2025, n.º 39, e2025395

Ana Costa
FUNÇÕES: Concetualização, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do Projeto, Redação do rascunho original
AFILIAÇÃO: CICS.NOVA.UÉvora. Universidade de Évora, Palácio do Vimioso,
Largo Marquês de Marialva, 8, 7000-809 Évora, Portugal
E-mail: ana.d.costa@sapo.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7581-0847

Maria Manuel Serrano
FUNÇÕES: Concetualização, Metodologia, Supervisão, Visualização, Redação-revisão e edição
AFILIAÇÃO: Universidade de Évora, Escola de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia & ISEG Research,
Universidade de Lisboa. Universidade de Évora, Largo dos Colegiais, N.º 2, 7004-516 Évora, Portugal
E-mail: mariaserrano@uevora.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3545-6879

Resumo: O papel das organizações da economia social na economia em geral, e na criação de emprego em particular, tem sido amplamente reconhecido por instituições nacionais e internacionais. Um projeto de investigação sociológica denominado, A sustentabilidade das organizações sociais no contexto da economia social: O caso das Santas Casas da Misericórdia, sustenta teórica e empiricamente o presente artigo. Este visa caraterizar o emprego em organizações da economia social e identificar os constrangimentos que as organizações enfrentam, bem como os apoios disponíveis para a contratação do pessoal necessário ao cumprimento da sua missão. O enquadramento teórico refere as origens e evolução da economia social, a sua vocação, os valores que persegue e o tipo de organizações que concretizam os seus objetivos. Aborda-se também a postura das instituições nacionais e internacionais face à economia social e ao papel que as suas organizações desempenham na criação de emprego e na integração de trabalhadores no mercado de trabalho. A estratégia metodológica da investigação assentou no estudo de casos, tendo sido estudadas 15 Santas Casas da Misericórdia do distrito de Évora. A análise dos resultados permitiu concluir que a capacidade empregadora das Misericórdias depende, em parte, das medidas de apoio ao emprego, geridas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pelo Instituto de Segurança Social (ISS), as quais permitem contratar pessoal a baixo custo. O conteúdo do trabalho, especificamente ao nível da prestação de cuidados à população idosa, parece não ser atrativo devido às exigências de horário e ao desgaste físico e emocional, mas também devido ao salário. As mulheres predominam, nesta e nas restantes funções desempenhadas nas Misericórdias.

Palavras-chave: economia social, emprego, Misericórdias, gestão de recursos humanos.

Abstract: The role of social economy organizations in the overall economy, and particularly in job creation, has been widely acknowledged by both national and international institutions. The present article is theoretically and empirically grounded in a sociological research project entitled The Sustainability of Social Organizations in the Context of the Social Economy: The Case of the Holy Houses of Mercy. Its purpose is to characterize employment within social economy organizations and to identify the constraints these organizations face, as well as the support mechanisms available for hiring the personnel necessary to fulfil their missions. The theoretical framework addresses the origins and evolution of the social economy, its mission, the values it promotes, and the types of organizations that embody its objectives. It also considers the stance of national and international institutions towards the social economy and the role played by its organizations in job creation and in the integration of workers into the labour market. The methodological strategy of the research was based on case studies, involving the analysis of 15 Santas Casas da Misericórdia located in the district of Évora. The analysis of the results led to the conclusion that the employment capacity of the Misericórdias partly depends on employment support measures managed by the Institute for Employment and Vocational Training (IEFP) and by the Institute of Social Security (ISS), which facilitate the hiring of staff at reduced costs. The nature of the work, particularly in the area of elderly care provision, appears to be unattractive due to demanding working hours, physical and emotional strain, and low pay. Women predominate in this and in most other functions performed within the Misericórdias.

Keywords: social economy, employment, Misericórdias, human resource management.

Introdução

As organizações da economia social têm vindo a desempenhar um importante papel na economia em geral, e na criação de emprego em particular, o qual é amplamente reconhecido por instituições nacionais e internacionais. Neste artigo apresentam-se alguns resultados obtidos no âmbito de uma investigação sociológica denominada, A sustentabilidade das organizações sociais no contexto da economia social: O caso das Santas Casas da Misericórdia (Costa, 2022). O artigo tem com objetivo caraterizar o emprego em organizações da economia social e identificar os constrangimentos que essas organizações enfrentam, bem como os apoios disponíveis para a contratação do pessoal necessário ao cumprimento da sua missão.

A estrutura do artigo assenta em quatro tópicos. No enquadramento teórico dá-se conta das origens e evolução da economia social, sua vocação, valores que persegue e do tipo de organizações que concretizam os seus objetivos. Faz-se referência à postura das instituições nacionais e internacionais face à economia social e ao papel que as suas organizações desempenham na criação de emprego e na integração de trabalhadores (pouco ou nada qualificados) no mercado de trabalho. Ainda que a criação de emprego não constitua um objetivo em si mesmo, o facto é que as organizações da economia social têm vido a contribuir positivamente nesta matéria, com reflexos na economia.

No segundo ponto apresenta-se a metodologia de suporte à investigação, ancorada na realização de estudos de caso em 15 Santas Casas da Misericórdias (SCM) do distrito de Évora, a qual privilegiou uma abordagem qualitativa. De seguida, apresenta-se parte dos resultados obtidos nas Misericórdias objeto de estudo, com enfase no emprego e nas variáveis relacionadas, nomeadamente a relação contratual, a política salarial, o recrutamento, as caraterísticas dos recursos humanos, entre outras. Por fim, apresentam-se algumas conclusões e relacionam-se os resultados obtidos nos contextos organizacionais estudados com a teoria previamente apresentada.

Enquadramento teórico

Em sentido estrito, a economia social remete para as atividades económicas que procuram a “democracia económica associada à utilidade social” (Defourny, 2009, p. 156). De modo mais amplo, a economia social integra “o conceito de solidariedade e, concretamente, a hibridação de recursos mercantis, não-mercantis e não-monetários” (Defourny, 2009, p. 156).

A economia social moderna surge na Europa ao longo do século XIX[1]. Na primeira metade deste século emergem, nos países ocidentais, numerosas iniciativas de tipo cooperativo e mutualista no campo socioeconómico. Estes associativismos operários e camponeses inspiraram-se em “várias correntes de ideias que marcaram todo o itinerário da economia social e que salientaram o seu pluralismo politico-cultural” (Defourny, 2009, p. 156), desde as origens até aos nossos dias.

O socialismo associativista[2] dominou o movimento operário internacional de tal forma que, com alguma frequência, “se identificou socialismo com economia social” (Defourny, 2009, p.  156). Também Marx se mostrou favorável ao desenvolvimento do cooperativismo. O desenvolvimento da economia social contou ainda com a participação do cristianismo, “Muitas iniciativas originaram-se no baixo clero e em comunidades cristãs; porém, no nível da Igreja-instituição, foi especialmente a encíclica Rerum Novarum, de 1891, que manifestou um estímulo à economia social” (Defourny, 2009, pp. 156-157).

A abertura à economia social também se fez sentir na escola liberal. A premissa da liberdade económica e a rejeição das “ingerências” do Estado leva à defesa do princípio do self-help, o qual se consubstancia no apoio às associações de ajuda mútua entre os trabalhadores. Face a este contexto, e de acordo com a mesma fonte (Defourny, 2009), é evidente que, na Europa, a economia social moderna emergiu do cruzamento das grandes ideologias do século XIX.

No final do século XX, a tradicional distinção entre setor privado (centrado no lucro) e setor público (centrado no interesse geral) parece não abranger a totalidade das atividades produtivas nos países industrializados e redescobre-se a importância das organizações que combinam modelos de gestão privados e coletivos (e.g. associações), com finalidades não centradas no lucro.

No século XXI, a economia social tem sido caraterizada segundo duas versões. A primeira consiste em “identificar as principais formas jurídicas ou institucionais da maioria das iniciativas atuais da economia social, cujas componentes são as empresas de tipo cooperativo, as sociedades de tipo mutualista, as organizações associativas e as fundações” (Defourny, 2009, p. 156). A segunda “consiste em destacar os traços comuns das empresas e organizações que ela agrupa” (Defourny, 2009, p. 158), ou seja, as “finalidades da atividade” e os “seus modos de organização” (Defourny, 2009, p. 158).

Outra forma mais concisa de caraterizar a economia social baseia-se na combinação de quatro princípios: “a) finalidade de prestação de serviços aos membros ou à coletividade, sendo o lucro secundário; b) autonomia de gestão; c) controlo democrático pelos membros; d) primazia das pessoas e do objeto social sobre o capital na distribuição de excedentes” (Defourny, 2009, p. 158).

Entre 2009 e 2020, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) elaborou diversos pareceres sobre a economia social, dos quais resultaram quatro categorias de organizações da economia social: “as cooperativas, as associações, as mútuas e as fundações, a que se vieram juntar recentemente as empresas sociais” (JC C 286 de 16.07.2021, 2021, p. 15). A União Europeia reconheceu os critérios e conceitos mais representativos da economia social, “como o primado das pessoas sobre o capital, o reinvestimento dos lucros e a governação participativa” (JC C 286 de 16.07.2021, 2021, p. 15), mas ainda se aguarda por uma definição jurídica europeia uniforme.

No âmbito da economia social, há a tendência para opor as grandes organizações, mais antigas e fortemente institucionalizadas, a uma “nova economia social” ou a uma “economia solidária”[3] emergente. Nesta perspetiva, as “novas versões” da economia social são portadoras de inovações sociais e princípios democráticos à medida das especificidades dos problemas do século XXI (e.g. desenvolvimento de serviços de proximidade, reabilitação urbana de bairros social e economicamente desfavorecidos, auxílio de pessoas idosas, comércio justo, finanças éticas e solidárias, agricultura sustentável, gestão ambiental dos resíduos ou inserção profissional das pessoas pouco qualificadas). Estas iniciativas, entre outras, pertencem à “economia social de inserção”, um segmento da economia social infinitamente mais vasta (Defourny et al., 1998).

Demoustier (2001) reconhece que, embora existam diferenças significativas entre as várias gerações da economia social, cada uma das suas organizações (independentemente do tipo) encarou os desafios da sua época e concebeu respostas para os problemas sociais com que se deparou. O êxito obtido impulsionou o seu crescimento e a sua institucionalização.

Atualmente, as pessoas e as organizações vivem num ambiente socioeconómico, político e cultural assaz turbulento, onde as desigualdades socais se acentuam progressivamente. Este contexto faz reemergir as potencialidades da economia social, enquanto setor vocacionado para dar resposta a novos e velhos desafios societais, nomeadamente aqueles que atingem os segmentos da população mais carenciados.

A relevância do terceiro setor tem sido amplamente reconhecida, quer pela sociedade civil, quer pelas instituições nacionais, europeias e internacionais. O CESE afirma que “a economia social é cada vez mais reconhecida a nível internacional como um interveniente decisivo e importante, suscetível de exprimir a capacidade organizacional e transformadora da sociedade civil” (JC C 286 de 16.07.2021, 2021, p. 14).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2022), no relatório da 110.ª Sessão da Conferência Internacional de Trabalho sobre trabalho digno e a economia social e solidária, evoca o papel da economia social na criação de trabalho digno, de emprego produtivo e na melhoria dos padrões de vida das populações. Especificamente, reconhece o papel das organizações da economia social na criação de “emprego direto e indireto” (OIT, 2022, p. 29) e “na promoção de oportunidades de emprego e de rendimento e na redução de desigualdades em áreas rurais” (OIT, 2022, p. 31).

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, reconhece o papel preponderante que as organizações da economia social desempenharam na resposta à COVID-19[4] e a outras crises. Reconhece ainda que os valores da economia social e solidária, em particular a primazia das pessoas sobre o capital e a prossecução de objetivos sociais, está na origem de muitos novos modelos de negócios como o comércio justo, o comércio orgânico e a economia circular. Também abarca novos desafios, como sejam a ajuda aos refugiados, a habitação ou a segurança alimentar. Acresce ainda, o papel que este modelo de atuação desempenha na criação de empregos e de bens e serviços essenciais, especialmente para pessoas desfavorecidas (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico [OCDE], 2024).

A função económica e o valor económico gerado pelas organizações da economia social na União Europeia revelam-se muito significativos, quer pela dimensão (8% do PIB), quer pela qualidade e persistência desse valor. Mesmo nos anos da crise financeira verificou-se um aumento dos valores de produção económica e do número de trabalhadores (JC C 286 de 16.07.2021, 2021).

O papel das organizações da economia social na criação e manutenção de emprego é reconhecidamente importante e representa:

mais de 13,6 milhões de postos de trabalho remunerados na Europa, representando cerca de 6,3% da população ativa na UE-28, mais de 232 milhões de membros de cooperativas, sociedades mútuas e organismos similares, e mais de 2,8 milhões de empresas e organizações destes trabalhadores, cerca de 2,6 milhões trabalham para empresas sociais. (JC C 286 de 16.07.2021, 2021, p. 15)

A mesma publicação dá conta de outras caraterísticas do emprego nas organizações da economia social, nomeadamente a prevalência do emprego feminino, mesmo em cargos de direção e de liderança; a relativa equidade salarial na hierarquia organizacional, sem desequilíbrios de género, ainda que os níveis salariais sejam relativamente baixos; fraca valorização social do trabalho de prestação de cuidados; capacidade de mobilização de capital humano voluntário; necessidade de investimento na formação contínua e na qualificação dos trabalhadores, com vista ao desenvolvimento de competências profissionais e organizacionais, entre outros aspetos (JC C 286 de 16.07.2021, 2021).

Para Boselie et al. (2005), o crescimento da economia social e da capacidade empregadora das organizações que a constituem, depende da competência da gestão para inovar e trabalhar em rede, da otimização dos recursos disponíveis, da capacitação dos seus recursos humanos, do envolvimento dos stakeholders e da utilização das tecnologias de informação e comunicação. Para tanto, os atores da economia social deverão prestar uma atenção redobrada à definição de estratégias organizacionais holísticas e integradas, ou seja, que incluam as pessoas e o seu desenvolvimento, como condição para potenciar o desempenho organizacional.

O CESE propõe uma política europeia para a economia social, que permita: criar um sistema tributário amigável; promover o investimento público e privado que fomente o desenvolvimento e o financiamento com impacto social; apoiar o emprego estável e fomentar a participação dos trabalhadores na governação democrática; desenvolver competências e promover a disseminação da inovação e das novas tecnologias na sociedade civil (JC C 286 de 16.07.2021, 2021).

No âmbito da política de emprego, é notória a preocupação com a manutenção dos postos de trabalho dos trabalhadores mais desfavorecidos, ou seja, menos escolarizados, detentores de fragilidades sociais e residentes em territórios igualmente carentes do ponto de vista demográfico e competitivo. As políticas de apoio à economia social visam o reconhecimento do contributo económico e social das organizações da economia social, que sendo entidades de direito privado, desempenham uma função de responsabilidade pública.

A intervenção do Estado em matéria de emprego nas organizações da economia social concretiza-se a dois níveis: por via do financiamento (no âmbito dos acordos de cooperação) e por via da regulamentação. O financiamento tem impacto direto na gestão das organizações, nomeadamente nas políticas e práticas de Gestão de Recursos Humanos (GRH), com reflexo na qualidade do emprego e nos níveis remuneratórios. A regulamentação poderá influenciar a dimensão das estruturas organizacionais e impor o cumprimento de imperativos legais inscritos no código do trabalho (e.g. a promoção da formação dos trabalhadores). Segundo Ferreira (2013), as organizações da economia social tornaram-se parceiras do Estado na promoção do emprego e da empregabilidade, envolvendo-se nas políticas ativas de emprego e no desenvolvimento de projetos específicos para a promoção do emprego e da empregabilidade.

A atuação das organizações da economia social também é condicionada pelas caraterísticas do território onde se inserem, uma vez que este determina os recursos financeiros e de coesão, bem como a tipologia e a qualidade da mão-de-obra disponível. À capacidade empregadora da economia social junta-se a capacidade potenciadora de inclusão social através de ações de inserção e integração no mercado de trabalho de grupos de trabalhadores mais vulneráveis, nomeadamente deficientes, migrantes ou mulheres (Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre a Economia Pública, Social e Cooperativa [CIRIEC], 2000, 2007; Rubio, 2008).

Estes atributos da economia social também foram reconhecidos pela Comissão Europeia, a qual lhe reconhece o estatuto de parceiro ativo na criação de oportunidades de emprego e de integração de pessoas desfavorecidas, no tecido social e no mercado de trabalho (Comissão Europeia [CE], 2004).

Em Portugal, a Lei de Bases da Economia Social (Lei n.º 30/2013, 2013) veio clarificar o entendimento sobre economia social, bem como sobre o conjunto das atividades económico-sociais, desenvolvidas pelas designadas organizações da economia social. Esta lei define ainda os princípios orientadores pelos quais estas organizações se devem reger na prossecução da sua missão.

A dimensão económica da economia social, em Portugal, é observada no âmbito do projeto conjunto do Instituto Nacional de Estatística e da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social. A Conta Satélite da Economia Social (CSES) disponibiliza informação estatística sobre as organizações do setor, com o objetivo de conhecer as suas principais caraterísticas e o seu contributo para a economia nacional.

Observados os resultados de 2010, 2013, 2016 e 2020 da CSES (Instituto Nacional de Estatística [INE] & Cooperativa António Sérgio para a Economia Social [CASES], 2013, 2016, 2019, 2023), é evidente uma evolução geral positiva do setor no contexto nacional. A Tabela 1, mostra que o número de organizações da economia social cresceu ao longo dos quatro momentos de observação, sendo esse crescimento mais significativo de 2013 para 2016, período no qual nasceram mais 10.617, quase o dobro do período anterior. A tendência de crescimento verificou-se também no valor acrescentado bruto (VAB), emprego remunerado e remunerações pagas, com exceção do ano de 2020, no qual estes dois últimos indicadores sofreram uma ligeira quebra, muito provavelmente devido aos efeitos da pandemia COVID-19, os quais se fizeram sentir também ao nível da economia nacional.

Uma análise global do emprego remunerado (Tabela 2) no âmbito da economia social permite verificar ligeiros aumentos, entre 2010 e 2016 e, no ano de 2020, o emprego remunerado decresceu ligeiramente (0,2%). Constata-se ainda uma evolução positiva do emprego remunerado na maioria das organizações da economia social, com exceção das Cooperativas. Em 2020, as organizações da economia social mais empregadoras foram as Associações com fins altruísticos (65,47%), seguidas das Misericórdias (16,95%) e das Cooperativas (9,65%), hierarquia que se mantém na totalidade dos anos observados.

A componente económica e financeira da economia social é de extrema importância e deve ser conciliada com sua dimensão social (JC C 286 de 16.07.2021, 2021). De facto, importa medir a capacidade de gerar capital financeiro, mas também o impacto social, ou seja, os efeitos produzidos na melhoria das condições de vida das populações alvo. Idealmente, a eficiência económica deve atender às necessidades sociais e proporcionar o equilíbrio necessário à sustentabilidade e desenvolvimento (Collette, 2008).

Tabela 1 Principais indicadores da Conta Satélite da Economia Social (2010, 2013, 2016 e 2020)

Fonte: Conta Satélite da Economia Social 2010, 2013, 2016, 2020 (Costa, 2022, pp. 14-15).

Tabela 2 Emprego remunerado nas organizações sociais (2010, 2013, 2016 e 2020)

(a) ETC — Unidades de trabalho equivalentes a tempo completo.
Fonte: Conta Satélite da Economia Social 2010, 2013, 2016, 2020 (Costa, 2022, pp. 13-14).

A sustentabilidade financeira das organizações da economia social impõe uma mudança de paradigma, ou seja, o distanciamento da visão assistencialista tradicional e a procura de soluções orientadas para os resultados e o retorno, sustentada na profissionalização dos processos de gestão organizacional. Esta lógica de gestão supõe a inovação social e organizacional, com reflexo na organização do trabalho, nos processos de tomada de decisão, na gestão dos recursos humanos e na liderança, com vista à aplicação eficiente dos recursos.

Como sublinha Ferrão (2000), as caraterísticas dos territórios são marcantes em matéria de quantidade e qualidade do emprego disponível. Enquanto as zonas urbanas e litorais concentram cada vez mais população, o interior do país está despovoado e envelhecido. Estes territórios, designados de territórios de baixa densidade,[5] como é o caso do Alentejo, caraterizam-se por constrangimentos sociodemográficos, económicos e de sustentabilidade do emprego. De modo geral, estes territórios apresentam maiores fragilidades na estrutura demográfica (e.g. envelhecimento populacional e baixos níveis de escolaridade) e económica, com predomínio das atividades ligadas ao setor primário, colocando-os em desvantagem competitiva (Ferrão, 2000). De facto, desde a sua génese que se reconhece à atuação das organizações da economia social um papel crucial no desenvolvimento local, nomeadamente na reconciliação da economia com a sociedade, impulsionando o desenvolvimento sustentável (Domingues, 2014).

No contexto português, e no Alentejo Central em particular, a economia social segue as tendências nacionais e dos países europeus, no que concerne à sua evolução, ação e finalidades. Esta região, classificada como território de baixa densidade, apresenta indicadores demográficos, económicos e sociais desfavoráveis, associados a situações de isolamento geográfico e relacional da população idosa; dificuldades de atração e fixação de população jovem; níveis de desemprego relativamente elevados e uma significativa dependência (de parte da população) de prestações sociais. Estas especificidades regionais constituem verdadeiros desafios para as organizações da economia social que atuam no território e inspiram inúmeras possibilidades de inovação, organização e expansão de respostas sociais. Neste contexto, as organizações da economia social podem potenciar o crescimento social e económico do Alentejo, pela criação de emprego e pela promoção de condições para o trabalho digno, dimensões essenciais para a eficiência e eficácia da qualidade dos equipamentos, serviços e respostas à população.

Metodologia

A estratégia metodológica subjacente à investigação que serve de base a este artigo — A sustentabilidade das organizações sociais no contexto da economia social: O caso das Santas Casas da Misericórdia (Costa, 2022) — assentou num estudo de caso múltiplo, em organizações da economia social, especificamente em Misericórdias, no distrito de Évora.

O universo das Santas Casas da Misericórdia no distrito de Évora é constituído por 25 organizações. À data da realização do estudo (2021), apenas 21 Misericórdias desenvolviam atividade, com indicação do número de pessoas apoiadas e do número de trabalhadores diretos. Destas, apenas 15 Misericórdias aceitaram participar no estudo, pelo que se realizaram 15 estudos de caso, os quais cobrem 13 dos 14 concelhos que integram o distrito de Évora.

A técnica de recolha de informação privilegiada foi a entrevista semiestruturada, realizada aos dirigentes das SCM. O guião de entrevista, contém 66 perguntas alicerçadas em 9 eixos temáticos: caracterização das organizações sociais; serviços e atividades; modelo de governabilidade; gestão de recursos humanos; fontes de financiamento; accountability (visão de longo prazo); sustentabilidade; stakeholders; e economia social.

A informação recolhida, de natureza qualitativa, foi tratada com base na análise de conteúdo e os excertos discursivos utilizados no corpo do texto para ilustrar e fundamentar os resultados.

Para além das entrevistas realizadas, foi recolhida e analisada informação documental disponibilizada pelas Misericórdias. No caso específico do emprego, foi recolhida informação documental para caraterizar os trabalhadores e para conhecer a aplicabilidade de medidas de incentivo ao emprego no âmbito da contratação.

Resultados

No âmbito da estrutura organizacional, as 15 Misericórdias, declaram que possuem um órgão para a gestão dos recursos humanos, ainda que as suas designações sejam diversas, nomeadamente: setor de recursos humanos, secretaria, serviços administrativos, direções técnicas, secretaria geral, provedor, unidade administrativa e de recursos humanos (Costa, 2022).

Ainda que as designações sejam plurais, a função GRH é, em todos os casos, meramente administrativa, situação confirmada pela sua dependência hierárquica. Em 12 Misericórdias depende diretamente da mesa administrativa e de gestão e nas outras 3 depende de um patamar intermédio responsável pelas áreas financeira e administrativa. Mais especificamente, os trabalhadores afetos à GRH desenvolvem tarefas administrativas relacionadas como o processamento e pagamento de remunerações, registo e contagem da assiduidade e pontualidade, elaboração dos mapas de férias, atualização da informação nos processos individuais dos trabalhadores, como se pode confirmar pelos excertos dos discursos dos entrevistados:

Processamento de salários… medidas de apoio/incentivo, estágios. Controlo de registos de ponto. Registo de férias, ausências, baixas médicas (SCM F). (Costa, 2022, p. 118)

Assiduidade, remunerações… tudo o que tem a ver com a gestão dos recursos humanos no aspeto funcional. Já o recrutamento é da responsabilidade da mesa administrativa, do coordenador técnico e da diretora técnica que realizam a avaliação curricular dos candidatos e as respetivas entrevistas, após naturalmente a área ou departamento identificar a necessidade de contratação. É de referir que a decisão da contratação é sempre da mesa administrativa (SCM J). (Costa, 2022, p. 119)

Segundo os dirigentes das Misericórdias entrevistados, o recrutamento de pessoal foi a prática de GRH que ganhou maior relevância, com a intervenção de várias áreas funcionais no processo de recrutamento (Costa, 2022):

No que respeita ao recrutamento a área da gestão de recursos humanos participa em conjunto com outras áreas da organização neste processo (SCM A) (Costa, 2022, p. 118)

(…) Também participam no recrutamento, conjuntamente com o elemento da área da integração e a mesa administrativa (SCM B) (Costa, 2022, p. 118)

São também referidos os atores que desempenham tarefas nos procedimentos de recrutamento de pessoal, as técnicas utlizadas e os seus intervenientes. Neste domínio fica bem claro que o poder de decisão se situa ao mais alto nível da estrutura hierárquica e as técnicas de seleção invariavelmente utlizadas são a análise curricular e a entrevista:

O Recrutamento é efetuado pelo setor de recursos humanos, conjuntamente com a Direção Geral e o responsável pela área que vai receber o novo elemento (SCM C). (Costa, 2022, p. 118)

Quem faz o recrutamento são as direções técnicas, fazem as entrevistas de recrutamento e depois fazem a proposta à mesa administrativa (SCM D). (Costa, 2022, p. 118)

Quando recrutamos… efetuamos sempre um procedimento concursal com júri nomeado constituído por elementos da mesa (SCM E). (Costa, 2022, p. 118)

No que respeita ao recrutamento, normalmente a responsável do pessoal faz partes das entrevistas conjuntamente com outros elementos diretamente relacionados com o posto de trabalho a ocupar e um elemento da mesa administrativa (SCM G). (Costa, 2022, p. 118)

(…) Também participam no recrutamento, conjuntamente com o elemento da área da integração e a mesa administrativa (SCM I). (Costa, 2022, p. 118)

Relativamente ao recrutamento a área da gestão de recursos humanos participa nesse processo em conjunto com as áreas de acolhimento (SCM L). (Costa, 2022, p. 119)

(…)  Relativamente ao recrutamento aquilo que normalmente fazemos é a abertura de concursos normalmente até costuma ser o advogado, responsável pelo gabinete jurídico que faz essas seleções em conjunto sempre com elementos da mesa administrativa. Fazemos análise curricular e entrevista (SCM P). (Costa, 2022, p. 119)

No que concerne à política de recrutamento, os dirigentes das Misericórdias destacam a importância das medidas de apoio à contratação do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e do Instituto de Segurança Social (ISS), na medida em que estas possibilitam a renovação dos quadros de pessoal.

Muitos dos contratos emprego e inserção acabam por se revelar bons profissionais e acabam por ser contratados. O projeto é uma porta de entrada para novas contratações (…) (SCM F). (Costa, 2022, p. 163)

Maior facilidade na contratação de novos recursos humanos com a integração de um público específico no mercado de trabalho (…) (SCM I). (Costa, 2022, p. 163)

As vantagens são muitas, se não fosse de facto esta medida… nós não teríamos essa possibilidade de ter estas pessoas que estão a fazer toda a diferença aqui em termos de assistência aos nossos utentes seja aos idosos seja às crianças… (…) (SCM N). (Costa, 2022, p. 163)

Permitir dar emprego a estas pessoas através das medidas e programas referidos, respondendo às necessidades da Instituição, com um custo menor, e em simultâneo avaliar as capacidades dos beneficiários, com vista a pleno emprego futuro (SCM O). (Costa, 2022, pp. 163-164)

Outra das vantagens reconhecida pelos dirigentes aos apoios à contratação prende-se com o apoio financeiro, ou seja, com possibilidade de redução de custos das organizações na contratação de pessoal.

A vantagem é poder contratar pessoas com menos custos, trazendo benefícios na gestão financeira da instituição. (…) (SCM N). (Costa, 2022, p. 163)

Recorremos a algumas destas medidas que apresentam vantagens económicas para a Misericórdia (SCM H). (Costa, 2022, p. 163)

Existe vantagens financeiras para a Misericórdia em recorrer a estas medidas, aliás faz parte das estratégias de sustentabilidade da instituição (SCM P). (Costa, 2022, p. 163)

A totalidade das Misericórdias referiu a existência de dificuldades de recrutamento de pessoal com perfil para trabalhar com pessoas idosas, com mobilidade reduzida ou em total dependência. Uma das razões encontradas para justificar esta dificuldade prende-se com os horários de trabalho, nomeadamente com a necessidade de trabalhar por turnos e aos fins-de-semana. A categoria profissional onde a dificuldade de contratação é maior são os auxiliares de ação direta, devido aos constrangimentos acima identificados. Perante as dificuldades enunciadas, as Misericórdias veem-se obrigadas a contratar quem se mostra disponível e posteriormente acompanhar o desenvolvimento de competências “através do acolhimento e acompanhamento direto na execução das tarefas”. (Costa, 2022, p. 132)

Nas auxiliares e ajudantes há claramente uma dificuldade para alcançar o padrão de qualidade que gostaríamos, porque estamos a admitir tudo o que aparece. E há pessoas que claramente não tem vocação para a tarefa de lidar com a população idosa (SCM A). (Costa, 2022, p. 132)

Temos dificuldades no recrutamento das profissionais que desenvolvem a sua função diretamente com os idosos. As candidatas apresentam constrangimentos vários aquando da sua eventual seleção, não querem trabalhar por turnos, não querem trabalhar aos fins-de-semana. (…) (SCM B). (Costa, 2022, p. 132)

Nas auxiliares de ação direta, que têm contato direto com os idosos, temos muitas dificuldades. As pessoas que lá aparecem não querem trabalhar lá, portanto aparecem oito ou nove pessoas enviadas pelo IEFP, são obrigadas a ir à entrevista, e ficam uma ou duas, porque as outras não querem trabalhar com a população idosa (SCM C). (Costa, 2022, p. 132)

Atualmente a falta de mão de obra com experiência e capacitada para geriatria e acompanhamento ao idoso é uma das maiores dificuldades (SCM I). (Costa, 2022, p. 132)

As dificuldades centram-se nas auxiliares de ação direta para a área da população idosa, uma vez que é necessário ter perfil para trabalhar com os idosos e não é fácil contratar para este efeito (SCM N). (Costa, 2022, p. 132)

As dificuldades que a Misericórdia apresenta centra-se na contratação de auxiliares de ação direta. A área da população idosa não é apelativa e traz preocupação à organização… não consegue estabilidade no âmbito do pessoal nesta área de atuação (SCM O). (Costa, 2022, p. 133)

A remuneração é outro fator que acentua as dificuldades de recrutamento de auxiliares de ação direta. Estas recebem o salário mínimo nacional, o qual não consideram atrativo para desempenhar uma função “desgastante, física e emocionalmente” (Costa, 2022, p. 133).

(…) Para trabalhar com os idosos é preciso perfil, e muito vezes, como o valor que se paga é pouco, temos muita dificuldade em conseguir auxiliares de ação direta (SCM G). (Costa, 2022, p. 133)

(…) a geriatria é uma área muito complicada, requer pessoas com uma certa especialização, e mais, e não tem remuneração compatível com aquilo que elas fazem, precisamente porque as instituições não têm capacidade financeira, e sendo o trabalho com idosos muito esgotante em termos físicos e psicológicos as pessoas preferem outros sítios para trabalhar onde sejam mais bem remunerados. Mas como os nossos utentes são cada vez mais dependentes, nós acabamos por recrutar quem aparece e que não tem perfil para esta função, depois vão se adaptando (SCM M). (Costa, 2022, p. 133)

Para além desta categoria profissional, as Misericórdias também referem ser difícil recrutar pessoal para a cozinha e enfermeiros. Os enfermeiros são essenciais “nas respostas sociais direcionadas para as pessoas idosas, cujos cuidados exigem um acompanhamento diário por parte destes profissionais” (Costa, 2022, p. 133).

(…) Também temos dificuldade de contratação para a área da cozinha (SCM P). (Costa, 2022, p. 133)

Temos tido dificuldades em contratar enfermeiros, (…) (SCM D). (Costa, 2022, p. 134)

Analisados alguns dos aspetos da política de provisão de recursos humanos nas Misericórdias, importa agora debruçarmo-nos sobre algumas das características e condições de exercício do trabalho dos seus recursos humanos.

A Tabela 3 mostra que a totalidade das Misericórdias estudadas empregam 1423 trabalhadores, 8 das quais empregam mais de 100 trabalhadores. Uma análise mais fina, por grupo de idades, revela que a maioria dos trabalhadores se situa nos grupos etários 30-44 e 45-54, com 34,29% e 34,43% do pessoal nessas categorias, respetivamente. Os trabalhadores com menos de 30 anos representam 8,15% e os trabalhadores com mais de 65 anos são minoritários e representam 1,62% do total de trabalhadores.

Tabela 3 Distribuição dos trabalhadores por grupos de idade

Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados pelas SCM (Costa, 2022, pp. 142-143).

Face à distribuição dos trabalhadores pelos grupos de idades, parece poder afirmar-se que estas Misericórdias empregam maioritariamente pessoal relativamente jovem.

A observação da Figura 1 sugere que a política de emprego das Misericórdias parece privilegiar o emprego feminino. De facto, a esmagadora maioria da força de trabalho é do género feminino. São 1292 trabalhadoras (91%), e apenas 131 homens (9%).

Figura 1 Distribuição dos trabalhadores por género
Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados pelas SCM (Costa, 2022, p. 144).

No que respeita às habilitações literárias dos trabalhadores das 15 Misericórdias em estudo (Tabela 4), observa-se que a maioria dos trabalhadores têm o 3.º ciclo do ensino básico (9.º ano), ou seja, 449 pessoas (31,55%). O segundo maior grupo de trabalhadores, 306 (21,5%), tem o ensino secundário (12.º ano), seguido de 279 trabalhadores com o ensino superior (19,6%). Com uma escolaridade inferior ao 1.º ciclo do ensino básico, há apenas 7 (0,49%) trabalhadores. De referir ainda, que há 26,8% de trabalhadores com o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, sendo, provavelmente, aqueles com idade mais elevada.

Tabela 4 Distribuição dos trabalhadores por habilitações literárias

Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados pelas SCM (Costa, 2022, p. 146).

No que respeita à modalidade de prestação de trabalho, consideraram-se os trabalhadores com vínculo laboral a tempo completo e a tempo parcial, em 3 categorias: efetivos, com contrato a termo certo e avençados. A análise da Figura 2 parece indicar que as Misericórdias privilegiam a estabilidade do emprego. Na modalidade tempo completo, com contrato sem termo (efetivo), há 1070 (75,19%) trabalhadores. Em segunda linha, com contrato a termo certo há 219 trabalhadores (15,4%) e 93 (6,53%) são trabalhadores com avenças.

Figura 2 Tempo Completo
Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados pelas SCM (Costa, 2022, p. 138).

Na modalidade de prestação de trabalho a tempo parcial, o maior número de trabalhadores é avençado (21), 10 são trabalhadores com contrato sem termo (efetivo) e outros 10 trabalhadores têm um contrato a termo certo (Figura 3).

Figura 3 Tempo Parcial
Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados pelas SCM (Costa, 2022, p. 139).

Analisa-se agora, de forma integrada, as modalidades de prestação de trabalho tempo completo e tempo parcial, com a média remuneratória (Tabela 5). A média remuneratória global dos trabalhadores das Misericórdias, com contrato de trabalho sem termo (efetivos) e a tempo completo é de 785,30 euros. Os trabalhadores contratados a termo certo e os avençados, apresentam uma média remuneratória inferior, 751,86 euros e 683,63 euros, respetivamente.

Tabela 5 Média remuneratória em função da tipologia de vínculo (em euros)

Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados pelas SCM (Costa, 2022, p. 141).

No que concerne à prestação de trabalho a tempo parcial, a média remuneratória global do pessoal efetivo é de 465,11 euros, do pessoal contratado a termo certo é de 564,61 euros e dos avençados é de 578,86 euros.

Neste caso, verifica-se uma situação oposta à observada no trabalho a tempo inteiro, com as médias remuneratórias a crescer da esquerda para a direita, nas categorias do tempo parcial.

Vale a pena salientar que apenas duas organizações pagam salários acima dos 1000 euros, aos trabalhadores a tempo integral. A Misericórdia L paga o mesmo valor, independentemente do tipo de vínculo laboral (contrato sem termo e contrato a termo certo) e a Misericórdia M, paga salários acima dos 1000 euros, apenas aos contratados a termo certo.

O recurso às medidas de incentivo ao emprego por parte das Misericórdias em estudo consta da Tabela 6. Neste âmbito, estão abrangidos pela medida de incentivo ATIVAR 35 trabalhadores, em 9 organizações, o que resulta da estreita colaboração entre as Misericórdias e o Instituto de Emprego e Formação Profissional. Porém, as medidas de promoção de igualdade de género são muito pouco utilizadas e abrangem apenas 5 trabalhadores, distribuídos por 4 Misericórdias.

Tabela 6 Medidas de incentivo ao emprego desenvolvidas pelas misericórdias

Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados pelas SCM (Costa, 2022, p. 162).

A segunda medida de apoio mais utilizada pelas Misericórdias (17 trabalhadores em 5 Misericórdias) é a redução de taxa contributiva, destinada a apoiar o emprego de trabalhadores com pelo menos 20% de incapacidade, solicitada junto do Instituto da Segurança Social. As medidas de incentivo à contratação, seja para o primeiro emprego ou para desempregados de longa duração, têm pouca expressão, pois abrangem apenas 2 e 4 trabalhadores, respetivamente.

Conclusões

Nas Misericórdias estudadas, a GRH não figura de modo autónomo na estrutura organizacional. A função é essencialmente administrativa e está integrada em serviços administrativos e financeiros.

No âmbito da política de provisão de recursos humanos, analisaram-se as práticas de recrutamento e seleção de pessoal. As Misericórdias contam com a parceria do IEFP e do ISS, para contratar pessoas ao abrigo das medidas de apoio ao emprego geridas por estes Institutos. Ainda assim, têm muita dificuldade em recrutar pessoal para trabalhar diretamente com a população idosa. No entender das organizações, os motivos para a escassez de auxiliares de ação direta encontram-se na modalidade dos horários (por turnos e ao fim-de-semana) e na baixa remuneração (salário mínimo), aliados a um tipo de trabalho classificado com desgastante física e emocionalmente.

O volume de emprego direto gerado pelo conjunto destas organizações é de 1423 trabalhadores, 8 das quais empregam mais de 100 pessoas. A esmagadora maioria de pessoal ao serviço são mulheres (91%), tal como acontece na generalidade das organizações da economia social, a nível nacional e internacional.

A maior parte do pessoal tem idade compreendida entre os 30 e os 54 anos (68,72%), facto que denota um contingente de trabalhadores relativamente jovem. No que concerne à escolaridade do pessoal, há uma predominância do 3.º ciclo do ensino básico (31,55%) e o pessoal com o ensino superior representa 19,6%.

As organizações parecem privilegiar a estabilidade de emprego a tempo integral, na medida em que 75,19% dos trabalhadores tem contrato sem termo, 15,4% tem contrato a termo certo e 6,53% são trabalhadores com avenças. Na modalidade de prestação de trabalho a tempo parcial, o maior número de trabalhadores é avençado.

Quanto à política salarial, esta parece privilegiar os salários baixos, considerando que a remuneração média global dos trabalhadores das Misericórdias é apenas ligeiramente superior ao salário mínimo nacional (665 euros em 2021). Os trabalhadores a tempo inteiro, com contrato de trabalho sem termo recebem em média 785,30 euros e os trabalhadores contratados a termo certo e os avençados recebem 751,86 euros e 683,63 euros, respetivamente. Apenas duas organizações pagam salários acima dos 1000 euros.

As práticas de recrutamento de pessoal assentam no recurso às medidas de apoio ao emprego, nomeadamente ao ATIVAR (35 trabalhadores), gerido pelo IEFP e à redução de taxa contributiva (17 trabalhadores) destinada a apoiar o emprego de trabalhadores com pelo menos 20% de incapacidade, solicitada junto do ISS. Este procedimento permite às organizações contratar pessoal a baixo custo, dados os constrangimentos financeiros que declaram possuir.

Em suma, a capacidade empregadora das Misericórdias estudadas depende, em parte, das medidas de apoio ao emprego, geridas pelo IEFP e pelo ISS, as quais lhes permitem contratar pessoal a baixo custo. O conteúdo do trabalho, especificamente ao nível da prestação de cuidados à população idosa, parece não ser atrativo devido às exigências de horário e ao desgaste físico e emocional, mas também devido ao salário. As mulheres predominam, nesta e nas restantes funções desempenhadas nas Misericórdias.

Referências

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Data de submissão: 15/04/2024 | Data de aceitação: 16/12/2024

Notas

Por decisão pessoal, as autoras do texto escrevem segundo o novo acordo ortográfico.

[1]A pré-história da economia social remonta às formas mais antigas de associações humanas, nomeadamente no Egipto dos Faraós, na Antiguidade Greco-latina, na Europa da Idade Média, na China Imperial ou na América Pré-Colombiana, há notícia da existência de grupos profissionais, religiosos ou artísticos e outras formas associativas de ajuda mútua (Defourny, 2009).

[2]Marcado pelas utopias de autores como Owen, King, Fourier, Saint-Simon e Proudhon, entre outros (Defourny, 2009).

[3]O conceito de economia solidária constrói-se em torno:
da ideia de solidariedade, em contraste com o individualismo utilitarista que carateriza o comportamento económico predominante nas sociedades de mercado. O termo foi cunhado na década de 1990, quando, por iniciativa de cidadãos, produtores e consumidores, despontaram inúmeras atividades económicas organizadas segundo princípios de cooperação, autonomia e gestão democrática. (Laville & Gaiger, 2009, p. 162)

[4]A atuação das organizações da economia social durante a pandemia COVID-19 aumentou a sua visibilidade perante a sociedade civil e o seu reconhecimento social saiu reforçado.

[5]Áreas com menos de 100 habitantes por km2, com PIB per capita inferior a 75% da média nacional.

Autores: Ana Costa e Maria Manuel Serrano