Nº 5 - novembro 2012

Sofia Bento. Docente no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa e investigadora do SOCIUS. E-mail: sbento@iseg.utl.pt.

Emília Araújo. Docente no departamento de Sociologia da Universidade do Minho e investigadora do Centro de Investigação em Ciências Sociais e do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. E-mail: era@ics.uminho.pt.

Ana Oliveira. Mestre em Economia e Gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação no Instituto Superior de Economia e Gestão. E-mail: anaoliveira@anaoliveira.net.

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Resumo: Este artigo procura entender as práticas de mobilidade dos investigadores durante a sua carreira. A pesquisa exploratória baseou-se num centro de investigação em biomedicina onde foram recolhidos informação documental, Curriculum Vitae (CVs) de 101 investigadores e foram realizadas entrevistas a uma amostra limitada de investigadores. Retratamos aqui a forma como a mobilidade se encaixa na carreira destes cientistas. Os vários percursos analisados mostram como a mobilidade, presente ao longo de toda a carreira, se torna mais articulada na fase de doutoramento, e quais as principais motivações do investigadores em optarem pela mobilidade.

Palavras-chave: mobilidade; carreira; conhecimento; ciência

Abstract: In this article we discuss some of the main features of the practices of geographical mobility of Portuguese researchers. The article is grounded on the debate on the impacts and dynamics of mobility in the development of scientific careers and is based on an empirical study done in a biomedical research center in Portugal. The exploratory research involved documental information, analysis Curriculum Vitae (CVs) of 101 researchers and semi-structured interviews with a group of researchers. The information provided shows that mobility characterizes the careers of researchers, particularly during doctoral and post-doctoral phases.

Keywords: mobility, career, knowledge, science

Introdução

A palavra “mobilidade” pode estar associada a uma transferência geográfica, quando envolve a deslocação de investigadores entre países ou regiões. Mas também pode ser de tipo institucional (Mahroum, 2000), quando o investigador se move de uma instituição para outra. Além disso, a mobilidade será científica se descrever mudanças entre áreas disciplinares no decurso da trajetória académica do investigador.

Ultimamente, a mobilidade geográfica tem vindo a ser estudada por se considerar ter um papel relevante no fortalecimento dos sistemas nacionais de ciência e tecnologia (Ackers, 2005a; 2005b; 2005c; Delicado, 2007, 2008; Fontes, 2007; Araújo, 2007). Na literatura, tem-se defendido que a mobilidade atua sobre a dinâmica e a consistência das redes de investigação, propulsoras de ganhos na disseminação do conhecimento e na inovação científico-tecnológica. Este artigo incide sobre as trajetórias de investigadores atualmente a desempenhar funções num centro de investigação em biomedicina classificada como excelente e detentora de renome internacional na área das ciências da vida, área que se têm projetado recentemente como central no confronto com os desafios da sociedade futura (Beck et al, 2003). Constitui objetivo central do texto evidenciar três pontos: saber quais os momentos da carreira em que mais frequentemente ocorre a mobilidade geográfica internacional, elucidar sobre os sentidos e as valorizações atribuídas pelos próprios investigadores a esses percursos e, finalmente, evidenciar os fatores motivacionais subjacentes à mobilidade internacional.

Consideremos, para efeito de introdução, que, desde os anos 80 do século passado, Portugal tem investido em bolsas de formação, enviando investigadores fora do país para se formarem ou prosseguirem pesquisas de doutoramento e pós-doutoramento (Henriques, 2006; GPEARI, 2009). Esta aposta na internacionalização na fase de formação pós-graduada começou já nos anos 70. De facto, nos anos 70, o número de doutoramentos, realizados ou reconhecidos por universidades portuguesas, era de 292, face a 477 doutoramentos realizados no estrangeiro. Na década seguinte, o número total de doutoramentos quase triplicou, sendo o número de doutoramentos realizados em Portugal de 1.247 face a 818 realizados no estrangeiro. No cômputo geral, a partir dos anos 90 e até aos dias de hoje, o investimento público na formação pós-graduada foi sem sombra de dúvida exponencial: na primeira metade dos anos 70, o número de doutoramentos realizados ou reconhecidos por universidades era inferior a 100 por ano (Godinho e Simões, 2005). Em 2003, este número era 10 vez superior e em 2007 atinge o valor de 1459 doutoramentos realizados ou reconhecidos nesse ano (GPEARI, 2009). Mas, a política de doutoramentos no estrangeiro altera-se a partir de meados dos anos 90 e no período de 2000 a 2007, período no qual 8824 doutoramentos foram realizados ou reconhecidos por universidades portuguesas representando 52% do total de RHAQ em Portugal, dos quais 16% foram realizados em universidades estrangeiras (GPEARI, 2009).

As Ciências da Vida têm recebido um dos mais elevados investimentos das últimas décadas. Foram atribuídas 3.127 bolsas através dos três programas de financiamento (CIENCIA, 1990-1993; PRAXIS XXI, 1994-1999, POCTI e POSI, 2000-2004), correspondendo a 29% do total das bolsas nas várias áreas científicas. Destas bolsas em Ciências da Vida, 53% corresponde a bolsas no estrangeiro ou mistas (OCES, 2006). Ao longo dos três programas houve um crescente investimento em número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, verificando-se um aumento significativo das bolsas para investigação em Portugal e de natureza mista. Todavia, o padrão que se observa em relação à percentagem de bolsas de doutoramento para investigação exclusiva no estrangeiro, é que esta decresceu passando de 34% do programa CIENCIA (1990-1993) para 22% no POCTI e no POSI (2000-2004). Em contrapartida, denota-se uma aposta crescente nas bolsas de pós-doutoramento, as quais duplicaram do Programa PRAXIS XXI (1994-1999) para os programas POCTI e POSI (2000-2004), verificando-se o mesmo fenómeno nas bolsas mistas (OCES, 2006).

Convém frisar que as bolsas de doutoramento e pós-doutoramento não são nem o único indicador da mobilidade nem o único instrumento de internacionalização disponíveis nos sistemas nacionais científicos. Existem também bolsas de mobilidade atribuídas a investigadores mais seniores que se enquadram em protocolos entre universidades. Estas são normalmente de duração mais curta e o tipo de atividade varia também bastante (conferências, docência, investigação). Como nota final sublinharíamos dois aspetos: a mobilidade concretiza-se, igualmente, através das redes científicas quer seja através das coautorias de publicações quer seja através de participações em consórcios multinacionais para candidaturas de projetos científicos; e por outro lado, existem hoje com o acesso a meios de comunicação, de informação e de produção cada vez mais rápidos e sofisticados formas novas e plurimorfas de mobilidade internacional. Todavia, as bolsas continuam a ser um dos principais mecanismos de promoção da mobilidade internacional, daí assumindo-se a sua centralidade na dinâmica de circulação do conhecimento. O presente artigo baseia-se numa investigação sociológica conduzida junto dos investigadores de um laboratório de investigação na área da biomedicina. Os dados recolhidos foram obtidos através de entrevista e da análise curricular. O texto está estruturado em três pontos principais. Num primeiro ponto, procurámos definir a problemática central do estudo, destacando a multidimensionalidade do conceito de mobilidade. Depois da metodologia, onde é explicada a pertinência dos instrumentos usados, debruçamo-nos, num terceiro ponto, sobre a análise de resultados.

1. Biomedicina: mobilidade e dimensão coletiva da investigação

A mobilidade surge apontada como um dos grandes eixos para a concretização do universalismo em Ciência. Mas esse pressuposto surgiu sobretudo na área das ciências naturais. A mobilidade permite dinâmicas de transferência e de circulação do conhecimento, e é-lhe reconhecido um papel relevante e crucial ao nível do desenvolvimento dos centros de investigação e das carreiras individuais. Reconhece-se, ainda, a sua relevância na definição de processos de racionalização de recursos de tipo material e simbólico, no espaço globalizado, constituído por múltiplos processos espácio-temporais. Na área da biomedicina, a reflexão sobre a mobilidade deve ser feita com elevada atenção, tendo em linha de conta a especificidade das práticas de produção de conhecimento nesta área.

Com efeito, se olharmos para a perspetiva da dinâmica de produção de conhecimento em biomedicina, damos conta de um movimento complexo entre atores, instituições, saberes e conhecimentos. A sociologia da inovação e da ciência tem demonstrado precisamente a dimensão coletiva e negociada do trabalho de investigação nesta área. Vários estudos têm descrito e conceptualizado sobre aspetos relacionados com a exigente coordenação entre investigadores e saberes. Mostrou-se que é do vai vem permanente entre o paciente e o laboratório que se podem construir novos ensaios genéticos (Callon, et al. 2001). Também se demonstrou existirem ligações muito estreitas entre as instituições clínicas e a pesquisa, e diversos estudos se têm debruçado a descrever a componente fragmentada e pulverizada da prática de investigação a nível internacional. Por exemplo, a investigação biomédica mobiliza especialidades muito variadas (Löwy, 1996), apresenta formas organizacionais específicas (Keating et Cambrosio, 2003) e esquemas de organização das infraestruturas também singulares e negociadas (Vinck, 2006). Rémondet (2009) aplica o conceito de objeto-fronteira no trabalho sobre mecanismos genéticos e imunitários na origem do DICS-X, demonstrando a forte coordenação entre atores. Só assim se pode perceber a exigência de ser móvel em biomedicina… Exigência explicada tanto pela natureza dos processos de produção e disseminação do conhecimento inerentes aos objetos de estudo, como pela necessidade de este conhecimento e os seus agentes (os investigadores) serem validados internacionalmente, pois é neste espaço que se revela a verdadeira dinâmica de transferência e transformação do conhecimento.

Num estudo sobre circulação do conhecimento, Jons (2007) sustenta a tese da existência de diferenças reais na forma como os investigadores e as instituições colaboram a nível nacional e internacional. Na sua pesquisa empírica, mostrou existirem “culturas específicas de colaboração” em função das áreas científicas. A autora argumenta aliás que os métodos de avaliação da investigação não consideram essas diferenças aplicando um pressuposto de isomorfia de práticas científicas. Para a autora, a pressão para a uniformização de critérios de avaliação entre áreas é não só intensa como progressivamente aceite pelas restantes disciplinas. As disciplinas cujas matérias-primas do conhecimento, assim como meios e processos de validação e de disseminação seriam mais vulneráveis ao contexto espácio-temporal e menos sujeitos a uma fragmentação na sua realização, tais como a generalidade das ciências humanas e sociais, assistem à validação dos mesmos critérios que hoje tendem a incluir vivamente o grau de mobilidade dos investigadores como indicador de internacionalização. A pertinência deste argumento reside no facto de mostrar como um indicador universal pode ser, por vezes, contraproducente em relação à identidade teórica e metodológica de determinadas disciplinas.

O entendimento da mobilidade de investigadores em Portugal tem evoluído e também tem sofrido a pressão do discurso político preconizador do espaço europeu científico (CEC, 2000a,b; CEC, 2007). Esta aproximação é notória tanto da parte dos atores políticos, dos responsáveis dos centros de investigação como dos investigadores que também atuam na definição de representações e de padrões de mobilidade ao internalizarem padrões típicos de carreiras científicas. Quando se olha para áreas científicas diferentes, existem diferenças históricas, umas derivadas da própria dinâmica de constituição das áreas científicas, outras que se atribuem aos programas de financiamento de bolsas e de projetos de investigação. Nas áreas laboratoriais, a mobilidade – definida stricto senso – estado permanente de interação e comunicação entre grupos de investigação e pares – sempre constituiu o auto – conceito do cientista e do investigador. A nível internacional, as ciências biomédicas têm-se caracterizado por uma forte projeção internacional e de patenteamento universitário (Henderson et al., 1998; Argyres e Liebeskind, 1998). Em Portugal, é também uma área que tem evidenciado um aumento significativo de recursos humanos, assim como uma larga aposta na sua qualificação (GPEARI, 2009).

 

2. Método

Os estudos acerca da mobilidade, incluindo padrões de trajetória, destinos de saída e motivações têm vindo a ser realizados com recurso a uma vasta panóplia de métodos. Tanto as estratégias quantitativas (uso de fluxos, uso de currículos) como as qualitativas (entrevistas, biografias, observação etnográfica) têm mostrado o seu potencial para a compreensão do fenómeno. De referir que o presente estudo foi conduzido junto de um grupo de investigadores que pertencem ao mesmo centro de investigação, inseridos no mesmo mapa organizacional de relações. Tratou-se de uma investigação de cunho etnográfico assente num estudo de caso, embora tenhamos essencialmente em conta, para efeito deste artigo, o material obtido nas entrevistas. O estudo de caso centrado num centro de investigação tem origem nos estudos sociais da ciência, abordagem da Sociologia da Ciência, que mostrou com vários estudos que o caráter singular de um laboratório dá conta de processos inerentes à produção científica e à dinâmica entre laboratórios e a sociedade (Latour et al, 1996; Laredo e Mustar, 2000). Quanto aos critérios de escolha do centro de investigação em causa, estes ancoram-se por um lado nas características de gestão e de organização da ciência como também, nos indicadores de produção do laboratório no contexto nacional[2]. A natureza etnográfica da pesquisa, está presente na tentativa de se descreverem culturas e práticas observáveis indiretamente (quando se trata de mobilidade) dos investigadores. Foram usados os curricula dos investigadores do centro de investigação nomeadamente para recolha de informação acerca das trajetórias individuais de cada investigador.

O estudo decorreu no ano de 2007. Em relação à análise de currículos dos investigadores, foram considerados os investigadores portugueses e estrangeiros que em 2007, desenvolviam atividades de investigação com o laboratório, e que possuíam o grau mínimo de doutor. O currículo foi assumido como a fonte principal para a análise das trajetórias (Mangematin, 2000; Dietz et al., 2000; Sabatier et al., 2006; Cañibano, 2008). As 14 entrevistas conduzidas a investigadores observaram percursos individuais diferentes, tendo em conta a heterogeneidade da população existente no centro de investigação no que respeita a indicadores sociodemográficos e socioprofissionais. A análise documental do website e dos relatórios da instituição, assim como os artigos diversos sobre o laboratório, constituíram, igualmente, material relevante para a caracterização do caso.

Em 2007, o centro era composto por 46 equipas de investigação, de dimensão e caracterização variável[3]. Foi identificado[4] o universo de 136 investigadores cujo currículo foi recolhido, na maior parte das vezes de forma indireta, usando a intermediação dos coordenadores de equipas de investigação e do pessoal ligada à estrutura administrativa. A amostra acabou por ser composta por 101 doutorados. Quanto ao guião da entrevista, este aborda as motivações para a mobilidade durante o percurso académico, inquirindo todo o percurso biográfico científico do investigador desde a licenciatura ao percurso de formação pós-graduada. Questões relativas aos locais por onde passou, as razões, as intenções de permanência, as ruturas ou interrupções na carreira, a construção de relações, são exploradas com o entrevistado, sendo dado espaço para comentários à posição atual e à projeção do investigador no futuro próximo.

3. A organização: a preponderância da gestão do conhecimento

 A história deste laboratório encontra-se associada à intenção clara de apostar em meios para a constituição da comunidade científica portuguesa da área. De facto, desde a sua fundação, o centro definiu a sua missão como sendo a de produzir uma nova geração de líderes em ciências biomédicas que pudesse integrar outras instituições nacionais. Por conseguinte, a estrutura organizacional, a tipologia de financiamento e a cultura organizacional foram desenhadas ao serviço deste objetivo fundador havendo uma atenção particular à formação de doutorados. A partir do final dos anos 90, o regular financiamento da FCT, potenciou ainda mais longe esta estratégia; o centro lançava cinco Programas de Doutoramento, atraindo jovens portugueses talentosos através de processos de recrutamento baseados na avaliação do mérito (IGC, 2006). Assim, desde 1998, o centro registava um total de 56 líderes de grupos (investigadores principais) dos quais 53 vinham do estrangeiro[5]. Após 3 a 7 anos no centro, 8 destes saíram, de novo para o estrangeiro e, 18 grupos de investigação eram “exportados” para outras instituições portuguesas, tirando completa fruição dos investimentos e da incubação no IGC (IGC, 2007).

Pretendemos mostrar neste ponto como a orgânica do centro é um fator privilegiado para se entender a cultura científica nesta instituição. Observa-se na própria estrutura do laboratório que o modelo de gestão aplicado foi flexível, funcional ao contrário de modelos departamentalizados de gestão das unidades de pesquisa existentes nos anos 80 e 90. A opção feita para a matriz organizacional fugiu ao modelo clássico departamentalizado para abraçar uma organização por grupos temáticos. Cada grupo temático é liderado por investigadores cuja condição de existência é a sua completa liberdade para formar equipas e de prosseguir os projetos próprios. Subjacente a este modelo está implícita a não existência de posições permanentes no centro apesar de se observarem, através dos currículos, equipas mais duradouras do que outras. Para além disso, o centro assume desde 1998 o estatuto de instituição de acolhimento para novas equipas de investigação. Sendo os interesses científicos do centro conhecidos e orientados para áreas biomédicas, nomeadamente, a evolução e desenvolvimento de sistemas complexos, a instituição funciona como uma plataforma de receção de investigadores, incubação de equipas e projetos e monitorização de equipas em instituições externas. Assim, investigadores doutorados portugueses e estrangeiros, uma vez aceites pelo Comité Científico, têm a oportunidade de iniciar ou desenvolver as suas carreiras científicas, podendo estabelecer o seu próprio grupo de investigação no laboratório, para o qual têm a responsabilidade de procurar todos os recursos humanos e financeiros necessários. Os investigadores do centro podem ser afiliados a outras instituições ou podem ser financiados por organismos nacionais ou internacionais. As atividades de investigação são suportadas sobretudo pela FCT, mas também pela União Europeia e outras entidades. São, igualmente, características especiais do centro o facto de disponibilizar os recursos necessários, em tecnologia (plataformas, equipamentos e animais) e em serviços (administrativos e financeiros e comunicação), assim como condições estimulantes a trocas científicas (seminários, workshops, conferências e estadias de investigadores visitantes de referência) benéficas para o desenvolvimento de ciência.

Em 2000, o centro transformava-se num dos primeiros quatro laboratórios associados criados pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia, através de um acordo de cooperação entre este e outras duas instituições: o ITQB/UNL e o IBET[6]. Este estatuto atribui-lhe então uma maior estabilidade de funcionamento, uma vez que o apoio financeiro é contratualizado entre o Estado e os Laboratórios Associados e o estatuto é atribuído pelo período (máximo) de 10 anos, renováveis mediante avaliação positiva[7]. Em 2007, 6 grupos de investigação internos tinham o estatuto de Laboratório Associado, conferindo-lhes um caráter mais durável do que os 5 anos estipulados pelo Instituto, como período limite de incubação, e justificando a longevidade de alguns desses mesmos grupos de investigação. No caso dos investigadores principais externos, a relação poderá prolongar-se, desde que seja considerada profícua para ambas as partes. Em suma, no espaço de uma década o laboratório mostrava a importância de novas soluções organizacionais adaptadas ao conhecimento e à inovação: flexível, centrado nos tópicos científicos, na gestão do conhecimento e não nas funções da organização, dinâmico nos recrutamentos e nos movimentos de capital humano.

4. A mobilidade: característica permanente

A mobilidade constitui assim um mecanismo de alimentação de competências e de capital humano ao próprio laboratório. Entre 1993 e 2007, 416 estudantes de doutoramento foram admitidos e formados, pelo menos parcialmente, na instituição (IGC, 2006). Dos 103 estudantes que completaram com sucesso o programa de doutoramento no laboratório, 61 regressaram a Portugal, 35 dos quais desempenham funções dentro da comunidade científica portuguesa[8]. Os que permaneceram no estrangeiro continuam em contacto com o centro e com os colegas em Portugal, contribuindo, de várias formas, para as suas atividades (Coutinho, 2004).

Numa fase inicial (1993-1999), os programas de doutoramento foram desenhados para que os futuros investigadores fossem para o estrangeiro durante o período de doutoramento. Mais tarde, um programa paralelo foi experimentado, com o mesmo critério de excelência, mas no qual os estudantes também produziam a investigação e tese em laboratórios nacionais. A criação de novas instituições de investigação em ciências biomédicas no país, o estabelecimento de grupos internacionalmente competitivos e a evolução geral da comunidade científica nacional (em qualidade e quantidade) conduziram a uma fase mais madura de formação científica, caracterizada por manter alguns dos melhores estudantes de doutoramento em Portugal (IGC, 2007). Um novo programa foi formalizado em 2007 dedicado a recrutar internacionalmente estudantes de doutoramento, para os grupos de investigação do laboratório. Paralelamente, outros programas de doutoramento foram criados em parceria com várias entidades[9], visando responder a novas áreas de investigação de ponta, tais como a Biologia Computacional e as Neurociências.

A mobilidade nacional e internacional foi crucial para o alavancar deste centro de investigação; o que se pode observar é que a direção e a proveniência destes fluxos variam em função das necessidades da organização, da sua maturidade e da existência de oferta nacional destes especialistas. Inicialmente, os programas de doutoramento visavam formar e capacitar uma massa cinzenta na área da biomedicina. Esta era a condição necessária para que mais tarde fosse possível estruturar uma oferta nacional de formação doutoral, que permitisse a longo prazo que a formação fosse realizada nacionalmente. Porém, esta estratégia sempre foi mista incentivando estes alunos a realizarem parte do seu doutoramento fora. A este fluxo estava necessariamente ligada uma rede de conhecimentos pessoais por parte dos investigadores seniores que funcionaram como autênticos mediadores entre o centro e outras instituições de renome no estrangeiro.

5. Caracterização sociodemográfica e profissional dos investigadores

A caracterização sociodemográfica e profissional, que aqui traçamos, decorre da análise de dados disponíveis sobre uma bateria de variáveis extraídas dos curricula dos investigadores. Estes dados são facilmente obtidos quando se referem a variáveis comuns como idade, sexo, condição profissional mas reconhecemos a dificuldade em associar outras variáveis, sobretudo atendendo à falta de dados nos curricula dos investigadores. Por exemplo, e de acordo com a prática usual dos curricula nesta área científica, estão em falta informações de caráter familiar, sobretudo o estado civil e a condição perante a maternidade/paternidade.

Em termos de nacionalidade, o centro agrega, predominantemente, investigadores portugueses representando cerca de 70% do total dos investigadores. Da totalidade dos investigadores, 65% são do sexo feminino, com uma média de idade situada entre 37 e 40 anos e tendo um estatuto de bolseiro de pós-doutoramento. Estes investigadores evidenciam ainda trajetórias profissionais envolvendo formação doutoral no estrangeiro, em particular no Reino Unido (maioritariamente), na França, na Alemanha e nos EUA. A UE é a origem mais representada do grupo de investigadores estrangeiros (16 investigadores), seguindo-se a América do Sul (6 investigadores).

Em termos de contratação, vê-se como a estratégia de flexibilidade na gestão de recursos humanos traça um quadro de relações laborais sui generis. Só 39% dos investigadores detém um vínculo laboral contratual e apenas 24% dos investigadores mantêm o vínculo à carreira docente. Em contrapartida, tem-se institucionalizado o recurso a bolsas[10] como figura contratual que acaba por servir de válvula de escape aos percursos profissionais em ciência em Portugal (Godinho e Simões, 2009; Araújo, 2009). Com efeito, os restantes investigadores surgem como bolseiros e 54 detêm bolsas de pós-doutoramento financiadas pela FCT. A ausência de vínculos contratuais é transversal à condição de investigador e acontece em diferentes níveis hierárquicos. Encontram-se nesta situação os investigadores em pós-doutoramento, mas também aqueles que desempenham funções de coordenação: 10 dos 62 investigadores sem vínculo ocupam a posição de investigador principal. Assim, a estratégia de flexibilidade de contratação imbuída num mercado de trabalho científico estagnado e pouco dinâmico tem o preço da segmentação já descrita na literatura acerca de laboratórios de investigação em ciências da vida. Vinck (2007) mostrou como o mercado de trabalho académico francês é segmentado por duas lógicas de contratação: um segmento primário, restrito, de investigadores com direito a determinados benefícios e vantagens como a remuneração, a estabilidade e a progressão na carreira, e um segmento secundário, composto por doutorandos e pós-doutorandos que realizam a pesquisa e o trabalho experimental, isto é, o coração da pesquisa e cujas relações contratuais são precárias.

6. Percursos com mobilidade – descrição

 A primeira evidência sobre a forma como os investigadores representam a carreira, prende-se com o facto de a mobilidade ser assumida como condição inerente ao exercício da atividade científica na área da biomedicina. Esta constitui o desejo intrínseco do cientista. Em muitos testemunhos, o investigador assume-se como protagonista na procura incessante de saber e agente produtor de conhecimento:

“Há uma obsessão muito grande em ler coisas, entrar em contacto com as novidades, falar com colegas, experimentar modelos, exercitar ideias (…). Todos os investigadores, que levam a sua atividade minimamente a sério, revelam um certo grau de obsessão”. [Caso 10]

“A minha ideia, quando fui para lá, foi dar-me 6 meses e ver primeiro! Não estava muito convencido que quisesse fazer ciência. Faria um estágio de “observação”, iria ver umas coisas, aprenderia, teria uma experiência um bocadinho hands on, umas pinceladas de ciência e depois voltaria à minha clínica. Acabou por ser uma questão de paixão, cheguei e fiquei. No total, foram três anos muito intensos”. [Caso 83]

Parece mesmo que a sede de conhecimento está acima de tudo e que é ela que comanda e incentiva o investigador a ver mais longe saindo das instituições nacionais. Mas a mobilidade assume também o papel iniciático de passagem para a carreira de investigação. Esta fase iniciática dá-se sobretudo na fase de doutoramento, onde a mobilidade permite a descoberta da área que se tornará objeto de estudo durante o doutoramento e irá influenciar de forma marcante a carreira do investigador. No grupo de investigadores que estudámos, a mobilidade internacional é precisamente verificada durante o doutoramento e no pós-doutoramento. A maioria dos investigadores em estudo (62%) obteve o grau de doutor no país de origem. Destes, 44 são portugueses e 14 são originários de um país da UE. Os que efetuaram mobilidade durante o doutoramento estiveram, predominantemente, no Reino Unido e nos EUA, evidenciando uma tendência já corroborada em outros estudos que mostram a preferência pelos países anglo-saxónicos, em particular os últimos (Baruch et al., 2007; Araújo e Silva, 2010; Mahroum, 2000; Casey et al., 2001; Foadi, 2006).

Em segundo lugar, devem destacar-se a reputação e a excelência como principais fatores de motivação destes investigadores por determinados laboratórios e países. As escolhas dos destinos são referenciadas como correspondendo a pontos estratégicos nas rotas da investigação reconhecidas internacionalmente. Neste caso, o recrutamento de países e de laboratórios por parte dos investigadores faz-se com base em critérios extremamente seletivos. Deste modo, observa-se uma elevada probabilidade de aqueles evidenciarem trajetórias com passagem de média e longa duração em centros de referência, nas diversas áreas temáticas. Nos excertos que apresentamos de seguida encontram-se este tipo de investigadores mencionados; não só estes investigadores declaram esses fatores de escolha como decisivos como se pronunciam e avaliam o impacte acerca dessas escolhas nas suas carreiras:

“O ranking ocupado pela instituição tal como o ranking da investigação produzida foram o fator crucial para a minha escolha”. [Caso 35]

“Resolvi ficar em Portugal durante o doutoramento, mas depois senti que não tinha know-how suficiente (…). Sabia que só existiam dois grupos no mundo a trabalharem naquilo que eu fazia, fui à procura deles”. [Caso 32]

O domínio da língua inglesa determina igualmente grande parte da escolha dos investigadores para a deslocação para países anglo-saxónicos. A vantagem além de linguística é também cultural. Estas vantagens surgem, aliás, normalmente correlacionadas com as vantagens antecipadas da estadia em centros reconhecidos como sendo de excelência. Estamos a referir-nos à expectativa normalmente evidenciada de fácil integração na cultura anglo-saxónica, a qual aparece mencionada noutras pesquisas (Casey et al., 2001; Millard, 2005). Além do mais, tal como demonstrado em vários outros estudos (Ackers, 2005a; 2005b Delicado, 2007, 2008; Fontes, 2007; Araújo, 2007), a aprendizagem e o aperfeiçoamento da língua, atualmente mais incisiva no mundo das publicações científicas, são dois elementos de suma importância, pois influenciam fortemente o leque de competências dos investigadores valorizadas no mercado de trabalho académico e científico:

 “(…) na ciência, a língua inglesa é a língua mãe e, desde cedo, a pessoa percebe isso, pois parte significativa dos nossos livros na faculdade são ingleses. Na altura do doutoramento, pensei que iria para um país onde o inglês fosse a língua nativa, e não para um país como a França onde seria obrigatório dominar duas línguas no mínimo”. [Caso 10]

Na mesma linha do que se tem verificado noutros contextos (Ackers, 2005a), a mobilidade dos investigadores também está intimamente associada a percursos pessoais e familiares que se desenvolvem nos mesmos circuitos geográficos. Em algumas situações são aliás estes últimos que explicam a mobilidade para determinadas universidades e países. Entrevistámos também vários casais de investigadores e constatámos que estes tinham alinhado os seus périplos geográficos e profissionais ao longo do seu percurso científico. Nestes casos específicos, a mobilidade de um acaba por ser explicada pela mobilidade do outro. De todo o modo, tem preponderância o prestígio e as características do centro de acolhimento, o que indicia que a oportunidade de um dos membros do casal pode ser uma variável moderadora entre fatores de saída e escolha de mobilidade. Os dois excertos que apresentamos a seguir evidenciam esta associação entre motivações de ordem mais científica e outras de ordem mais pessoal e emocional.

“ Ela disse – estou a fazer parte do mestrado em Londres e aquilo é muito bom, tem imensas coisas em cancro! Devias pensar em irmos os dois! (…) e fiz lá o doutoramento” . [Caso 10]

“Ele também é cientista. Na altura, eu estava a acabar o doutoramento, e ele foi fazer um pós-doutoramento nos EUA. Tentei todas as formas possíveis para ir também. Trabalhei alguns meses num laboratório no NIH, cerca de cinco meses”. [Caso 64]

“(…) entretanto o meu marido recebeu uma proposta muito boa em Portugal e veio primeiro. Depois vim eu. Começei um pós-doc, no centro de neurociências em Coimbra”. [Caso 02]

“(..) estava quase a terminar o meu doutoramento, defendi a tese de doutoramento, o meu marido, chegou também dos EUA. A questão colocava-se: o que vamos fazer? (…) [ele, francês], conhecia muito mal Portugal e a língua mas insistiu muito para que nós viéssemos algum tempo, pelo menos experimentar, vir para cá, para conhecer o país, a língua, a cultura”. [Caso 64]

“ Eu vim para cá por ser uma oportunidade de ela prosseguir a sua carreira, pois ela fora convidada para liderar um grupo em Portugal, e não tanto porque quisesse realmente vir para Portugal. Isto porque Portugal não é especialmente conhecido por ser um sítio bom para fazer ciência”. [Caso 85]

Os padrões de mobilidade na fase de pós-doutoramento são idênticos aos que ocorrem no doutoramento. Todavia, é importante destacar alguns elementos distintivos mais relacionados com as expectativas e o lugar do pós-doutoramento na trajetória da investigação. O pós-doutoramento é uma etapa do percurso científico típica do modelo anglo-saxónico. Tem, no entanto, vindo a padronizar a trajetória dos investigadores europeus e portugueses, com especial incidência nas áreas da ciência da vida. Em várias situações, o pós-doutoramento apresenta-se como a principal, se não a única, maneira de o investigador se manter na atividade de investigação. Não existem estudos incidindo sobre a experiência específica do pós-doutoramento em Portugal. Todavia, é entendível, à luz do mercado de trabalho atual e sua crescente precariedade, que venha a ser mais frequente no futuro e sobre ela recaiam mais medidas de desempenho individual. Assim, a maioria dos investigadores pós-doutorados entrevistados, descreve esta etapa como um passo essencial à carreira de investigação na área científica em que desenvolvem os seus projetos de pós-doutoramento. O doutoramento passa a ser a fase mais precoce da “carreira”.

“Na altura, a opção era muito simples. Sabíamos que devíamos fazer pelo menos um pós-doc, antes de decidirmos se íamos ou não ser investigadores independentes e se íamos ou não criar o nosso próprio grupo”. [Caso 21]

 “No fim do doutoramento, senti que tinha mesmo que aprender mais e que, sobretudo, queria fazer biologia molecular e não havia muita gente a fazê-lo bem em Portugal. Foi nessa altura que senti que iria “atrofiar” se ficasse por cá”. [Caso 32]

 “(…) ganhei consciência suficiente que, para dar um salto conceptual, tinha de facto, que sair”. [Caso 21]

 “Eu queria, “comer o mundo” ser famoso, entre aspas, em ciência”. [Caso 30]

Neste grupo de 90 investigadores, 35 não tinham ainda concluído o seu primeiro pós-doutoramento, pelo que era essa a posição que ocupavam no laboratório, em 2007. Desses 35 pós-doutorandos, 30 eram investigadoras. No grupo dos 35 pós-doutorandos, 18% dos investigadores com este grau, estiveram envolvidos em processos de mobilidade durante esta etapa; 10 apresentam mobilidade institucional no país de origem e 6 no estrangeiro. Observa-se, assim, que a mobilidade institucional ao nível do pós-doutoramento implica, muitas vezes, mobilidade internacional, nomeadamente nos investigadores portugueses. Os investigadores que realizam o seu primeiro pós-doutoramento no estrangeiro, apresentam apenas mobilidades institucionais no país de acolhimento, o que denota a importância de ancorar e alargar a rede de relações internacionais.

Se considerarmos, aliás, os investigadores com pelo menos 1 pós-doutoramento, (que são 90 na amostra), cerca de metade continuou o pós-doutoramento em Portugal, mas 51% concluiu esta etapa no estrangeiro, incluindo os EUA que adquirem, na área das ciências da vida, grande relevância enquanto país de formação em biomedicina. Tal como acontece noutras áreas (Araújo e Silva, 2010), esta atração explica-se em razão do dinamismo e da competitividade deste destino, das possibilidades de obtenção de financiamento elevado para os projetos, da acessibilidade ao equipamento, da abertura institucional e também do uso da língua inglesa (Casey et al., 2001; Alarcon, 1999). Além disso, o mercado de trabalho é ainda mais aberto do que na Europa, atendendo à densidade de relações existentes entre universidade e empresas (Diaz-Briquets e Cheney, 2002). Os investigadores entrevistados falam, principalmente, das oportunidades que sentem existir em termos de desenvolvimento de investigação de ponta.

 “Os EUA surgem por uma razão muito simples (…): ainda não têm comparação com a Europa [a ciência e forma de fazer ciência]”. [Caso 21]

 “Fui para os EUA fazer o pós-doutoramento na área que queria. A minha ideia era ficar (…) e nunca mais voltar [a Espanha]! Queria fazer ciência nos melhores sítios!” [Caso 30]

Relativamente aos países da EU eleitos para a realização do primeiro pós-doutoramento, a Inglaterra ocupa um lugar de destaque, a França é o segundo destino mais escolhido, seguida pela Alemanha, Holanda, Itália e Suécia. É interessante sublinhar que, dos 5 investigadores europeus entrevistados, com experiência de longa duração nos EUA, 3 revelam que sentem necessidade de voltar à Europa. Os motivos principais para esse desejo de retorno incluem, muito especificamente, a vontade de obter mais estabilidade familiar e profissional, assim como outras motivações de ordem mais cultural. Nos três excertos apresentados é visível a conotação da Europa com um modo de vida menos competitivo do que nos EUA, mas também com paradigma de vida familiar e social peculiar.

A partir de certa altura, foi demais para mim, eu sentia-me europeia”. [Caso 13]

 “Nenhum de nós queria ficar nos Estados Unidos. Já estávamos um pouco saturados (…)” [Caso 11]

  “É uma questão de escolha pessoal, eu quero educar os meus filhos aqui [Europa], várias oportunidades surgiram nos EUA, só que, por opção, preferi voltar. Não tenho outros limites, mas gostava de ficar na Europa ou pelo menos gostava de não ter de ir para os EUA”. [Caso 64]

Em 2007, estavam a realizar o primeiro pós-doutoramento, 35% dos investigadores que incluímos na amostra e estavam no segundo pós-doutoramento 36% dos investigadores, sendo que grande parte deles já havia exercido funções em centros estrangeiros. Relativamente ao terceiro pós-doutoramento, apenas 2 investigadores desempenhavam esta função em 2007, estando no seu país de origem. Dos restantes 6 investigadores, 4 haviam concluído esta etapa da sua trajetória, no estrangeiro, num país da UE. Se o primeiro pós-doutoramento constitui uma etapa decisiva que beneficia da reputação adquirida com o doutoramento, e também de aconselhamento por parte dos mentores e pares, o segundo doutoramento posiciona-se ao nível ainda bastante superior de consolidação da carreira na investigação, atendendo a que este segundo e o terceiro pós-doutoramentos não só acontecem em idades mais avançadas, normalmente entre 35 e 40 anos, como se realizam com base em critérios mais seletivos de escolha, dos quais sobressai a avaliação do próprio investigador acerca dos seus projetos e objetivos futuros.

Estamos em presença de padrões idênticos no que respeita aos países de destino, quando comparados com o doutoramento e o primeiro pós-doutoramento. Todavia, acentua-se no segundo e terceiro pós-doutoramentos, o registo de trajetórias com um número mais elevado de mobilidades institucionais, isto é, os investigadores movem-se de uma para outra instituição, dentro do mesmo país, ou fora dele. A este respeito, importa precisar que a biomedicina configura padrões de validação de competências bastante seletivos. O trabalho em rede é uma condição ao exercício e à sobrevivência do investigador. O “recrutamento” ao nível do pós-doutoramento pode explicar a mobilidade institucional elevada que no centro de investigação em análise é tornada possível graças aos capitais relacionais detidos pelos investigadores. No fundo, estes garantem uma teia sólida de confiança sustentadora dos projetos individuais e da dinâmica dos centros de investigação de acolhimento. Por isso, se podem configurar dentro de modelos de ação típicos do brain hunting (Góis e Marques, 2007).

A somar a estes elementos, consideremos a observância da modelação do género na escolha do pós-doutoramento. Com efeito, os segundos e terceiros pós-doutoramentos são desenvolvidos maioritariamente por homens, o que corrobora conclusões de outros estudos que assinalam a existência dos fenómenos de “tetos de vidro” em profissões seletivas. No fundo, se tivermos em conta que nas etapas iniciais de carreira, nomeadamente no doutoramento, esta área científica é bastante feminizada, o mesmo não se verifica posteriormente. Os dados são sugestivos da diferenciação de percursos com base no género, atribuível a processos biográficos díspares entre homens e mulheres, em função das condições de estabilidade e etapas da vida familiar.

A pesquisa que conduzimos dá conta de regularidades corroboradas noutros estudos (Fontes, 2007), em que o objetivo foi compreender as estratégias de retorno ao país de origem ou de “imobilidade”. Se tivermos em conta apenas os investigadores portugueses, com mobilidade internacional nas suas trajetórias, verificamos que, salvo algumas exceções, a maioria entende o regresso ou a estadia em Portugal como a possibilidade de abrir uma oportunidade no seu percurso. Simultaneamente, voltar traduz também um sentimento de dever para com o sistema científico nacional. Os excertos que apresentamos a seguir evidenciam a presença de um sentimento patriótico em relação à prática da ciência e a investigação:

“(…) vivia-se um bocadinho aquele espírito, pós-revolucionário de: vamos fazer alguma coisa pela nossa terra. Portanto, comecei a ganhar ideias ingénuas e, obviamente, se calhar, erradas, ou talvez não. Pensava: vou trabalhar cá, dar cá as aulas, vou criar condições cá, para os estudantes terem boas condições, para não terem de ir todos para o estrangeiro. O meu esforço é tentar formar cá pessoas e tentar formar cá equipas, etc.. Portanto, nunca emigrei por causa disso”. [Caso 21]

“Havia claramente uma escolha a fazer, pelo menos no meu espírito: tinha a certeza absoluta que se ficasse lá mais um ano ia ser cientista, não ia ser médico. (…) Tinha de fazer essa opção e abandonar 6 anos a faculdade, 3 de internato geral e 3 de especialidade era perder muita coisa. Portanto, optei por voltar.(…) O que se passa é que eu preferia contribuir alguma coisa para que isto avançasse cá! Acho que temos todas as condições, a sério! Há um certo idealismo ingénuo [risos] (…). Se eu não acreditasse que Portugal pudesse ser melhor, em termos científicos do que é, então aí é que era um problema! Mas em Portugal há gente, há centros, há ideias, há tudo, há os ingredientes todos! E eu fiquei ainda mais convencido disso, depois de ter estado nos EUA, a única coisa que nos falta é dinheiro”.[Caso 83]

Os investigadores com mobilidade internacional que regressaram a Portugal dividem-se, no entanto, entre os satisfeitos e os insatisfeitos. Os insatisfeitos assumem discursos mais pessimistas sobre o desenvolvimento da carreira científica em Portugal e consideram que a ausência de condições financeiras e de desenvolvimento de carreira traz desvantagens substanciais para quem fica. Disso dá conta um dos investigadores:

“(…) eu e os meus contemporâneos, fizemos doutoramento mais ao menos todos ao mesmo tempo, e voltámos para Portugal. Os que voltaram foram quase todos. Foi um grupo de dez pessoas. Há sempre a perspetiva de sentir que fazemos parte da construção do país, das estruturas, dos institutos, das equipas, porque não havia nada. Atrás de nós há um vazio ou quase um vazio.” (…) “Arrependo-me de ter tomado essa decisão, dessa maneira naquele momento [ter voltado, por sua vontade, para que a filha nascesse em Portugal], sem dúvida nenhuma. Arrependo-me em termos profissionais, meramente. Em termos familiares e mesmo pessoais acho que dificilmente seria melhor noutro sítio”. [Caso 10]

Alguns estudos, incluindo aqueles mais orientados para a classificação de indicadores de carreira em ciência têm evidenciado a correlação positiva entre a existência de mobilidades durante a fase de licenciatura e a sua verificação em etapas posteriores. Tem-se chegado a conclusões indicativas do papel dessas primeiras mobilidades na precocidade da carreira, medida pela concretização de outputs científicos durante a licenciatura, mestrado e doutoramento, os quais influem, por consequência, sobre a projeção, o prestígio e o reconhecimento individual, pois atuam sobre a densidade do capital social. Influem, ainda sobre a decisão de efetuar novas mobilidades em fases mais avançadas da carreira (King e Gelices, 2003, Ackers et al.,2001). Para além disso, como mostra Gill (2005) a experiência de mobilidade precoce releva um “espírito de mobilidade” assim como de competências paralelas para a carreira de investigação, tais como a recetividade à mudança, a flexibilidade, a abertura a novas experiências, o domínio de uma língua estrangeira e a capacidade de relacionamento interpessoal.

Nos casos que estudámos, a mobilidade que ocorre na fase de licenciatura é relativamente baixa. Apenas 30% dos investigadores refere, no seu currículo, ter tido uma experiência académica noutra instituição durante a licenciatura. Deste grupo, 10 investigadores referem o envolvimento com outra instituição no país de origem, enquanto 21 (todos de nacionalidade portuguesa) estiveram envolvidos em experiências de mobilidade de curta duração (6 a 9 meses), deslocando-se para realização de investigação em instituições no estrangeiro. Destes 21 investigadores, 16 são mulheres (76% do total) e 5 são homens[11]. Pensamos que tal como se observa noutros países europeus e de acordo com a promoção da mobilidade que hoje existe nas universidades portuguesas, também se irá assistir a um aumento da tendência de mobilidade precoce.

 

Nota final

Este breve texto teve como objetivo evidenciar três pontos: saber quais os momentos da carreira em que mais frequentemente ocorre a mobilidade, elucidar sobre os sentidos e as valorizações atribuídas pelos próprios investigadores a esses percursos e, finalmente, evidenciar a panóplia de motivos inerentes à mobilidade. No total de 101 investigadores considerados no estudo, centrado num centro de investigação em particular, podemos observar que o doutoramento é a fase do percurso académico marcada, por excelência, pelo desenvolvimento de relações de investigação que envolvem a deslocação física do investigador para uma, ou mais, instituições onde a investigação, ou parte dela, é desenvolvida. Nesta etapa académica, os destinos de mobilidade podem envolver vários países ou estarem circunscritas a instituições no país onde o investigador obteve o grau (podendo este ser o país de origem do investigador ou não). Além disso, o pós-doutoramento é uma etapa não transversal ao percurso científico de todos os investigadores. Para alguns investigadores, esta etapa é experienciada fora do país de origem e repetida duas a três vezes; para outros investigadores, enquadrados na carreira docente ou outro tipo de estrutura organizacional, esta etapa não consta no currículo. No pós-doutoramento, há uma clara preferência dos investigadores para experiências nos EUA, quando comparada com a escolha da Inglaterra para a realização do doutoramento e não obstante a escolha da Inglaterra ser também preponderante neste estágio de carreira. Finalmente, é visível pelos testemunhos recolhidos que a carreira profissional dos investigadores é de formulação complexa, dada a diversidade do número de funções exercidas e a respetiva sucessão de decisões com impacte determinante na carreira. Regista-se ser no profundo sentimento de vocação e de paixão pela ciência que os investigadores racionalizam o desejo de prosseguir na carreira científica em Portugal ou noutro país estrangeiro.

  

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 [1] O artigo enquadra-se no projeto científico MOBISCIENCE “Mobilidade dos investigadores em Portugal”, (FCT/ PTDC/ESC/64411/2006) financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, coordenado pelo CICS com a participação do DINAMIA e do SOCIUS.

Estamos imensamente gratas aos investigadores que acederam participar neste estudo. Estamos igualmente gratas à direção do centro citado ao longo do artigo, a qual comentou a primeira versão e autorizou a identificação da respetiva unidade.

[2] Relatório oficial de 2007 (IGC, 2007, p 28) informa que o volume da produção científica, assim como o número de citações das publicações, cresceu de forma regular ao longo do período 2000-2007. O número médio de citações em papers, nas diversas especialidades, é superior ao nível nacional. Dados mais recentes demonstram progressão incessante desde então (IGC, 2010).

[3] Este número integra os grupos internos e os grupos externos do centro de investigação. A distinção entre ambos passa pelo facto dos segundos após a sua instalação no IGC se terem mudado para outros centros de investigação, permanecendo associados ao centro de investigação nas colaborações científicas mas também no acesso a instalações e plataformas tecnológicas do centro de investigação em causa (ex.: biotério, serviços de sequenciação, etc.). As equipas de investigação têm um número de elementos variável que pode oscilar entre os 2 e 17 investigadores e uma composição heterogénea, com um número variável de estudantes de mestrado, estudantes doutoramento, investigadores pós-doutorandos, investigadores doutorados e pós-doutorados.

[4] A informação retirada do website institucional e dos relatórios anuais 2005 e 2006, também disponíveis no website, foi agregada numa lista de nomes, e-mails e grupo de pertença dos investigadores elegíveis, utilizada para a realização da pesquisa.

[5] Não foram encontradas referências relativas à nacionalidade destes investigadores.

[6] Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa e Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica.

[7] A avaliação vincula, desta forma, a instituição à prossecução de atividades e objetivos específicos, à forma de os alcançar e aos prazos a observar.

[8] Como Investigadores Principais, professores universitários, CEOs de start-ups em biotecnologia, outros seguiram uma carreira associada à ciência como médicos em hospitais, administradores e comunicação em ciência em instituições locais e em ONGs no estrangeiro.

[9] Nomeadamente a Siemens Portugal e a Champalimaud Foundation.

[10] Para uma análise da evolução do sistema científico português, ver Nunes e Matias (2004).

[11] As bolsas da União Europeia (Erasmus[11]) são a fonte de financiamento indicada por 14 dos investigadores que tiveram, nesta etapa da formação, a sua primeira experiência académica numa instituição no estrangeiro.

Autores: Sofia Bento, Emília Araújo e Ana Oliveira