Nº 7 - fevereiro 2014
António Carvalho, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa e Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, amcarvalho@ces.uc.pt
Resumo: Este artigo é uma reflexão acerca de política ontológica e processos de subjetivação através da análise de dois estudos de caso: a meditação Vipassana na tradição de S. N. Goenka e a meditação Zen segundo Thich Nhat Hanh. Através de uma abordagem inspirada pelos Estudos de Ciência e Tecnologia (ECT), providencio uma reflexão sobre práticas meditativas como levando a cabo formas de transformação ontológica. Estas práticas são, seguindo Foucault, entendidas como “tecnologias do sujeito”, justificando a convocação dos ECT para compreender como é que estas operam e quais as políticas ontológicas que elas promovem.
Palavras chave: Tecnologias do Sujeito; Meditação; Subjetivação; Política Ontológica.
Abstract: This article reflects on ontological politics and processes of subjectification through the analysis of two case studies: Vipassana meditation in the tradition of S. N. Goenka and Zen meditation as taught by Thich Nhat Hanh. Through an STS (Science and Technology Studies) approach, I provide a reflection on meditative practices as undertaking forms of ontological transformation. These practices are considered, following Foucault, as “technologies of the self”, justifying the recruitment of STS scholarly work to understand how they operate and the ontological politics they promote.
Keywords: Technologies of the Self; Meditation; Subjectification; Ontological Politics.
Introdução[1]
No âmbito dos estudos de ciência e tecnologia (ECT), a dimensão política das intervençõestécnico-científicas está associada a uma conceção de ontologia múltipla, em que a realidade emerge mediante diferentes tipos de tecnologias, artefactos ou performances. A noção de política ontológica, proposta por Mol (1999), ilustra precisamente esta condição de maleabilidade do real, elucidando acerca das diferentes versões que a biomedicina produz do corpo humano consoante distintas práticas, como a patofisiológica, a estatística ou a clínica. Da mesma forma, Law (2004) argumenta, à luz da política ontológica, que o método nunca pode ser meramente técnico ou neutral, implicando sempre diferentes manifestações da realidade, acarretando conclusões e visibilidades particulares. As análises de Callon (1998 e 2006) acerca dos mercados económicos também ilustram o poder performativo das intervenções sociotécnicas, nomeadamente o papel político das ações dos economistas – a economia não é necessariamente uma entidade que pode ser estudada de forma “positivista” pelos economistas mas uma formação criada em função de intervenções heterogéneas. No seguimento destas preocupações dos ECT com dimensões de política ontológica, os trabalhos de Pickering (2010) sobre a história da cibernética inglesa apresentam uma alternativa à tecnociência contemporânea, marcada pela dominação do real, ilustrada, por exemplo, pela transformação do rio Reno num mero reservatório de energia (Heidegger, 1977). Os vários projetos cibernéticos abordados por Pickering constituem uma alternativa a esta lógica dominante da tecnociência, no sentido em que, ao invés de tentarem controlar o real, antes procuram encetar danças de agência que exploram a performatividade e interação entre tecnologias, sujeitos e ambiente.
Estes diversos exemplos extraídos da literatura dos ECT evidenciam a dimensão normativa e política da tecnologia. No entanto, ainda existem poucos trabalhos, no âmbito dos ECT, que abordam questões ligadas à subjetividade, inspirados pela noção de política ontológica. É nesse sentido que se justifica a pertinência deste artigo, que ilustra como dois movimentos de meditação procuram, através de uma série de tecnologias do sujeito, criar diferentes versões do humano, que se distinguem de regimes “não-meditativos” em diversos aspetos – éticos, experienciais, performativos ou mesmo políticos.
Neste sentido, estes movimentos de meditação assumem-se como instâncias de política ontológica: por um lado, ilustram conceções específicas do que constitui a subjetividade humana (marcadas pela psicologia budista) e, por outro lado, promovem a difusão de práticas que visam, de forma performativa, permitir a emergência dessas mesmas ontologias do sujeito, seja através de performances, de mecanismos de hermenêutica da experiência, de diferentes regulações ou da difusão dos agenciamentos meditativos na vida quotidiana.
Depois desta introdução, a próxima secção, designada “tecnologias do sujeito”, introduz esta pertinente noção Foucauldiana e faculta outros registos académicos relevantes para pensar os processos de subjetivação. O papel das secções seguintes é apresentar os dois estudos de caso em questão, sobre meditação Zen e Vipassana. Posteriormente, reflito acerca dos eixos de subjetivação levados a cabo por estes movimentos de meditação. A secção designada “A política ontológica da meditação” analisa as versões do sujeito que são promovidas por estas tradições e as ligações entre tecnologias do sujeito e o
social, complexificadas por estas práticas e pelos projetos sociais que estas promovem[2].
Tecnologias do Sujeito
Foucault considera que as tecnologias do sujeito “(…) permitem aos indivíduos levar a cabo através dos seus meios ou do recurso a outros um certo número de operações sobre os seus corpos e almas, pensamentos, conduta e forma de ser, para se transformarem com o objectivo de desenvolverem um certo estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade” (Foucault, 1998, pp. 18). Esta noção é particularmente interessante porque sublinha a dimensão material ou performativa da prática espiritual. Ao invés de ser um processo metafísico ou abstrato, esta depende de técnicas de meditação, abluções, dietas específicas ou de processos de verbalização (como a confissão). Neste sentido, as tecnologias do sujeito assumem-se como técnicas do corpo, tal como Mauss (1973) as identificou, constituindo processos de formação de habitus, que neste caso se prendem com a emergência do sujeito ético.
Estas tecnologias do sujeito estão ligadas àquilo que Hacking (2002) designa como making up people, a constituição de categorias de pessoas. Estas práticas associam-se a formas de subjetivação, instâncias de fabricação ou criação de subjetividades, constituindo políticas ontológicas do sujeito. Segundo Rose, devemos entender a subjetivação como “todos aqueles processos e práticas heterogéneas através dos quais os seres humanos se relacionam consigo e com os outros como sujeitos de um certo tipo” (Rose, 1998, pp. 25).
Considerando o sujeito ocidental moderno, qual a relação entre tecnologias do sujeito e subjetividade? O Processo Civilizacional de Elias (1978 e 1982) é um bom exemplo de como uma crescente interdependência entre indivíduos, depois do período feudal, introduziu novas maneiras (de comportamento à mesa, de lidar com necessidades fisiológicas, de expor o corpo) que racionalizaram e civilizaram o homem moderno. Este processo resultou numa internalização de certas emoções como vergonha e repulsa. A possibilidade de uma morte violenta é substituída por um ego “hiper-ativo” que está num constante processo de auto-avaliação, de modo a que o indivíduo controle permanentemente o seu corpo e comportamento em público. Há uma obsessão com a exterioridade, algo que também é claro quando lemos Goffman (1969).
Se pensarmos na conceção de burocratização para Weber (1958) [1946] como uma forma de racionalização das relações sociais, o que podemos dizer em relação à modulação da experiência do sujeito? Vigiar e Punir, de Foucault (1995) [1977] é uma boa ilustração de como um novo imperativo político para regular a população resultou em formas racionais, organizadas e calculadas de normalizar a subjetividade e o “desvio” em prisões, hospitais, escolas, fábricas e no exército. A conduta humana é, a partir do século XVIII, submetida a imperativos de eficiência e produtividade que são ilustrados pelos
movimentos repetitivos de Charlie Chaplin em Os Tempos Modernos [1936]. A disciplina leva a cabo uma ortopédica do sujeito, modulada por objetivos políticos, e os loucos, as crianças e os criminosos são os mais vulneráveis a este regime de subjetivação institucional.
Estas considerações permitem-nos chegar a duas conclusões: por um lado, a constituição histórica do sujeito “moderno” está dependente de uma série de associações com tecnologias, como ilustram os exemplos de Foucault (acerca das instituições disciplinares ou de novos saberes, como a medicina clínica ou a psiquiatria), Elias (evidenciando como a introdução do garfo teve um papel importante na maximização do super-ego e na internalização da ansiedade e medo) ou Schivelbusch (1977) (ilustrando como o desenvolvimento dos caminhos de ferro foram responsáveis pela criação da visão panorâmica da natureza ou pela constituição de novas patologias, como o stress pós-traumático); por outro lado, estas associações contêm scripts (Akrich, 1992) ou mecanismos teleológicos – estas tecnologias visam determinadas versões do sujeito (seja ele o sujeito disciplinado, produtivo e dócil de Foucault ou o homo clausus de Elias), constituindo formas de política ontológica da subjetividade, políticas da experiência (Laing, 1967).
Considerando que as práticas tecnológicas são, neste sentido, formas situadas de “desvelar” o real, as tecnologias do sujeito assumem-se como práticas locais que permitem versões situadas das subjetividades, justificando o estudo de práticas de meditação enquanto mecanismos performativos.
Meditação Vipassana ensinada por S. N. Goenka[3]
Vipassana é habitualmente traduzido como “ver as coisas tal como elas são” (Hart, 1987). Este movimento teve o seu início em Myanmar e foi trazido para a Índia e para o Ocidente por S. N. Goenka na segunda metade do século passado. As origens desta prática remontam, supostamente, ao Buda Shakyamuni, há 2500 anos atrás.
Para aprender esta técnica, é necessária a inscrição num curso residencial de 10 dias. Estes cursos são em silêncio, duas refeições principais são servidas durante o dia e o sujeito deve meditar durante aproximadamente 10 horas. Existe separação de sexos, e todo o tempo disponível deve ser dedicado à meditação, sem distrações como a leitura, a escrita, a utilização de um telemóvel, etc. É também necessário aceitar os cinco preceitos budistas – não matar, não mentir, não roubar, não consumir intoxicantes e não cometer má conduta sexual.
Em termos da meditação propriamente dita, a maior parte desta tem lugar no hall de meditação, um edifício central dedicado a esta prática. Os participantes são instruídos para se sentarem com as costas direitas numa postura confortável, como a posição de pernas cruzadas, de lótus ou de joelhos (com a ajuda de um pequeno banco).
Os primeiros três dias são passados a praticar Anapanasati, respiração consciente, através da concentração no toque do ar entrando nas narinas. A ideia é ficar consciente das várias sensações que podem ocorrer através desse toque – calor, frio, transpiração, comichão, etc. Depois de alguns dias, o participante é convidado a expandir o foco de concentração para um pequeno triângulo debaixo das narinas, continuando a concentrar-se nas várias sensações que possam aí surgir.
A prática de Anapanasati é uma forma de Samatha (concentração). No budismo, existem dois tipos de meditação: concentração (num único objeto) e Vipassana (também designada de insight) (Sumedho, 1987, pp. 13). A prática de Samatha é usada, durante o curso, para tornar a mente mais precisa, preparando-a para o Vipassana. Os principais problemas que surgem durante esta fase inicial estão relacionados com a manutenção da concentração. A mente não treinada vagueia, perdendo-se em ideias ou outputs externos (como sons ou cheiros). Outros problemas estão relacionados com a postura e a incapacidade em ficar sentado durante uma hora (a duração de cada sessão de meditação). O corpo pode reagir com dor extrema, obrigando o praticante a mudar de postura frequentemente.
A técnica de Vipassana é ensinada no quarto dia. Tem diversos estágios e formas, mas a abordagem mais comum é a condução de um scan corporal. A mente foi treinada para se focar na zona das narinas, procurando sensações. Agora o objeto é o corpo inteiro. O participante é instruído a começar no topo da cabeça. Começa a concentrar-se no topo da cabeça, focando-se numa parte do corpo do tamanho da ponta de um dedo, mas se tal não for possível, podem-se usar áreas maiores. A ideia é, a partir desse ponto, direcionar o foco de atenção para outras partes da cabeça até que todas a áreas, à superfície, sejam sentidas. Depois disso, o sujeito dirige-se para a nuca, a face, o pescoço, o tronco, os braços e as pernas. A ordem não é particularmente importante, o que é crucial é o foco em todo o corpo. Depois de realizado um scan de cima para baixo, o processo é repetido ao contrário.
Existem dois tipos de sensações que podem surgir: sensações “comuns” como comichão, transpiração, calor e frio e sensações subtis, caracterizadas por uma vibração, similar à eletricidade estática. O objetivo é desenvolver uma atitude de equanimidade em relação a todas estas sensações, não desejando sensações positivas ou rejeitando as sensações “comuns” e negativas. O foco contínuo em zonas do corpo com sensações comuns ou sem sensações de todo pode “abrir” estas áreas, fazendo com que sejam preenchidas por sensações subtis. Quando a superfície do corpo está repleta de sensações subtis, o sujeito pode penetrar o corpo de fora para dentro ou vice-versa, aplicando a mesma técnica de observação dentro do corpo, até que nenhuma área cega ou com sensações comuns seja encontrada.
A meditação Vipassana facilita estados alterados de consciência. O sujeito pode sentir o corpo como um fluxo de vibrações subtis (o estado de bangha); também pode ter uma experiência profunda de não-dualidade entre o sujeito e o mundo; pode perder a noção de separação entre o corpo e o ambiente, imaginando que seria possível passar um copo de água através do corpo dissolvido, etc. Estes são relatos típicos de estados alterados de consciência, mas a lição mais importante referente ao processo do corpo/eu em transformação é o desenvolvimento do insight de annica, impermanência. O sujeito apercebe-se do fluxo contínuo de sensações ao longo do corpo, da constante projeção de novos pensamentos e da natureza impermanente da realidade. Através desta realização, o praticante fica equipado (no sentido da paraskeue Foucauldiana) com os mecanismos para desenvolver uma consciência reflexiva do “eu” através do corpo, que se transforma numa estrutura ética recrutada para transformar a conduta do indivíduo.
Apercebendo-se de que em cada episódio de reação existe uma sensação física, o desenvolvimento de equanimidade em relação à emergência de sensações (dada a sua natureza impermanente) “equipa” o praticante de meditação com um forte dispositivo para lidar com problemas emocionais e físicos, transformando a técnica numa “arte de viver”.
Meditação Zen na tradição de Thich Nhat Hanh
Esta secção lida com as diferentes práticas promovidas pela escola Zen do monge vietnamita Thich Nhat Hanh, famoso pela sua abordagem engajada ao Budismo. Iremos focar-nos em diferentes práticas que performam mindfulness (ou plena consciência) que, de acordo com Nyanaponika Thera, é “a consciência clara do que realmente acontece em nós e para nós nos sucessivos momentos de percepção” (Goleman, 1996, pp. 21).
Meditação sentada
O praticante é encorajado a sentar-se com as costas direitas, com três pontos do corpo tocando o chão e com um semi-sorriso. Tanto as práticas de samatha e vipassana são encorajadas mas, para esta tradição, a respiração é da maior importância. A respiração consciente é performada com a ajuda de algumas técnicas; estas práticas podem focar-se em seguir a respiração entrando e saindo das narinas; na consciência do corpo; na realização da unidade entre corpo e mente; na observação das emoções (Hanh, 1996).
A respiração é habitualmente associada a um gatha, um pequeno poema que aumenta a consciência em torno de um objeto particular. Tendo em conta o primeiro exercício, seguir a respiração a entrar e sair das narinas, este é o gatha sugerido: “Inspirando, eu sei que estou a inspirar. Expirando, eu sei que estou a expirar.” (Hanh, 1996, pp. 5).
As diferentes formas de modular a consciência da respiração visam provocar relaxamento, através da concentração, e insight, conhecimento/sabedoria experiencial acerca, por exemplo, dos padrões psicossomáticos do sujeito.
Meditação a Caminhar
A meditação a caminhar (Kinhin) pode ser praticada no interior e/ou exterior. No interior, os praticantes são instruídos a moverem-se lentamente, com um sorriso, sentindo os passos no solo, sendo cuidadosos em relação à pessoa perto à sua frente e coordenando a respiração com os passos. A meditação a caminhar é uma forma de desenvolver atenção durante a realização de uma atividade física, sentindo todo o corpo a mover-se, ampliando a prática de plena consciência da posição sentada para um processo em movimento.
Quando a prática é levada a cabo no exterior, os praticantes estão em contacto direto com a natureza, tornando-se mais atentos ao ambiente, com pausas regulares para a contemplação da paisagem.
De acordo com os meus informantes e com a minha experiência pessoal, esta prática é desafiadora, pois a mente está a ser bombardeada com inputs visuais, exigindo um grande esforço para manter a consciência do momento presente, mas também pode proporcionar uma oportunidade preciosa para ultrapassar o caos mental que muitas vezes absorve os praticantes durante a meditação sentada.
Meditação a Comer
A meditação a comer contempla dois aspetos. O primeiro reporta-se à consciência fenomenológica do corpo que come, uma somastética (Shusterman, 2008) da alimentação. O sujeito enche a colher lentamente, sentindo os movimentos do braço e da mão até ao utensílio chegar à boca. O sujeito é convidado a sentir todos os movimentos que faz, lentamente mastigando a comida até que esta é liquidificada antes de chegar ao estômago – come-se muito lentamente e menos do que numa situação normal.
O segundo aspeto reporta-se à consciência do processo que leva à existência da comida na mesa. Somos encorajados a contemplar a totalidade do processo – diferentes formas de trabalho humano (semear, cozinhar, guiar); a transformação de sementes em plantas, os elementos necessários para esse processo e a energia que estes geram.
A alimentação é transformada na dimensão performativa mas também ética, sob a égide da base ontológica do Inter-Ser, a ideia de que todos estamos interligados e de que as nossas ações têm uma influência que transcende a esfera individual.
Outras práticas de plena consciência
Existem outras práticas que são recrutadas para alcançar, manter e performar a plena consciência. Existe meditação a trabalhar, em que o processo do trabalho se torna o objeto da atenção. Há uma frase interessante que resume o “espírito” desta prática: “Existem duas formas de lavar os pratos: a primeira é lavar os pratos para ter pratos limpos, e a segunda é lavar os pratos para lavar os pratos” (Hanh, 1976, pp. 7). Também existem sinos de plena consciência, e o som do sino transcende o mero anúncio de uma certa atividade agendada, tornando-se numa oportunidade para o sujeito voltar a si mesmo, focando-se na respiração e no corpo; existe também uma forma de levar a cabo o exercício físico em plena atenção, com o desenvolvimento de 10 movimentos de plena consciência similares ao Tai Chi e também meditação a telefonar.
Estas diferentes formas de meditação Zen visam permitir a plena consciência. Apesar de algumas destas tecnologias serem desafiantes, no sentido em que não são levadas a cabo no ambiente controlado do hall de meditação, são práticas que visam induzir calma, maior consciência do momento presente, um sentido mais forte do corpo e uma maior concentração nas tarefas levadas a cabo. Os meus entrevistados afirmam regularmente que se “sentem presentes” – “Quando me entrevistas, eu sei que estou a ser entrevistado, estou presente.” (Informante, fevereiro de 2011). Para além desta experiência progressiva de estar presente, com origem numa mente calma, estes também referem transformações éticas que derivam de uma maior consciência das suas ações sobre si próprios e sobre o mundo. Já que esta tradição se centra na vida diária como uma fonte de insight, a meditação é considerada como um processo constante de consciência das ações do sujeito, acompanhado por uma aceitação do “eu” e dos outros.
Depois de termos introduzido estes dois estudos de caso, como podemos fazer a ligação entre estas práticas “espirituais” e as preocupações teóricas dos ECT acerca de política ontológica? Em primeiro lugar, devemos identificar uma série de eixos ou vértices responsáveis pelos processos de subjetivação levados a cabo por estas práticas, questionando como é que estas versões do sujeito são “materializadas”, sendo esse o objetivo da próxima secção.
Eixos de subjetivação
Estes dois movimentos de meditação, enquanto projetos do sujeito, “recrutam” uma série de dispositivos para transformar a subjetividade humana. Esta secção sugere uma série de instâncias que articulam diferentes formas utilizadas por estas tecnologias para performar esses processos de transformação.
Espacialidades
Para permitir a transformação da subjetividade, é necessário que o sujeito participe num “retiro”. Estes retiros têm habitualmente a duração de 10 dias, no caso da meditação Vipassana, enquanto que no caso da meditação Zen este período é variável. A imposição de diversas regras tem como objetivo a criação de um novo regime existencial para o sujeito. Isso pode incluir a imposição de silêncio, o cumprimento de um horário específico (ditando a que horas o indivíduo deve dormir, comer, meditar ou trabalhar), a presença contínua no hall de meditação ou a exposição a um determinado ambiente natural (onde impera o contato com a natureza, como no estudo de caso sobre Zen). A presença no retiro, que tanto pode ser um mosteiro budista (Zen) como um centro de meditação (no caso Vipassana) assume-se como promovendo uma psicogeografia (Debord, 2006) que contrasta com o espírito da metrópole (Simmel, 1950) [1903] a que os sujeitos habitualmente estão expostos. Neste sentido, a transformação do contexto espacial dos indivíduos insere-os em espaços disciplinares que se constituem, como o panótico de Foucault, como “laboratórios de poder” (Foucault, 1995), máquinas institucionais que visam determinados modelos do sujeito, e que para isso multiplicam uma série de dispositivos como regulações, posicionamentos ou diferentes formas de gestão do corpo e da mente. Enquanto “máquinas” contendo scripts de subjetivação, outro mecanismo importante para a fabricação de novas subjetividades diz respeito às performances.
Performances
No âmbito dos ECT, as noções de performance e performatividade assumem um particular relevo nas discussões sobre política ontológica. No caso destas tecnologias meditativas, a transformação da performance do sujeito assume uma dimensão central. De facto, no caso da meditação Vipassana encontramos três formas distintas de levar a cabo performances meditativas (para além de Anapanasati e Vipassana, existe também o Metta, em que são expandidos pensamentos e sentimentos de compaixão), envolvendo a atenção sobre dimensões viscerais (como a respiração ou as diferentes sensações à
superfície do corpo) ou promovendo uma verbalização interior com o objetivo de “expandir” determinadas qualidades ou estados mentais para além das barreiras somáticas (no caso do Metta). Estas diferentes formas de modular a atenção e de direcionar a verbalização interna são mantidas enquanto o corpo se encontra sentado, com as costas direitas, os olhos fechados e a respiração se processa através das narinas.
No caso da tradição Zen, encontramos diferentes abordagens que se enquadram numa modulação das performances do sujeito. Estas modulações adquirem substância através de diferentes formas de gerir os movimentos ao andar, sentar, trabalhar ou até telefonar. Além de incluírem uma gestão somática, estão também associados a verbalizações internas, os gathas, ajudando o sujeito a estar plenamente consciente da ação levada a cabo. Ao gerir a totalidade da dimensão performativa do indivíduo, ou maximizando uma determinada performance, estas tecnologias levam a cabo determinados planos de ação. Outro aspeto importante diz respeito à importância dos materiais na constituição de novas subjetividades.
Materialidades
A constituição de novas subjetividades requer uma série de associações com agentes não humanos, que têm o poder de suportar, permitir ou até despoletar certos estados. Em primeiro lugar, a posição meditativa é suportada por diferentes actantes (Latour, 2004), como almofadas, pequenos bancos ou outros suportes. É habitual, no início da prática meditativa, um desconforto geral em relação à postura, obrigando o praticante a procurar a forma ideal de estar sentado, aquela que lhe permite manter as costas direitas durante o maior período de tempo com o mínimo de dor possível. Os sinos, usados em ambas as tradições, também têm um papel relevante. Dependendo da sua utilização, tanto podem assumir-se como instrumentais ou substanciais, segundo a distinção de Verbeek (2008). No caso do Vipassana, estes apenas servem para
anunciar o início de uma determinada atividade, como o almoço ou um período para meditação. No entanto, no caso da tradição Zen que estamos a analisar, estes sinos têm um papel fundamental. De facto, quando estes são “convidados”, os praticantes devem parar tudo aquilo que estão a fazer e respirar três vezes, voltando a atenção para o momento presente. Este é um exemplo claro de como um agente não humano transporta um determinado programa de ação, ativado em certas circunstâncias, justificando a assunção de Latour de que a disciplina não pode existir sem o metal das chaves e fechaduras (Latour, 1991). No caso da meditação Vipassana, estamos perante um projeto de transformação subjetiva que é permitido por suportes tecnológicos (como televisões ou rádios) que emitem instruções acerca da prática. Como o “guru”, S. N. Goenka, não está habitualmente presente nos retiros de 10-dias, existem gravações com os discursos e as instruções, constituindo aquilo que Foucault designava como “governo à distância” (Foucault, 2007). Dessa forma, o retiro emerge através da reprodutibilidade permitida pela tecnologia, e a função dos organizadores é otimizar a possibilidade para a prática de meditação de acordo com as instruções recebidas. As sessões de meditação começam quando os professores assistentes pressionam os botões das aparelhagens, e o mesmo acontece com os discursos noturnos – pressiona-se o botão play e a tecnologia encarrega-se de implementar diferentes programas, que tanto podem dizer respeito a transformações performativas, a instâncias de hermenêutica da experiência ou regulações.
Experiências
Uma dimensão essencial dos processos de subjetivação inerentes a estas tradições passa pela transformação de como os indivíduos experienciam os seus corpos, mentes e o ambiente. Neste sentido, estamos perante formas de “política da experiência”, expressão utilizada por R. D. Laing (1967) para caracterizar a ação da psiquiatria ocidental. A literatura sobre meditação inclui mapas detalhados acerca das várias fases ou etapas fenomenológicas que determinadas práticas implicam (ver, a título de exemplo, Goleman, 1996). Em relação a estes dois movimentos, existe a tentativa de concretizar, através da
meditação, determinados princípios ontológicos. No caso da meditação Vipassana, há a tentativa de promover a experiência de anicca, impermanência, que deve ser experienciada ao nível somático. Dado que as performances de Vipassana têm a capacidade de fazer surgir uma série de sensações ditas subtis, similares a uma vibração, isto é considerado como uma indicação de que de facto a realidade é impermanente. Em termos ontológicos, isto significa que o corpo é composto por um aglomerado de kalapas , ou partículas subatómicas, que começam a ser “sentidas” como uma vibração à medida que a capacidade de concentração é “refinada”. Esta correlação entre experiência e “realidade” ou “verdade”, nomeadamente acerca da dimensão mais subtil da existência, transforma o meditador num cientista de si próprio e o retiro num laboratório de auto-conhecimento. Estas metáforas científicas, amplamente utilizadas nos discursos de S. N. Goenka, são particularmente interessantes, e procuram justificar a cientificidade da prática, o que encontra paralelos com outras organizações “budistas”, que se associam às neurociências para justificar as assunções milenares de Buda acerca da natureza da realidade (um bom exemplo são os diálogos entre Dalai Lama e vários neurocientistas e psicólogos, ver, por exemplo, Goleman, 2004). No caso da tradição Zen em causa, encontramos a mesma “performatividade” da experiência, através de uma série de associações com performances, materiais e discursos. Desta vez, a ontologia que se tenta implementar diz respeito ao Inter-Ser, através da contemplação dos elementos não humanos durante uma sessão de meditação no exterior ou do processo responsável pela produção da comida. Em relação a outros humanos, é habitual, para os praticantes mais avançados, associar um determinado comportamento ou emoção a um antepassado, como um pai ou alguém da família, considerando-se que os padrões de comportamento são transmitidos de forma intergeracional. Se, no caso da meditação Vipassana, o corpo é “dissolvido” através do caráter subtil da experiência impermanente, nesta tradição Zen encontramos formas de desconstruir a permanência do sujeito através da constatação (e experiência) de diversas associações e arranjos que colocam em causa aquilo que Elias designava como o homo clausus, o sujeito fechado em si mesmo.
Para além destas associações entre experiência e ontologia, há algo importante que devemos referir, nomeadamente a possibilidade que estas práticas oferecem para a emergência de estados alterados de consciência, a vivência de realidades que não estão ao alcance das redes performativas e materiais ditas “normais”. Um pouco à imagem do microscópio, como Leary sublinhou, estas práticas geradoras de “estados alterados de consciência” permitem o acesso a “níveis de energia que estão invisíveis ao olho humano. O ligar-se [Turning On] requer uma mudança na fisiologia do corpo humano” (Leary, 1999, pp. 38). Esta mudança “fisiológica” permite a emergência de vários fenómenos: sentir o corpo como uma vibração
energética subtil; suspender (ainda que momentaneamente) o fluxo contínuo de pensamentos; aumentar a sensibilidade e concentração; experienciar visões e alucinações diversas ou até desenvolver capacidades paranormais, os chamados siddhis, associados ao domínio de jhanas, ou estados de absorção (Dipa Ma, uma praticante de Vipassana na tradição de Mahasi Sayadaw, supostamente desenvolveu uma série de capacidades paranormais que incluíam a capacidade de bilocação, telepatia, conhecimento de vidas passadas, etc, ver Schmidt, 2005). No fundo, estamos perante aquilo que Pickering (1995) designou como non standard human performances, estados alterados de consciência e de interação com o real permitidos
por uma radical alteração performativa do sujeito, através da adoção de práticas que alteram o quadro associativo “habitual”. Desta forma, estas tecnologias oferecem novas possibilidades e potencialidades para a prática e experiência humana. Se Deleuze (1968), seguindo Espinosa, perguntou “O que pode um corpo fazer”, através destas duas práticas meditativas encontramos formas de ampliar as capacidades físicas e mentais, resgatando a totalidade humana daquilo que poderíamos designar como as monoculturas ou autismos experienciais da modernidade.
Ética
Estes movimentos de meditação visam uma transformação total do indivíduo que apenas é permitida através da prática contínua, idealmente mantida depois do período de retiro. A noção grega de paraskeue, analisada por Foucault (2006) e habitualmente traduzida por equipamento ou por instruções, faz com que possamos interpretar estas tecnologias do sujeito como programas ou mecanismos que podem ser ativados no dia-a-dia para lidar com as mais diversas situações. Em primeiro lugar, temos a manutenção de práticas “regulares”, como meditação a caminhar ou meditação sentada, que suportam a continuidade de certos estados mentais, que podemos designar de plena consciência (Zen) ou de “felicidade” (Vipassana). De facto, a continuidade da prática tem como efeito uma alteração radical na forma como o sujeito experiencia as suas emoções e sensações, desenvolvendo-se progressivamente uma maior capacidade para lidar com o sofrimento – a prática de meditação é um treino em que o sujeito se confronta com as mais variadas manifestações físicas e mentais, devendo manter a performance independentemente do que surja no teatro da consciência. Esta robustez mental, plena consciência ou “equanimidade” acabam por ser fruto da prática continuada de meditação, constituindo-se como o pano de fundo da experiência do sujeito, atribuindo um novo significado aos seus estados emocionais.
Outro aspeto importante relativo a estas práticas é a sua capacidade de “ativação” durante o dia a dia. Mecanismos de atenção direcionada para as dimensões viscerais do indivíduo, como a respiração ou sensações corporais, podem ser recrutados quando uma situação complicada ocorre, gerando uma emoção forte. Nesse sentido, um praticante de Vipassana é encorajado a voltar a sua atenção para as sensações que ocorrem, mantendo a atitude de equanimidade que caracteriza a performance clássica deste movimento, a meditação sentada. Neste caso, há uma expansão do ethos performativo (Spry, 2010) de uma tecnologia do sujeito para a vida do cidadão, fora do espaço dedicado à prática. No caso do Zen, existe uma
variedade de ferramentas que podem ser mobilizadas para lidar com situações desafiadoras: quando surge raiva, o indivíduo é convidado a praticar meditação a caminhar, para poder gerar tranquilidade, e eventualmente lidar com a emoção que o assola. Existem também práticas que podem ser recrutadas para lidar diretamente com problemas de ordem interpessoal. Uma destas práticas é designada “começar de novo”, e consiste em três fases: na primeira, a pessoa que inicia a prática levanta-se, com as palmas das mãos juntas, e elogia as qualidades positivas do indivíduo com quem teve um desentendimento; seguidamente, o mesmo sujeito mostra o seu arrependimento por algo que possa ter dito ou feito e que
possa ter prejudicado ou magoado a outra pessoa; finalmente, o indivíduo partilha a causa do desentendimento, algo que pode ter sido dito ou feito pela outra pessoa ou pela comunidade (Hanh, 2009, pp. 72-3).
Finalmente, estas práticas, enquanto enquadradas na ética Budista, promovem os 5 preceitos referidos anteriormente. No caso da tradição Vipassana, estes assumem-se na forma comum do budismo Theravada – como preceitos, sendo parte da sila, ou moralidade, uma das três fundações desta prática (sila, samadhi [concentração] e panna [sabedoria, através da prática de Vipassana]). No caso da tradição Zen em causa, encontramos uma reformulação destes preceitos. Estes “mandamentos” são entendidos e adaptados aos tempos modernos como uma espécie de dieta; ao invés de promoveram um conjunto de proibições, manifestam-se como uma forma de gerir as interações entre sujeito e ambiente, incluindo, entre outras coisas, o cuidado com o consumo de certas “toxinas” (como, por exemplo, determinados elementos que podem causar emoções ou energias nefastas, em filmes ou programas de televisão) que estão presentes no “social”.
A política ontológica da meditação
Como ficou ilustrado através dos diversos eixos de subjetivação operados pelos dois movimentos de meditação em causa, estes visam a fabricação de subjetividades através de uma série de vetores que envolvem diferentes posicionamentos espaciais do indivíduo, formas de regulação das interações entre sujeito e ambiente, modulações das dimensões experienciais e performativas, incluindo a manutenção das disposições meditativas através da multiplicação de certos “equipamentos”.
O regime de performatividade operado por estes projetos de subjetividade não é meramente discursivo (como nas abordagens de Foucault ou Butler) nem material (Pickering, 1995). Barad, numa tentativa pós-humanista de pensar a performatividade, sugere o termo material-discursivo (Barad, 2003). Porém, no caso da meditação, parece-me que estas práticas operam através de três mecanismos: o performativo (encarando estas tecnologias do sujeito como práticas que visam uma alteração dos automatismos performativos do humano, sejam eles mentais ou físicos); o material (através de associações com regimes de organização espacial ou interações entre humanos e não humanos [como sinos, almofadas ou nutrientes]) e o discursivo (através da exposição a uma rede hermenêutica que atribui significado à experiência, enquadrando-a dentro da malha conceptual do Vipassana ou Zen).
Desta forma, estamos perante agenciamentos heterogéneos, que “recrutam” e são constituídos por agentes humanos e não humanos, performances e regimes discursivos que permitem diversas associações e disposições subjetivas. Porém, a noção de política ontológica implica, como está patente nos debates dos ECT, a questão normativa, relacionada com as implicações de determinadas intervenções científicas e tecnológicas. Em suma, diferentes associações, materialidades e tecnologias produzem diferentes versões do real; neste sentido, devemos questionar-nos acerca das implicações ontológicas destas práticas meditativas. Consequentemente, irei questionar as ontologias do sujeito promovidas por estas práticas, assim como as implicações que estas acarretam para pensar a questão do “social”.
Ontologias do Sujeito Meditativo
De que forma é que estas ontologias do sujeito diferem das versões “tradicionais” do sujeito moderno? Parece-me que estas práticas meditativas oferecem uma série de alternativas à ontologia do sujeito moderno, tal como este é concetualizado nas versões de Descartes, Foucault ou Elias.
Em primeiro lugar, estamos perante práticas que promovem o primado do corpo, invertendo a lógica cartesiana do domínio da res cogitans. O processo de libertação operado pelo Vipassana é levado a cabo através da atenção aos processos somáticos, às várias sensações que ocorrem à superfície do corpo. Já no caso da tradição Zen, encontramos uma diversidade de práticas de plena consciência que privilegiam a atenção ao corpo, esteja ele em movimento, sentado ou em repouso. Thich Nhat Hanh chegou mesmo a desenvolver uma série de exercícios de plena consciência que devem ser praticados mantendo a disposição
meditativa. Em segundo lugar, estas tecnologias do sujeito questionam a individualidade moderna, o super-ego Freudiano que é o resultado das alterações de conduta analisadas por Elias ou o sujeito individualizado de Foucault, produto de mecanismos disciplinares. No caso do Vipassana, o sujeito é desconstruído, descentrado através da ontologia de anicca, impermanência, experienciada ao nível do corpo, como o fenómeno de bangha, ou dissolução, ilustra. Estamos perante um regime experiencial em que o corpo perde solidez, transformando-se num fluxo de energia que ultrapassa as barreiras corporais, e as fronteiras entre sujeito e ambiente são suspensas através desta transformação do sujeito em energia. No caso da prática Zen, encontramos formas de suspensão da individualidade através do reconhecimento de que as energias habituais são “partilhadas” com antepassados (quando uma determinada energia se manifesta, esta pode ser associada a outra pessoa, pelo que lidar com essa energia acaba por ter um impacto transpessoal) e de que existe uma profunda interação entre humanos e ambiente. De facto, estamos perante práticas que permitem a incorporação de uma ecologia profunda, constatando-se uma simetria entre humanos e não humanos que deve também ser concretizada através da vida ética.
Em terceiro lugar, estas práticas ampliam os limites da experiência humana. Apesar de, em fases iniciais, a disciplina hetero-imposta (como ilustra o papel do retiro como laboratório de poder) assumir alguma relevância, o objetivo destas tradições não é a produção de um sujeito dócil, obediente e produtivo, como visam as instituições disciplinares de Foucault. Estas tecnologias potenciam estados alterados de consciência que se manifestam em momentos de tranquilidade ou em realizações relativas à natureza do sujeito e do mundo. Apesar destas manifestações se darem num espaço “interior”, do teatro da consciência, a sua emergência está associada a tecnologias e performances “espirituais” que promovem uma agitação do sujeito enquanto criatura existencial. Esta ampliação da experiência humana manifesta-se no contato com emoções, memórias e sensações que estão vedadas pelos regimes comuns da performance humana. No entanto, não estamos apenas perante a reflexividade de um sujeito que se vira sobre si mesmo, desconstruindo-se – assistimos também à abertura de espaços transpessoais, aquelas dimensões da consciência “para além das fronteiras usuais dos nossos corpos e egos, assim como para além dos limites físicos das nossas vidas diárias” (Grof e Bennet, 1993, pp. 84). Estes espaços fenomenológicos permitem-nos encarar as políticas ontológicas destes regimes meditativos como oferecendo alternativas para os agenciamentos psicossomáticos da modernidade ocidental, através de novas formas de experienciar a intersubjetividade ou as potencialidades das mentes e corpos humanos. Não estamos, no entanto, perante uma espécie de transhumanismo espiritual, implicando uma espécie de espiritualização ou orientalização da hubris da tecnociência moderna, mas sim perante a possibilidade de experienciar a existência humana na sua plenitude.
Dado que estas práticas promovem versões diferentes daquilo que os humanos são ou em que se podem transformar, a próxima secção deste artigo será dedicada a uma breve reflexão em torno das articulações que estas tecnologias sugerem entre o sujeito e o social.
O papel do social
Latour (2005) questionou a primazia conferida pela sociologia aos processos “sociais” e antropogénicos na constituição das sociedades “humanas”. O autor francês argumentou que esta primazia está associada a uma sociologia essencialmente Durkheimiana, conferindo o exemplo dos trabalhos de Tarde como uma alternativa à sociologia antropocêntrica, uma inspiração para a teoria do ator rede. Latour salienta (assim como outros teóricos ligados à teoria do ator rede ou a uma sociologia pós-humanista) que é necessário atentar nas associações entre humanos e não humanos, na importância das dimensões materiais na constituição dos processos sociais. O “social”, neste caso, transforma-se num agenciamento constituído por associações entre humanos e não humanos. Porém, e como estas tecnologias de meditação ilustram, para
além das associações entre subjetividades e não humanos é também necessário ter em conta o papel do performativo, que abre novos regimes de possibilidade para as mentes e corpos humanos.
Foucault reconheceu a importância política das tecnologias do sujeito, afirmando que: “(…) as relações de poder, a governamentalidade, o governo de si e dos outros, e a relação do eu a si próprio estabelecem uma cadeia […] e eu penso que é em torno destas noções que nós deveríamos conseguir ligar a questão da política à questão da ética” (Foucault, 2006, pp. 252). Esta ligação entre ética e política, no meu entender, deve ser compreendida sob o ponto de vista ontológico. Os regimes de subjetivação propostos por estes movimentos de meditação são políticos, no sentido em que promovem formas específicas do sujeito lidar com as suas emoções, o seu corpo, de gerir as relações interpessoais, de constituir o universo fenomenológico a que os humanos podem aceder, etc; estamos, consequentemente, perante mecanismos de subjetivação total da ontologia do indivíduo, constituindo políticas da experiência. Como devemos, então, pensar a questão do “social” no âmbito destes projetos de subjetividade? Parece-me que existem dois pontos que devemos abordar: em primeiro lugar, estes mecanismos reforçam a ideia de que as subjetividades são fabricadas em função de determinados arranjos sociais, incluindo diferentes mecanismos (materiais, performativos e discursivos) de subjetivação; em segundo lugar, estas práticas estão associadas a uma série de tentativas de transformação do social através da difusão de ontologias meditativas.
De facto, os retiros podem ser encarados como uma forma de suspender os mecanismos de subjetivação do “social”, transformando-se em laboratórios de transformação do sujeito e permitindo, através de novas associações, a criação ou manutenção de novas ontologias do sujeito. Enquanto espaços transformativos, estes retiros assumem-se como microcosmos onde é possível a emergência de certas disposições através da submissão de corpos e mentes ao que Goffman (1991) designava como instituições totais, e que no âmbito da nossa análise podem ser entendidas como aquelas instituições que “gerem” o indivíduo na sua totalidade. No entanto, se os retiros são a possibilidade para a reescrita dos mapas ontológicos do sujeito, a questão que se coloca é a seguinte: porque é que estes “retiros” necessitam de uma subjetivação disciplinar do indivíduo, assemelhando-se a instituições totais? Penso que a resposta a esta questão deve ter em consideração a existência de programas de ação em conflito, nomeadamente entre um que diz respeito aos projetos de subjetividade meditativa e outro que está relacionado com a forma como os sujeitos são “fabricados”, “educados”, etc, por aquilo que vagamente poderia ser designado como a política da experiência “comum”. Eventualmente, poderíamos argumentar que, nas nossas sociedades, a
educação não é suficientemente voltada para a dimensão estética. Huxley (1963) argumenta que é precisamente essa vertente que devia ser explorada, designada como as humanidades não verbais, que lidam diretamente com a experiência. Shusterman (2008) também afirma que a dimensão estética está “ausente” dos currículos das humanidades ocidentais, fazendo um apelo para a promoção daquilo que ele designa como a “somaestética”, associada a um conjunto de práticas que visam reconciliar os humanos com os seus corpos.
Outro aspeto que devemos salientar relativamente aos retiros é que, enquanto agenciamentos heterogéneos, estes evidenciam as articulações entre ética e tecnologias do sujeito – ao promoverem formas específicas de experienciar o corpo, a mente e o intersubjetivo, estes recrutam uma diversidade de dispositivos performativos, materiais e discursivos que são a “base” para a transformação ética e experiencial do indivíduo. Isto significa que as tecnologias do sujeito contêm determinados scripts éticos que acompanham diversas gestões dos automatismos humanos. Um aspeto que me parece relevante é que estes movimentos produzem diferentes discursos críticos, manifestos em publicações ligadas ao Vipassana
e à ordem de Thich Nhat Hanh, em relação às sociedades contemporâneas. Esta dimensão de “negatividade”, assim como as reações, por vezes dolorosas, de quem participa nestes retiros (principalmente nos Vipassana, particularmente exigentes) sugerem que estamos perante um conflito entre regimes de subjetivação, entre estas tecnologias do sujeito e os anteriores automatismos e regimes de fabricação dos sujeitos (chamemos-lhe modernos, contemporâneos ou “ocidentais”). Este conflito é também interessante na medida em que pode suportar uma hermenêutica diatópica, tal como esta é entendida por
Santos (2006), encarando-se estes projetos espirituais como dinamizadores de novas possibilidades para a constituição e crítica da subjetividade.
Finalmente, estes movimentos de meditação promovem uma série de aplicações “sociais” das suas tecnologias. No caso da meditação Vipassana, registamos a existência de cursos para crianças, empresários e até para presos3. No que diz respeito a Thich Nhat Hanh, este foi o grande percursor do Budismo socialmente envolvido, e destacou-se principalmente durante a guerra no Vietname – as suas ações valeram-lhe ter sido nomeado para prémio Nobel da Paz em 1967 por Martin Luther King. Outras ações associadas a este movimento prendem-se, por exemplo, com a organização de retiros para israelitas e palestinianos ou com o apoio a refugiados no golfo do Sião. Para facultarmos o historial, a amplitude e o alcance das aplicações sociais destes movimentos necessitaríamos de outro artigo; porém, no âmbito do presente texto, existem três aspetos relevantes que devemos referir em relação às articulações que estes movimentos estabelecem entre tecnologias do sujeito e aplicações sociais.
Em primeiro lugar, encontramos uma redução dos conflitos sociais às suas dimensões psicológicas e individuais. Os crimes são cometidos devido a uma certa ordem performativa e experiencial “reativa” – a criminalidade é compreendida como o resultado de “ignorância”, a reação “cega” a sensações, no caso do Vipassana. No caso do movimento Zen, a guerra existe porque os sujeitos não cuidam de “si”. De acordo com Thich Nhat Hanh, a política é o resultado da consciência coletiva, devendo ser “gerida” de uma forma bottom-up – a psique coletiva deve ser transformada através de práticas de plena consciência (Hanh, 1993).
Em segundo lugar, a transformação do indivíduo requer a mobilização de mecanismos “técnicos”. Para ultrapassar um estado de ignorância e de reação cega a sensações, o prisioneiro tem de ser “subjetivado” pela técnica, compreendida como um mecanismo para produzir sujeitos equânimes. Num registo similar, a paz entre israelitas e palestinianos requer a mobilização de tecnologias de plena consciência. Quando os israelitas e palestinianos iniciaram o retiro, tiveram de ser treinados no ethos performativo desta tradição, comendo, caminhando e sentando-se em plena consciência – para reforçarem o movimento de paz, tiveram de ser submetidos a dispositivos meditativos.
Finalmente, a dimensão intersubjetiva é governada pelas assunções ontológicas e pelas performances que sustentam estas tradições. Com o Vipassana, o prisioneiro disciplinado exemplifica a manutenção de equanimidade em relação à impermanência – a técnica providencia a estrutura para alterar o comportamento depois de enquadrar as disposições pré-meditativas e “criminais” como uma reação ao desejo e repulsa em relação a sensações. Com o movimento Zen, a paz social é considerada uma manifestação da ontologia espiritual do Inter-Ser, já que as práticas de plena consciência são consideradas
uma forma de “ser paz” em relação a si próprio (Hanh, 1997) – isto significa que é através da realização do
Inter-Ser que se podem ultrapassar as barreiras entre vítima e agressor.
Conclusão
Este artigo procurou, a partir de uma perspetiva dos ECT, analisar dois movimentos de meditação como operando políticas ontológicas. Foram analisados vários eixos de subjetivação, responsáveis pela fabricação de disposições meditativas, assim como as ontologias do sujeito que estes movimentos promovem e a forma como estes concetualizam (e complicam) a questão do social.
Estes dois conjuntos de antropotécnicas (Sloterdijk, 2009) ilustram como diferentes subjetividades emergem através da submissão dos humanos a agenciamentos heterogéneos que comportam dimensões materiais, performativas e discursivas; como os efeitos destes agenciamentos promovem disposições substancialmente “distintas” das versões “modernas” do sujeito; como o social é, segundo estes movimentos, um “efeito” ou macrocosmo destas disposições e automatismos, sendo necessário promover e multiplicar uma série de técnicas meditativas para que o socius também seja transformado (nomeadamente ao nível da criminalidade ou de conflitos bélicos, etc).
Reconhecendo a dimensão política das intervenções sociotécnicas, as práticas promovidas por estes movimentos constituem alternativas às conceções dominantes de subjetivação, implicando diferentes formas de constituir o campo da ética, da experiência e do social. Independentemente da validade dos imaginários subjetivos e coletivos difundidos por estas tradições, elas reforçam a profunda performatividade dos humanos. Através deste exercício de desconstrução dos mecanismos de transformação meditativa, podemos questionar uma série de elementos que constituem aquilo que consideramos como a “nossa” individualidade, nomeadamente a multiplicidade de processos que a suportam. Através do reconhecimento da multiplicação de agentes e redes comportando programas de subjetivação, abrem-se possibilidades para
o estabelecimento de novas associações entre humanos, não humanos e performances, o que justifica a pertinência da famosa frase de Hassan I-Sabbah – “nada é verdadeiro, tudo é permitido” (Nietzsche, 2006 [1887], pp. 111).
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[1] Este artigo é o resultado de uma comunicação feita na conferência organizada pela Secção Temática Conhecimento, Ciência e Tecnologia da Associação Portuguesa de Sociologia (APS) no ISEG-UTL, Lisboa, nos dias 18 e 19 de Novembro de 2011. Como não me foi possível estar presente, gostaria de agradecer à Doutora Susana Costa o facto de ter lido o texto da minha apresentação. O meu trabalho de investigação é financiado por uma bolsa de doutoramento da FCT.
[2] O material apresentado neste artigo é o resultado de uma metodologia multifacetada. Por um lado, envolve observação participante. Participei em dois retiros de Vipassana de 10 dias, em 2010 e 2011, em Inglaterra, e em dois retiros junto da organização de Thich Nhat Hanh em 2011, no principal mosteiro desta linhagem (situado no sul de França), primeiro por duas semanas e depois por uma semana. Participei também nas reuniões semanais de grupos locais ligados a estas organizações em Exeter, por períodos entre 8 meses (no caso do grupo Zen) e 5 meses (no caso do Vipassana) envolvendo, por diversas ocasiões, cursos com a duração de um dia, dedicados à prática intensiva de meditação. Através do contato com praticantes destas
tradições, consegui ter acesso a sujeitos que se mostraram disponíveis para serem entrevistados, culminando na realização de 25 entrevistas semiestruturadas, envolvendo tanto principiantes como participantes com décadas de prática. Como alguns dos aspetos ligados à prática meditativa são difíceis de traduzir, desenrolando-se no âmbito daquilo que Bataille (1988) designa como a “experiência interior”, as minhas experiências com meditação também se revelaram importantes para compreender o “funcionamento” destas práticas. Outros materiais, como livros publicados por estas organizações, blogs onde se encontram relatos com experiências de meditação e mesmo documentários acerca de aplicações “sociais” destes
movimentos também se revelaram úteis para a redação deste artigo.
[3] A introdução desta prática em prisões deu origem a três documentários. O mais famoso é chamado “Doing Time, Doing Vipassana” (1997), acerca de cursos Vipassana na prisão central de Tihar, Nova Deli, e na prisão Baroda em Gujarat, India; também existe um documentário chamado “The Dhamma Brothers” (2008), acerca da introdução destes cursos na Donaldson Correction Facility, Alabama. Existe também um documentário chamado “Changing from Inside” (2006) que apresenta a introdução de Vipassana na North Rehabilitation Facility (N.R.F.) da King County Jail em Seattle, Washington.
Autores: António Carvalho