem assinados 12 acordos de troca de informações.

Atente-se neste ponto, que a passagem de setenta para zero países na lista negra dos PF resulta apenas de uma mudança nos critérios, onde passaram a estar presentes os acordos bilaterais entre os Estados.

A evasão fiscal é hoje um problema para a União Europeia uma vez que os Estados começam a ter problemas de receitas, agravados pelo Pacto de Estabilidade que veio limitar, ainda mais, os instrumentos fiscais.

Nesta linha, em 2005 foi estabelecida a chamada Directiva da Poupança, segundo a qual todos os países da União ficam obrigados a prestar informações sobre os rendimentos de capital de não residentes aos seus respectivos países de origem.

No entanto, os efeitos desta medida foram pouco visíveis, na medida em que todas as entidades responsáveis pela gestão de rendimentos de capitais transferiram, quase automaticamente, todas as aplicações que abrigam para um novo offshore entretanto aberto num outro dos muitos paraísos fiscais existentes.

No fundo, este comportamento de fluxos financeiros é tão simples de compreender como o princípio dos vasos comunicantes da física: quando um líquido é colocado num sistema constituído por vasos comunicantes, ele dispõe-se de modo que a altura das colunas líquidas seja proporcional à respectiva densidade. De igual forma se poderá dizer: Quando um volume de moeda é colocado num sistema financeiro constituído por offshores comunicantes por meio da rede de transferências bancárias electrónicas, ele dispõe-se de modo que o volume de moeda investido em subsidiárias financeiras offshore seja proporcional à respectiva densidade. Aplicando este teorema á realidade Europeia, no quadro da Directiva da Poupança, tem-se que, a partir do momento em que aquela passou a vigorar, as aplicações financeiras existentes nas diversas sucursais financeiras espalhadas pelos territórios europeus offshore, como a Zona Franca da Madeira, foram transferidas para novas subsidiárias financeiras entretanto constituídas noutros territórios, também offshore, mas que não estão juridicamente abrangidas pela Directiva da Poupança. Curiosamente, alguns destes territórios não abrangidos pela Directiva da Poupança estão dentro do continente europeu, concretamente: Suíça, Liechtenstein, San Marino, Mónaco e Andorra.

Esta posição conjunta dos países da UE é, no entanto, posta em causa, pelo facto de três dos países membros, concretamente Bélgica, Luxemburgo e Áustria, continuarem a adoptar o sigilo bancário. Estes retêm imposto na fonte, transferindo a maior parte anonimamente para o país de origem da pessoa tributada. Esta situação excepcional deverá acabar em breve, afirma Laszlo Kovacs, comissário da UE para questões fiscais, pois está previsto que esta regra seja transitória e acabe no dia em que os outros 5 países europeus, que não são membros da UE (Suíça, Liechtenstein, San Marino, Mónaco e Andorra) aceitem fornecer informações sobre os clientes dos seus bancos. A Suíça é o país com o qual há maior dificuldade de negociação, pois, para salvar a todo custo o sigilo bancário, quer negociar individualmente com cada país, em vez de acertar um acordo geral com o bloco.

Da política europeia adoptou-se uma Directiva para harmonizar as tributações dentro do perímetro europeu. No entanto, abriu-se excepção à Bélgica, Áustria e Luxemburgo, para permanecerem competitivos com a Suíça, uma vez que para salvaguardar a concorrência permite no seu seio situações de concorrência que falseiam o sistema.

O Banco Mundial e o FMI desenvolveram, também, as suas próprias agendas anti-corrupção, mas nenhuma delas está significativamente ligada à opacidade do sistema bancário offshore, com a excepção dos restritivos programas relativos ao branqueamento de capitais.

O Grupo de Acção Financeira Internacional ou Financial Action Task Force (GAFI ou FATF), formado pelos chefes de Estado do G7 em 1989 para liderar um programa global anti-branqueamento, publicou em Junho de 2006 um relatório sobre as Transacções Comerciais de Branqueamento de Capitais, onde identificou três métodos principais pelos quais os terroristas financeiros movimentam essas verbas, escondendo as suas origens e infiltrando a sua integração nos circuitos da economia formal. São esses métodos, o uso do sistema financeiro, o movimento físico do dinheiro e o movimento dos bens e serviços através do sistema internacional de comércio.

O GAFI tem focado a sua investigação no sistema financeiro, dando menos atenção aos fluxos realizados através do movimento físico de dinheiro e descurando os movimentos que resultam da manipulação do sistema internacional de comércio, sistema esse que oferece, claramente, um leque de riscos e vulnerabilidades que podem ser explorados por organizações criminosas e terroristas. Redigiu um texto de quarenta recomendações, destinado a ser introduzido dentro das disposições legislativas de cada país. Contudo, o seu eco não se ouviu. Nem tão pouco, pareceu que o GAFI tenha ficado alerta, pois legitimou as jurisdições opacas que se disponibilizam a cooperar na investigação dos rendimentos do narcotráfico e do financiamento do terrorismo, uma vez que passou a considerar transparentes as jurisdições offshore que se mostraram cooperantes pela assinatura de acordos de troca de informações. Ou seja, o critério de saída de um PF da lista negra passou a ser (apenas) o de saber se aquela jurisdição tem assinados acordos de troca de informações, tornando desta forma legítimos aqueles espaços jurídicos.

Também o G20, na sua reunião, a 2 de Abril de 2009, deixou a mensagem aos PF de que é essencial proteger as finanças públicas dos riscos decorrentes das jurisdições não cooperantes, apelando a adesão às normas internacionais de prudência das áreas anti-money laundering and counter-terrorist financing (AML/CFT) (G20, 2009). Para este fim, é sugerido aos órgãos competentes de cada país a condução e reforço do objectivo de supervisão, com base em processos existentes, nomeadamente, através do plano Financial Services Action Plan (FASP), adoptando o padrão internacional para a troca de informações, aprovado pelo G20 em 2004, que se reflecte no modelo de convenção fiscal da ONU. O Financial Services Action Plan (FSAP) é um elemento chave da UE, na tentativa de criação de um mercado único de serviços financeiros. Foi criado em 1999, contendo 42 artigos relacionados com a harmonização do mercado de serviços financeiros na UE. E incumbe ao FMI, em cooperação com o Financial Stability Board (FSB), a avaliação da implementação nos ordenamentos jurídicos relevantes.

Contudo, esta reunião do G20 de 2 de Abril de 2009, além de ter sido fracamente participada por uma minoria de 8 países que se fizeram representar pelos seus ministros das finanças, não foi consensual. Reflexo de interesses conflituosos entre os países membros?

Apesar de todos os esforços, provavelmente, mais eficaz que uma acção focalizada sobre os PF, seria uma acção centrada nas disposições legislativas que os protegem. Os Estados, em coordenação, podem recusar o reconhecimento da legalidade do estatuto actual dessas entidades.

A medida que até agora teve maior visibilidade foi a do Presidente norte-americano Barack Obama, que resultou da vontade política dele próprio e não da cooperação, com o levantamento do sigilo bancário em cerca de 300 contas bancárias na União de Bancos Suíços.

Todos estes pequenos avanços reflectem, sobretudo, a falta de uma vontade política, que vá além da declaração de intenções. O motivo? Chavagneux e Palan sustentam que os PF, originalmente e principalmente procurados pelos ricos para fugir aos impostos, são agora uma parte essencial de um sistema económico globalizado.

4. Conclusão

É num esforço de compreensão de uma realidade cada vez mais presente que se inscreve este trabalho, percebendo a dinâmica dos PF num sistema capitalista, procurando mostrar a realidade de um dos principais fenómenos que promove a ineficiência e o desequilíbrio da organização política e económica liberal de um Mundo organizado por Estados de Direito.

Estas jurisdições são hoje pequenos territórios com poderes especiais por onde circula o que se estima ser, segundo o FMI, metade dos fluxos financeiros mundiais. Tais territórios têm como principal característica a quase inexistência de carga fiscal, possibilitando a fuga de capitais à tributação nacional, e uma opacidade e secretismo que permite complexos esquemas de branqueamento de capitais com origem no tráfico de droga, armas e corrupção.

Uma série de escândalos foram tornados públicos, e tocam esferas tão importantes como os partidos políticos dos países desenvolvidos ou o mundo do desporto. Um enorme volume de capitais está fora de controlo dos países onde é gerado. O obscuro papel destes territórios foi publicamente denunciado devido ao papel de publicações como o Le Monde Diplomatique ou organizações internacionais como a Association pour la Taxation des Transactions pour l’Aide aux Citoyens (ATTAC) e a Tax Justice Network (TJN), que desde a sua origem escrutinam esta realidade. Os esquemas de branqueamento de capitais que passam por estas jurisdições, provenientes de todo o mundo, são normalmente esquemas sofisticados, onde são utilizadas empresas fictícias, por onde circulam os fluxos financeiros até se perder o seu rasto e origem, acabando numa conta legítima num banco reconhecido. No entanto, métodos rudimentares continuam a ser utilizados de forma eficaz, como o uso das malas de dinheiro vivo, escondidas em aviões privados.

De forma sigilosa, estruturas profissionais altamente organizadas e especializadas na deslocação de capital para os PF, construíram uma economia global paralela, para fugir aos impostos e às regulamentações territoriais. Essa economia é sustentada por uma complexa infra-estrutura que serve de interface extraterritorial offshore. Tal interface tem facilitado e estimulado a fuga de capitais dos países pobres para os ricos em grande escala, contribuindo significativamente para aumentar a desigualdade, distorcendo os mercados globais em prejuízo da inovação e do espírito de empreendimento, desviando os investimentos e diminuindo o ritmo do crescimento económico, ao promover recompensas sem esforço, colocando mesmo em perigo a integridade dos sistemas fiscais e o respeito pelo Estado de Direito.

No fundo, e como terminam Palan e Chavagneux no seu livro Les Paradis Fiscaux (2007:115), “De maneira irónica, os territórios offshore só puderam transformar-se em núcleos do capitalismo contemporâneo apoiando-se no reconhecimento crescente do princípio da soberania dos Estados a partir do século XIX. Hoje como ontem, o Estado e a mundialização do capitalismo, longe de estarem em lugares opostos, partilham o mesmo espaço e não se compreendem”.

Não se compreendem, porque, por um lado, os territórios offshore, que são a antítese do Estado na medida em que reduzem ao mínimo a taxa de impostos, não pensando na satisfação de nenhum interesse que não seja o do próprio beneficiário, não há a preocupação pela promoção de um interesse colectivo, esvaziando os cofres dos Estados, que no fundo acabam por ser o seu alimento, pois reconhecem a sua autonomia, podendo estes a qualquer momento deixar de reconhecer essa autonomia, e por outro lado, os Estados não compreendem que o reconhecimento dos offshores é a sua sentença de morte, mas que, no quadro actual a que chegou o envolvimento das grandes Instituições, talvez seja, no curto prazo, uma via a não desprezar na procura da sobrevivência dos Estados e das Empresas.

Esta nova geoeconomia requer repensar a natureza e a geografia da corrupção, forçando a sociedade a enfrentar as grandes falhas da arquitectura financeira internacional e a superar o poder político dos grandes interesses estabelecidos, pensando num novo modelo de relacionamento internacional. 

 

Referências

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Autores: Ana Margarida Raposo Ferreira