2025, n.º 37, e2025374

Joana Silva
FUNÇÕES: Concetualização, Aquisição de financiamento, Investigação,
Redação do rascunho original, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais — Polo da Universidade do Minho (CICS.NOVA.UMinho)
& Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal
E-mail: jofteixeira@gmail.com | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3629-3293

Ana Maria Brandão
FUNÇÕES: Concetualização, Metodologia, Supervisão, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho & Centro
Interdisciplinar de Ciências Sociais — Polo da Universidade do Minho (CICS.NOVA.UMinho). Campus de
Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal
E-mail: anabrandao@ics.uminho.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6594-1563

Jean Von Hohendorff
FUNÇÕES: Metodologia, Supervisão, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Atitus Educação, Escola de Saúde, Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Rua Senador Pinheiro, 304. Bairro Rodrigues. Passo Fundo — RS, CEP 99070-220, Brasil
E-mail: jhohendorff@gmail.com | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7414-5312

Resumo: No presente artigo, explora-se e reflete-se sobre experiências individuais de vitimização sexual de homens ocorrida durante a infância e/ou adolescência com o intuito de identificar convergências com trabalhos previamente publicados relativos à temática. Parte-se de um estudo qualitativo, que recorreu ao estudo de casos e à história de vida enquanto técnica primordial de recolha de dados. O objeto empírico do estudo foram treze homens, residentes em Portugal, com idades entre vinte e cinco e sessenta e três anos de idade. Os dados foram tratados com recurso à análise de conteúdo temática. Verificou-se a dificuldade em relatar as memórias da violência sexual sofrida, o que parece estar relacionado com a masculinidade normativa. Na senda de outras investigações, corrobora-se que, na maioria dos casos, os/as agressores/as eram conhecidos/as das vítimas e, não obstante a maioria ser do sexo masculino, regista-se também a presença de mulheres agressoras. Procura-se, assim, contribuir para desmistificar as representações dominantes do homem enquanto opressor e da mulher enquanto oprimida. A idade, as condições de vulnerabilidade dos ambientes familiares e o acesso precário a políticas públicas, como educação, saúde e habitação, surgem como fatores determinantes nos relatos recolhidos. Esses aspectos estão em consonância com estudos anteriores, revelando como essas condições contribuem tanto para a vitimização sexual quanto para os processos de polivitimização, a nível estrutural e individual.

Palavras-chave: vitimização sexual, homens, infância, adolescência.

Abstract: This article explores and reflects on individual experiences of sexual victimization of men during childhood and/or adolescence, with the aim of identifying convergences with previously published work on the subject. This is a qualitative study, which used case studies and life stories as the primary data collection technique. The empirical object of the study was thirteen men living in Portugal, aged between twenty-five and sixty-three. The data was processed using thematic content analysis. There was a difficulty in reporting memories of the sexual violence suffered, which seems to be related to normative masculinity. In line with other studies, it was found that, in the majority of cases, the perpetrators were known to the victims and, although the majority were male, there were also female perpetrators. The aim is to help demystify the dominant representations of men as oppressors and women as oppressed. Age, vulnerable family environments and precarious access to public policies such as education, health and housing appear as determining factors in the narratives collected. These aspects are in line with previous studies, revealing how these conditions contribute both to sexual victimization and to polyvictimization processes, at a structural level and at a social level.

Keywords: sexual victimization, men, childhood, adolescence.

Introdução

As investigações sobre violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino são escassas, inclusive no contexto português, o que resulta em lacunas significativas no conhecimento e compreensão desse fenômeno. Embora os estudos sobre violência em Portugal sejam de grande importância e se concentrem em diversas formas de violência — violência doméstica, contras as mulheres, contra crianças e adolescentes, no namoro, nas relações de intimidade, entre outras[1] —, normalmente, têm como objeto empírico mulheres (Cerejo, 2014; Dias, 2004; Fávero, 2003; Neves et al., 2020). Os homens foram incluídos pela primeira vez em uma investigação no inquérito nacional sobre violência de gênero em 2006-2008 (Lisboa et al., 2009), sendo importante também apontar a relevância do trabalho de Machado (2016), que aborda a violência contra homens adultos nas relações de intimidade. No entanto, esses estudos não abordam especificamente a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino. Além disso, as investigações sobre vitimização sexual masculina ocorrida durante a infância e adolescência se concentram, predominantemente, em populações norte-americanas e de outros países europeus, demonstrando a importância de estudar o contexto português.

A falta de atenção à vitimização sexual de crianças e adolescentes do sexo masculino está intrinsecamente conectada com expectativas e representações sociais que reproduzem ideais de masculinidade rígidos e enraizados, associados a características como a força e a virilidade e ao papel de opressor e nunca de oprimido (Connell, 2003). Isto dificulta o reconhecimento e a abordagem do homem enquanto sobrevivente de violência sexual, contribuindo para a desvalorização e, por conseguinte, para o silenciamento e a subnotificação desse fenômeno (Alaggia et al., 2017; Hlavka, 2017; Petersson & Plantin, 2019).

Partindo da conceptualização e compreensão daquilo que é tomado como violência sexual de crianças e adolescentes (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima [APAV], 2019) e da problematização do género (Amâncio & Oliveira 2014; Butler, 2003; Scott, 1995) — em particular, das masculinidades (Aboim, 2017; Connell, 2003) —, entendido enquanto fruto de um processo de socialização e resultado de um enraizamento histórico-estrutural (Aboim, 2017; Bourdieu, 2012; Connell, 2003), procura-se refletir sobre experiências de vitimização sexual de homens ocorridas durante a infância e/ou adolescência com o intuito de identificar convergências com trabalhos publicados relativos à temática. A identificação de padrões torna possível a adoção de atitudes preventivas e ações efetivas sobre o problema (Young-Bruehl, 2012). Sublinha-se também a importância da visibilização da temática, crónica e historicamente invisibilizada (Alaggia et al., 2017; Hlavka, 2017; Petersson & Plantin, 2019), e da verbalização da violência para o seu processo de ressignificação (Alaggia et al., 2017).

Com tais propósitos, são apresentados resultados parciais da investigação de doutoramento da primeira autora[2], que recorrendo a um estudo de casos qualitativo, teve como objeto empírico treze homens, com idades entre vinte e cinco e sessenta e três anos, residentes em Portugal, vitimizados sexualmente durante a infância e/ou adolescência. Procura-se, aqui, dar conta do/s diferente/s contexto/s da vitimização, aprofundando a análise das características do/a agressor/a, os contornos do/s episódio/s e o contexto social das vítimas. Em particular, os resultados obtidos convergem com a ideia de que fatores como a idade (Ferraz et al., 2021), um ambiente familiar vulnerável (Mckillop et al., 2020) e o precário acesso a edução, saúde e habitação (P. Silva et al., 2019) se destacam enquanto categorias importantes de análise, marcando vários dos relatos recolhidos.

Os relatos recolhidos ilustram situações de polivitimização a vários níveis, não se cingindo unicamente à violência sexual, incluindo também violência psicológica, chantagem, silenciamento, por um lado, e, por outro, sublinhando a importância da vulnerabilidade social, da pobreza e da desigualdade social. A este propósito, cabe ressaltar o círculo vicioso da precariedade e da violência, ao qual parte dos/as próprios/as agressores/as estava também exposta. As experiências relatadas refletem, ainda, expectativas e representações sociais da masculinidade que estabelecem aquilo que é ou não é aceitável para um homem (Butler, 2003; Connell, 2003; Foucault, 2005; Giddens, 1993; Goffman, 1985), sujeitando a vítima a um novo ciclo de vitimização: a descrença e a desvalorização da experiência vivenciada, acompanhada, não raramente, de represálias pelo não cumprimento do seu papel de macho, viril e com apetite sexual voraz.

O artigo divide-se em quatro secções: i) gênero, masculinidades e violência sexual, ii) método, iii) o estigma da vitimização masculina e os desafios no relato da violência sexual: o que é que as entrevistas mostram? e iv) notas conclusivas.

 Gênero, masculinidades e violência sexual

As ciências sociais e humanas, incluindo a sociologia, abordam as relações sociais para além das questões biológicas (Schouten, 2011). É o caso do gênero, que, enriquecido pela contribuição do feminismo acadêmico, abrange temas como poder, regulação, hierarquia e identidade (Amâncio & Oliveira, 2014). O conceito de gênero corresponde à construção social das diferenças sexuais entre o feminino e o masculino. Feminilidade e masculinidade são encaradas enquanto construções sociais e não enquanto características inatas (Amâncio & Oliveira, 2014; Butler, 2003; Schouten, 2011). Embora originado no seio do feminismo acadêmico, o conceito de gênero vai além dos estudos sobre feminilidade e mulheres (Butler, 2003), pelo que ignorar as questões relativas às masculinidades limita a sua compreensão (Connell, 2003).

Assim, a masculinidade é um marcador importante para uma compreensão alargada do conceito de gênero e das relações sociais de gênero na generalidade. Ela é dinâmica, híbrida e plural, constituindo um ideal simbólico que se manifesta em diversos corpos (Aboim, 2017; Connell, 2003). Como tal, a identidade masculina vai além do sexo biológico, sendo moldada por expectativas e normas sociais (Foucault, 2005), incluindo a dimensão simbólica dos códigos sociais (Bourdieu, 2012). Importante notar que não existe apenas uma masculinidade, mas sim múltiplas formas de viver e performar o que significa ser homem, que variam em função de fatores como classe, etnia, sexualidade, cultura e contexto histórico. Desta forma, surgem relações de dominação entre as diferentes masculinidades, permitindo identificar características normativas associadas a elas (Connell, 2003). Assim, as diversas masculinidades e suas relações de dominação revelam que o gênero não é apenas uma identidade, mas também um marcador central na distribuição do poder nas relações sociais (Scott, 1995).

No contexto da masculinidade normativa, a violência — especialmente, a sexual — é frequentemente percebida como uma predisposição associada à masculinidade, uma construção alimentada por uma cultura da violência e pela ideia de virilidade, que são social e culturalmente normalizadas e disseminadas. Isso contribui para a percepção de que homens são predominantemente agressores, encobrindo a possibilidade de que também possam ser vítimas de violência sexual (Connell, 2003; Hlavka, 2017). Desta forma, a experiência da violência sexual compromete a conformidade com a masculinidade normativa, que representa o corpo masculino como impenetrável e penetrador (Butler, 2003).

Esses ideais expõem os homens sexualmente vitimizados ao estigma social, à humilhação, à ignomínia e à vulnerabilidade (Hlavka, 2017; Hohendorff et al., 2012), sendo a vitimização masculina frequentemente percebida como uma ameaça à masculinidade ou como uma possível indicação de homossexualidade (Alaggia et al., 2017; Migliaccio, 2002). Como sublinha Stoller (1989), a masculinidade normativa sugere que um homem não deve se associar a características femininas. Quando submetidos à violência sexual, os homens podem, portanto, ser vistos como femininos e seus corpos compreendidos como corpos femininos (Hlavka, 2017; Petersson & Plantin, 2019) e, portanto, passíveis de violação. Por isso, a vitimização masculina é frequentemente silenciada e subestimada, apesar das suas consequências devastadoras, particularmente quando se trata de violência sofrida durante a infância e a adolescência (Hlavka, 2017; Petersson & Plantin, 2019). Muitos homens permanecem em silêncio, perpetuando a ordem estabelecida (Bourdieu, 2012).

As representações da masculinidade e a dificuldade em relatar a violência torna-se, de fato, ainda mais complexa quando consideramos a vitimização de crianças e adolescentes. Este tipo de violência ocorre quando envolve crianças e adolescentes em atividades sexuais para as quais eles não têm maturidade ou entendimento completo sobre o sucedido (Azambuja & Ferreira, 2011; Rosa & Souza, 2020).

Para essa investigação, partiu-se do pressupostos de que violência sexual contra crianças e adolescentes — pessoas entre 0 e 18 anos de idade — ocorre quando há interação ou contato sexual entre um/a adulto/a e um/a menor, ou entre duas crianças, desde que estejam presentes as seguintes condições: i) uma posição de poder desigual entre as partes envolvidas; ii) quando ocorra uma ação de domínio sobre a vítima; iii) quando se verifique a utilização da criança ou adolescente para estimular sexualmente outra pessoa (APAV, 2019). Ademais, vale ressaltar que o não consentimento de atos sexuais é uma premissa essencial para identificar a violência sexual[3].

No que se refere aos contornos da violência, ela pode ocorrer em um único evento ou se prolongar por anos, mas, habitualmente, acontece repetidamente (Duarte et al., 2012; V. Souza & Sabino, 2021), podendo abranger diferentes aspectos e incluir contato físico ou não. No espectro que inclui contato físico, a violência pode se dar por meio da penetração, manipulação genital e masturbação. A penetração é a forma popularmente mais conhecida da violência sexual e de mais fácil identificação, pois normalmente, deixa vestígios físicos. Por outro lado, a violência sexual sem contato físico também é prevalente e inclui atos como exposição à pornografia, voyeurismo, assédio verbal, coerção para que a vítima se exiba de forma sexual e o envio de mensagens sexualmente explícitas.

Diferentes fatores como a presença de penetração, a duração e a idade do início da violência interferem no impacto dessa vivência (Oliveira et al., 2020). No entanto, é importante não hierarquizar as formas de violência ou vê-las como menos importantes ou menos traumáticas, pois cada pessoa interpreta e sente o episódio de maneira singular. A hierarquização pode contribuir para o silenciamento e para menosprezar o impacto que diferentes experiências têm nas pessoas vitimizadas, desconsiderando a singularidade de cada vivência.

De acordo com o Manual CARE (APAV, 2019), todas as crianças e adolescentes estão suscetíveis à violência sexual. Não obstante, ao encontro das estatísticas e estudos prévios (Ferraz et al., 2021; Sistema de Segurança Interna [SSI], 2022), percebe-se uma maior exposição das crianças mais novas face à possibilidade de vitimização devido à menor perícia para resistir e à maior vulnerabilidade face à autoridade dos/as adultos/as, que facilita a manipulação. Pesquisas demonstram também que os meninos têm uma maior vulnerabilidade face à violência sexual em faixas etárias inferiores por comparação com as meninas (Ferraz et al., 2021), verificando-se uma maior prevalência de vitimização entre os cinco e oito anos (Rosa & Souza, 2020). Tal pode ser compreendido na perspectiva de que, quanto mais velhos, maior a possibilidade de resistência e maior a consciência e/ou acesso a informação sobre os atos e sobre si próprio — sobre o seu corpo e sua sexualidade.

Há uma expectativa de que meninos apresentem reações mais assertivas ou agressivas. No entanto, a crença de que meninos são fortes e capazes de se defender pode, paradoxalmente, aumentar a sua vulnerabilidade, pois reduz o cuidado e a disposição para abordar essas questões (Rosa & Souza, 2020). O silenciamento destes casos dificulta a compreensão do fenômeno da violência e, à medida que os meninos envelhecem, pode haver uma menor probabilidade de revelarem ou notificarem tais episódios. Isso ocorre porque, com a idade, passam a ter uma maior compreensão dos impactos que a divulgação pode ter na família (Alaggia et al., 2017), nos grupos vicinais, estruturas religiosas e educacionais, além dos estigmas e preconceitos previamente referidos (Rosa & Souza, 2020). Além disso, a natureza traumática da violência pode conduzir ao apagamento ou esquecimento de detalhes, fenômeno associado ao Transtorno de Stress Pós-Traumático (TEPT) (Lima et al., 2022). Isto contribui para uma tendência de subnotificação da vitimização masculina. Uma vez mais, entre os motivos para as subnotificações encontram-se a vergonha, a culpa, o medo e os preconceitos/estigmas (Petersson & Plantin, 2019). Entretanto, a falta de notificação dificulta o processo de conhecimento da realidade por meio das estatísticas, que são um importante instrumento para orientar as políticas públicas (Baía et al., 2013).

No que respeita à figura do/a agressor/a, apesar de o senso comum frequentemente associar a violência sexual a estranhos, na realidade, a ocorrência desse tipo de situação é relativamente menos comum (SSI, 2022). Investigações mostram que, na maioria das vezes, as pessoas que perpetram a violência são conhecidas da vítima (Miranda et al., 2020; Rosa & Sousa, 2020), sendo esta frequentemente praticada no contexto familiar (SSI, 2022) — violência “intrafamiliar” — ou por alguém conhecido da vítima e que priva quotidianamente com ela, não obstante não seja consanguínea — violência “extrafamiliar”.

Embora haja uma inegável predominância masculina entre os/as agressores/as sexuais (SSI, 2022), é importante reconhecer que mulheres também podem vitimizar crianças e adolescentes. Como observa Felipe (2006), as estatísticas frequentemente omitem esses casos, pois as mulheres, na função de mães ou cuidadoras, são muitas vezes vistas como acima de qualquer suspeita, o que nem sempre reflete a realidade. A este propósito, Romano e De Luca (2001) destacam que as crianças e adolescentes do sexo masculino são mais propensos a ser vitimizados por mulheres do que as crianças do sexo feminino.

Outra aspecto importante a considerar é que, embora a maioria dos/as agressores/as seja adulta (Ferraz et al., 2021), a violência sexual cometida por adolescentes também  representa uma parte significativa do problema, não obstante ser frequentemente negligenciada e pouco discutida (Benedicto et al., 2017). Esse fenômeno tende a ser mais prevalente no início da adolescência e a diminuir com a idade, o que pode estar relacionado com maior maturidade emocional e responsabilidade social (McKillop et al., 2020) e com o acesso a informação e educação. A descoberta da sexualidade, a falta de uma educação sexual adequada (em casa ou na escola) (Rosa & Souza, 2020), bem como a exposição às desigualdades sociais, negligência e outras formas de violência no ambiente familiar podem contribuir para o desenvolvimento e a acentuação da violência interpessoal (Mckillop et al., 2020; P. Silva et al., 2019).

Em todo o caso, é crucial considerar as desigualdades de poder e de dominação que permeiam estas relações (Faleiros, 2000). A este propósito, o/a agressor/a pode recorrer-se de estratégias de manipulação várias para evitar resistência por parte da vítima. Muitas vezes, o processo é planejado e inclui formas de sedução e coação (Paixão & Neto, 2020; Santos & Dell´Aglio, 2008; Serafim et al., 2009), procurando criar a impressão de que se trata de um ato consensual, com aparente “aceitação” mútua. Apesar disso, a violência sexual é inerentemente coerciva (Conte et al., 1989; Paixão & Neto, 2020), pelo que se torna crucial desconstruir os argumentos de culpabilização da vítima e conhecer o contexto da violência.

O contexto que envolve a violência pode ser brutal em vários âmbitos, pois, além da violência sexual, a vítima encontra-se frequentemente exposta a outros tipos de violência (psicológica, doméstica, etc.), resultando num processo de politivimização, que pode, ou não, ser simultânea (Finkelhor et al., 2007). É também importante considerar as múltiplas formas de violência estrutural que resultam de severas limitações nas áreas sociais, políticas, culturais e econômicas ao nível do acesso a habitação, saúde, educação, segurança, cultura, lazer, transporte, trabalho e segurança alimentar (Lindert et al., 2020; F. C. Silva et al., 2020). Estas condições estruturais podem influenciar a predisposição e favorecer a exposição à violência sexual, criando um círculo vicioso da violência. A combinação de formas de violência pode também levar ao aprofundamento dos seus impactos, dificultando o processo de aceitação e superação (Guerra et al., 2016).

Método

Para alcançar os objetivos de investigação já enunciados, e devido à sensibilidade do tema da violência sexual, adotou-se uma metodologia qualitativa assente no estudo de casos (Minayo, 2009), que permite explorar, em profundidade, as experiências e significados atribuídos pelos indivíduos à violência sofrida. O estudo de casos foi considerado o mais adequado, uma vez que possibilita uma análise detalhada e abrangente de um fenômeno (Yin, 2018), essencial para identificar padrões e variações nas vivências dos entrevistados, permitindo explorar diversos contextos e circunstâncias de vitimização. A principal técnica de coleta de dados foi a entrevista de história de vida (Asplund & Prieto, 2019), procurando captar narrativas ricas e detalhadas na primeira pessoa e compreender as interpretações dos entrevistados em seus contextos sociais (Quivy & Campenhoudt, 2017). As entrevistas foram submetidas a análise de conteúdo temática, que consiste em desmembrar o texto em categorias de agrupamento analógico, detetando a presença de temas recorrentes e que se destacam aquando da interpretação dos resultados (Bardin, 2016). Essa técnica permite interpretar os significados das experiências dos entrevistados, possibilitando uma análise sociológica compreensiva do tema. Essa combinação metodológica permite uma análise sensível às complexidades individuais e contextuais, oferecendo reflexões valiosas e contribuindo para a literatura sobre a temática.

No que se refere à definição do objeto empírico, o objetivo era trabalhar com homens de dezoito ou mais anos de idade, residentes em Portugal, que tivessem sofrido violência sexual na infância e/ou adolescência. Dada a sensibilidade do tema, foi necessário empregar estratégias criativas e demonstrar adaptabilidade para localizar os entrevistados. Assim, contou-se com o apoio de professores/as, pesquisadores/as em violência e masculinidades, associações e movimentos sociais ao nível da divulgação da investigação e do pedido de entrevista. Também se procedeu à divulgação da pesquisa em chats online — grupos disponíveis nas redes sociais, nomeadamente, Facebook e Instagram — e aplicativos de relacionamento — Grindr, Tinder e Taimi —, visando ampliar o alcance e engajar potenciais entrevistados.

Deste modo, utilizando diferentes estratégias impostas pela própria complexidade do trabalho de campo, como o desafio de localizar homens vitimizados sexualmente e, uma vez encontrados, a dificuldade de sensibilizá-los para que participassem das entrevistas, foram inicialmente identificados setenta e cinco potenciais entrevistados. Não obstante, apenas treze se disponibilizaram para efetivamente conceder a entrevista. A desistência ou recusa dos restantes sessenta e dois homens parece estar relacionada a múltiplos fatores, como o estigma social em torno da vitimização masculina, o medo da exposição pública, e a dificuldade em verbalizar o trauma.

Durante todo o trabalho de campo, buscou-se alcançar a maior diversidade possível em termos de idade, escolaridade, orientação sexual, identidade de gênero e nacionalidade dos entrevistados. Contudo, uma vez mais devido à sensibilidade do tema, as dificuldades em encontrar homens dispostos a ser entrevistados limitou a diversidade pretendida. Assim, à data da entrevista, todos os entrevistados residiam em Portugal e tinham idades compreendidas entre 25 e 63 anos. Seis identificaram-se como homossexuais, cinco como heterossexuais e dois como bissexuais. Quanto à escolaridade, abrange desde o ensino básico até o doutorado. Os entrevistados residiam nos Concelhos de Braga, Cascais, Coimbra e Póvoa de Varzim.

As entrevistas foram realizadas entre abril e outubro de 2022, quatro de forma remota e nove presencialmente. As entrevistas realizadas presencialmente decorreram em contextos distintos — nomeadamente, na casa dos entrevistados ou na casa da investigadora quando os entrevistados faziam parte da rede de contactos diretos desta — ou em lugares públicos — quando os entrevistados eram desconhecidos da investigadora. No caso das entrevistas conduzidas em lugares públicos, foi considerada a importância de um contexto que minimizasse variáveis que pudessem prejudicar o processo de fala e reflexão dos participantes. Assim, procurou-se locais neutrais e com o máximo de sigilo possível para que a pessoa se sentisse confortável e conseguisse se expor/abrir mais facilmente. Em média, cada entrevista contou com uma duração aproximada de 60 minutos.

Ao longo da investigação foram adotadas diversas medidas com o intuito de preservar o sigilo e a confidencialidade de todos os entrevistados. Entre elas, destacam-se o recurso a uma declaração de consentimento informado e a atribuição de um nome fictício a cada entrevistado, ambas visando assegurar a garantia de anonimato.

Vale ressaltar que as características pessoais da entrevistadora e primeira autora (nacionalidade, idade, escolaridade e local de residência) influenciaram o perfil dos entrevistados, já que também recorreu à sua rede pessoal no processo de identificação de potenciais entrevistados. Ademais, também o perfil de quem utiliza as redes sociais e aplicativos de encontros — como referido, utilizados como “plataforma de recrutamento” — também pode ter influenciado a composição do objeto empírico, uma vez que esses aplicativos são predominantemente utilizados por pessoas a partir dos trinta anos de idade, o que pode ter acentuado a presença dessa faixa etária entre os participantes.

Finalmente, o fato de a entrevistadora ser uma mulher pode também ter gerado hesitação entre os potenciais entrevistados, já que teriam de discutir experiências que desafiam a masculinidade normativa. Essas dinâmicas sublinham a importância de considerar as interações de gênero e as relações interpessoais no processo de coleta de dados, pois podem afetar tanto a disponibilidade dos participantes, quanto a profundidade das informações fornecidas.

Ressalva-se que, no guião da entrevista, não havia uma questão que abordasse diretamente os detalhes da vitimização, mas sim os seus impactos, pois não era o objetivo principal da investigação abordar os contornos específicos e intrusivos da violência. No entanto, vários entrevistados forneceram essas informações de forma espontânea, permitindo a realização dessa análise. Por se tratar de um tema sensível e para evitar uma nova vitimização, optou-se por não insistir para que os entrevistados detalhassem as experiências. Dessa forma, a análise foi realizada com base nos relatos que os entrevistados sentiram confortáveis em partilhar durante a entrevista.

O estigma da vitimização masculina e os desafios no relato da violência sexual: o que é que as entrevistas mostram?

Nesta seção, expõe-se e discute-se os dados recolhidos por entrevista. O esforço penoso do retorno às memórias, derivado do caráter sensível do assunto trabalhado, esteve presente em todas as entrevistas realizadas. Gabriel, por exemplo, optou por não narrar os pormenores da violência que sofreu quando tinha sete anos, por parte do filho de um amigo do avô, e verbaliza tal inibição: “E ele começou a pedir para tocar… Foram situações, assim, um pouco constrangedoras”. Em oito entrevistas, os homens referem inclusive que as lembranças podem não ser evidentes, confirmando o apagamento, esquecimento ou bloqueio de detalhes associados às memórias traumáticas referidos por Lima et al. (2022). Como afirma Guilherme, “dentro do trauma, eu lembro de uns flashes…”, sendo possível observar o desconforto em falar sobre o assunto pelo tom de voz mais baixo e pela embaraçada troca de olhares com a entrevistadora. A dificuldade em recordar e a escolha de não abordar detalhes da violência vivida, é, frequentemente, um mecanismo de autoproteção tanto emocional — para evitar a revivência da dor, frequentemente associada ao (TEPT) (Lima et al., 2022) —, quanto social, ligada ao receio de estigmatização e julgamento (Hlavka, 2017; Hohendorff et al., 2012).

Foi possível notar que os entrevistados que já haviam trabalhado a questão da violência em algum momento de suas vidas — fosse por meio de acompanhamento profissional especializado ou de compartilhamentos informais — demostraram maior facilidade e abertura para abordar o assunto. É o caso de Felipe que oferece maior detalhe sobre a violência vivida: “ela estava fazendo movimentos, como se ela estivesse batendo uma punheta[4], meu pênis ficou um pouco duro e ela se esfregando em mim, pegando a genitália dela e esfregando em mim”.

Esses receios e hesitações sublinham a importância de romper com os preconceitos associados à vitimização masculina e fornecer acompanhamento adequado para minimizar os impactos na vida dos sujeitos (Hlavka, 2017). Vale, ainda, referir que nenhum dos entrevistados fez notificação na polícia ou em qualquer órgão público da violência a que foi exposto, corroborando o que é descrito na literatura de que os homens tendem a silenciar as situações de violência (Hlavka, 2017; Petersson & Plantin, 2019).

Por forma a sistematizar a análise, ela foi dividida em quatro subcategorias de análise, nomeadamente: i) frequência da vitimização; ii) idade da vítima aquando da ocorrência da vitimização; iii) características dos/as agressores/as; e iv) caracterização do ato de violência.

Frequência da violência

No que se refere à frequência, quatro entrevistados descreveram episódios de violência isolados. Eduardo, por exemplo, menciona que,

um dia, andava eu e ela (…) ela chamou-me para dentro de um campo de centeio e, então, tirou-me as calças e, pá… (…) só me lembro de ela se deitar, puxou-me e tirou-me a roupa… E fiquei ali… (…) E acabou aí, não houve mais nada…

No entanto, sabe-se que a violência frequentemente acontece de forma repetida (Duarte et al., 2012) e os relatos dos restantes entrevistados confirmam essa realidade. Seis homens indicaram que foram expostos a múltiplos episódios de violência, como Gustavo, que afirma que “não foi só um episódio, foram vários episódios”. Alguns explicitam a duração prolongada dos episódios, como Miguel, que refere que situação persistiu “durante vários meses e, depois, acabou”, ou Guilherme, que afirmou que “foram dois anos”.

A análise dos relatos dos entrevistados, em consonância com evidências da literatura (Duarte et al., 2012; V. Souza & Sabino, 2021), revela um padrão de violência sexual caracterizado por sua ocorrência repetida e prolongada. Fatores como a naturalização precoce da vida sexual masculina (Connell, 2003), associada ao estigma frente à vitimização (Hlavka, 2017) e à crença errônea de que os meninos possuem maior possibilidade de defesa ou resistência (Rosa & Souza, 2020), podem levar à negligência e silenciamento do fenómeno por parte das famílias ou cuidadores/as. Isso resulta na exposição prolongada das vítimas aos processos de vitimização, comprometendo práticas de prevenção e intervenção efetivas logo após a ocorrência da violência.

Idade da vítima aquando da vitimização

Os entrevistados enfrentam dificuldade em recordar a idade exata em que as situações de violência ocorreram, muitas vezes relatando uma idade aproximada por associação a determinados eventos de suas vidas. É o caso de Rodrigo, que foi vitimizado com sete ou oito de idade, e que declara que “eu não consigo lembrar exatamente a data. Já tentei rememorar, mas não consigo. (…) Eu lembro da situação, lembro que eu era criança, parece que eu lembro do lugar, só que não bate com a data”.

 Entre os treze entrevistados, seis sofreram violência durante a infância (até aos 11 anos), registando-se quatro casos que ocorreram antes dos sete anos de idade, como o de Lucas, que, com seis anos, foi vitimizado por duas vizinhas adolescentes. Três entrevistados relatam ter sido vitimizados durante a adolescência, como Miguel, que foi violentado por um homem de 45 anos quando tinha apenas 14 anos. Quatro entrevistados relataram que o primeiro episódio ocorreu na infância, mas perdurou até à adolescência. é o caso de Gustavo, que passou por múltiplos episódios de vitimização entre os 9 e 14 anos.

Estes resultados são similares aos de outras investigações, que mostram que a vitimização ocorre com maior frequência até aos oito anos de idade (Rosa & Souza, 2020). Isso pode ser explicado pela particular vulnerabilidade das crianças mais novas, possivelmente devido à sua limitada possibilidade de se proteger, à dificuldade de comunicar suas experiências e até mesmo pela falta de aptidão para compreender certo ato enquanto violência (Azambuja & Ferreira, 2011; Rosa & Souza, 2020). Uma vez mais, a dificuldade dos entrevistados em recordarem detalhes sobre a idade e os eventos associados à vitimização poderá estar associada à profundidade do trauma vivido (Lima et al., 2022).

Características dos/as agressores/as

Pela análise das entrevistas, foi possível verificar a presença de determinadas caraterísticas comuns às pessoas agressoras. Ao encontro dos dados divulgados por outras investigações (Miranda et al., 2020; Rosa & Sousa, 2020), quase todos os/as agressores/as eram conhecidos dos entrevistados, com exceção de um único caso. Tal pode ser explicado por múltiplos fatores, nomeadamente, pela facilidade de acesso às crianças e adolescentes, pela confiança e autoridade que os/as agressores/as possuem face à vítima e, ainda, pela possibilidade de manipulação emocional e psicológica que a familiaridade permite, facilitando a exploração de vulnerabilidades e minimizando o risco de serem descobertos (por exemplo, por meio de táticas de coerção e silenciamento).

Convém destacar que seis entrevistados foram vítimas de múltiplos agressores/as, não obstante não tenham fornecido detalhes sobre eles. Isto indica a existência de um círculo vicioso da violência e da vulnerabilidade, marcado por múltiplos contextos e momentos de vitimização (APAV, 2019). Diogo, por exemplo, relatou que foi violentado por várias pessoas ao longo da infância e adolescência, incluindo “vizinho, primos, chefe dos escuteiros, colega do coral”.

Não obstante, e diferentemente de algumas investigações (Miranda et al., 2020; Rosa & Sousa, 2020), nesta pesquisa, os/as familiares não foram os principais agressores/as: apenas dois entrevistados relatam ter sido violentados por um familiar (violência intrafamiliar). No que se refere ainda à relação entre o/a agressor/a e a vítima, e contrariamente àquilo que é comumente difundido pelo senso comum (SSI, 2022), apenas um entrevistado sofreu violência por parte de alguém desconhecido, não obstante a violência extrafamiliar ser predominante entre os casos investigados.

No concernente ao género dos/as agressores/as identificados/as, 14 eram homens, o que confirma a tendência observada em outras pesquisas e estatísticas que mostram um número significativamente maior de homens agressores (SSI, 2022). No entanto, cinco agressores/as eram mulheres. O caso de Eduardo é ilustrativo, sendo que foi vítima de uma mulher que trabalhava em sua casa quando ele tinha entre 10 e 12 anos, descrevendo-a como “uma criada que eles [pais] tinham lá [em uma propriedade da família]”. Embora às mulheres sejam atribuídas características associadas ao amor e ao cuidado, permeadas por uma visão romântica do afeto (Zanello, 2018), essas mesmas características podem refletir machismo e sexismo e levar à reprodução acrítica, ao silenciamento ou à negação da violência sexual (Vieira, 2018).

Quanto à idade, entre os/as agressores/as identificados/as, sete eram adultos/as e cinco eram adolescentes. Três entrevistados optaram por não mencionar a idade de quem os violentou. Não obstante, oito entrevistados recordam de forma imprecisa a idade das pessoas que perpetraram a violência. É o caso de Eduardo, que descreve a agressora como “uma menina, quase da nossa idade (…). Ela tinha uns trinta anos (…)” e, logo de seguida, “Ela era uma senhora muito mais velha do que eu, podia ser minha mãe”.

Entretanto, a participação de adolescentes em atos de violência sexual como agressores/as reflete dinâmicas sociais e estruturais mais amplas, conforme apontado por investigações prévias (cf., entre outros, Benedicto et al., 2017). Esses atos não podem ser vistos isoladamente, mas sim como consequência da socialização desigual, onde os/as adolescentes são expostos/as a padrões culturais que naturalizam a violência e perpetuam hierarquias de gênero. Além disso, a ausência de uma educação sexual crítica e inclusiva, aliada a condições de vulnerabilidade social, negligência e experiências de violência no ambiente familiar, cria um contexto no qual as relações de poder são reproduzidas e a violência é legitimada (Mckillop et al., 2020; P. Silva et al., 2019).

 A exposição do/a agressor/a a esses fenômenos enquanto fator despoletador da agressão é mencionada por dois entrevistados, que resgataram o contexto de vida das pessoas que os vitimizaram e sugerem que elas também estavam expostas a situações de vulnerabilidade. Eduardo, por exemplo, relata que a agressora “se deitava com outros empregados (…) Era gente pobre e tudo. (…) depois, constava que ela servia de outras pessoas e tudo”. Também Guilherme, que sofreu violência aos quatro ou cinco anos por parte da ama, expõe a situação de vulnerabilidade da mesma, declarando que:

ela tinha um relacionamento abusivo. Eu lembro da minha mãe contando isso. Ela namorava com um cara que ia lá em casa atrás dela. (…) o cara foi uma vez lá na frente de casa, subiu de cavalo em cima do carro.

Assim, as desigualdades sociais emergem como fatores cruciais na perpetuação da violência, destacando a necessidade de integrar o contexto socioeconômico na análise (Lindert et al., 2020; F. C. Silva et al., 2020).

A análise dos dados coletados revela padrões sobre a violência sexual, evidenciando variações relacionadas ao perfil do/a agressor/a, nomeadamente, ao grau de familiaridade com a vítima, ao sexo, à faixa etária e ao contexto socioeconômico. Isto revela a necessidade de refletir sobre as bases estruturais da sociedade, alicerçadas por meio da violência, controle e poder. Homens, mulheres e adolescentes são socializados de formas diferentes de acordo com essas variáveis, conduzindo a uma reprodução da violência de forma acrítica (Bourdieu, 2012).

Caracterização do ato de violência

No que diz respeito aos atos praticados, três homens relataram ter sido violentados por meio de masturbação, três relataram a ocorrência de penetração, um relatou contato físico por fricção com o corpo da outra pessoa e outro relatou violência verbal. Entre os 13 entrevistados, três relataram ter sido expostos a um conjunto de diferentes manipulações, enquanto quatro não detalharam o ocorrido.

Na análise das formas de violência com contacto físico, os entrevistados relataram uma variedade de experiências distintas. Rodrigo, por exemplo, descreveu sua experiência em poucas palavras: “Ele passou sabão e meteu (…) inclusive, eu lembro que ele colocou sabão, então, doeu e ardeu. Eu lembro dessa sensação. Eu fui colocado como passivo”. A dinâmica de poder evidenciada pela experiência de Rodrigo mostra como a violência sexual pode ser uma manifestação de controle, confirmando o indicado por Faleiros (2000), que destaca a desigualdade de poder e a dominação psicológica que permeiam o processo.

Em contraste, aquando do primeiro contacto com a investigadora, Daniel não havia reconhecido a sua experiência enquanto violência sexual por não se ter registado contato físico direto. No entanto, após explicação sobre a definição de violência sexual utilizada na pesquisa, ele concordou em participar da entrevista e expôs o episódio ocorrido com um desconhecido na rua:

Aí, ele pediu para chegar mais perto, estávamos a uns dois metros de distância, ele pediu para chegar mais perto. “Vem cá!” e eu disse: “Hum, o quê?” Eu dei um passo em direção a ele e ele disse assim: “Você não quer fazer um boquete[5], não?”

Esta experiência revela como as normas sociais e a ausência de educação sexual podem influenciar a percepção do que é violência, normalizando-a e não permitindo reconhecê-la como tal.

Apesar dos distintos relatos e experiências, ressalva-se, uma vez mais, a importância de não hierarquizar as formas de violência, incluindo aquelas que não envolvem contato físico (Oliveira et al., 2020). Isto é crucial pois todas as experiências têm um impacto significativo na vida das vítimas e não devem ser minimizadas.

(Re)ação após a vitimização

Não obstante Daniel encarasse a experiência com um certo tom de humor e minimizasse sua importância real, ele também reconheceu, ao longo da entrevista, que a vivência foi profundamente traumática: “Foi, primeiro, um choque. Na época, me senti muito assustado. Naquele momento específico, eu fiquei muito assustado, mesmo, tipo de congelar”. O susto tomou conta da situação, resultando numa não reação de Daniel. Este caso ilustra a falácia de que meninos são menos vulneráveis à violência devido à sua suposta habilidade de defesa (Rosa & Souza, 2020). Idêntica falta de reação é também evidenciada por Eduardo: “Eu vi aquilo, sei lá… Eu sei que aquela senhora chamou-me na intenção de ter sexo. (…) Um gajo daquela idade não tinha reação, não é?”. Ao encontro daquilo que é veiculado por outros estudos (APAV, 2019), o trauma pode manifestar-se em formas de paralisia ou choque, e o medo, a vergonha e o sentimento de impotência influenciam significativamente a possibilidade de resposta tanto durante, quanto após o evento.

A ausência de reação durante o ato de violência frequentemente levanta questionamentos sobre a veracidade da ocorrência, sugerindo que a falta de resposta implica consentimento por parte da vítima. Porém, muitas vezes, a falta de reação é permeada por um processo de planejamento, sedução e coação por parte do/a agressor/a (Paixão & Neto, 2020; Santos & Dell´Aglio, 2008; Serafim et al., 2009), que induz a vítima a acreditar que o ato foi, de facto, consentido ou que foi essa a mensagem que transmitiu. Tal raciocínio contribui para a revitimização, particularmente em crianças e adolescentes, que podem ser incapazes de reagir devido à desigualdade de poder face ao/à agressor/a associada à idade, à não compreensão de que estão sendo vítimas de violência e/ou ao medo.

De fato, nesta investigação, os entrevistados salientaram que a violência não se deu por meio da força. Guilherme, por exemplo, diz que a violência que sofreu foi “consentida em partes”. A partir do seu relato, percebe-se que a perpetradora não utilizou força física, o que faz com que ele tenha a sensação de que houve “consentimento” de sua parte, mesmo que tivesse apenas cinco anos de idade na altura. Isso é também evidenciado por Rodrigo, que refere “eu não me senti forçado”.

Além da ausência de reação e do não recurso à violência física, muitos casos de violência sexual estão associados a outras formas de violência, como chantagem ou ameaças, que visam facilitar o acesso à vítima ou silenciá-la. Gabriel, por exemplo, descreve como a chantagem era utilizada para manipular a situação: “Na altura, eu sabia que algo não estava bem porque ele fazia, entre aspas, chantagem. Ele tinha video game na casa dele e virava-se para mim: ‘Para jogar, tem que fazer isso!’. Aí, eu, criança, cedia”. Da mesma forma, Fernando, que foi vitimizado sexualmente por um homem de 37 anos que conheceu por meio de um chat online, relata ter sido exposto, durante meses, a ameaças de divulgação de sua orientação sexual:

Quando eu não queria voltar, ele fez chantagem emocional. (…) Eram ameaças de que iria contar aos meus pais. Numa primeira fase, eu voltei a encontrar-me com ele uma segunda vez, por medo de ele contar aos meus pais, enfim…

Este relato mobiliza para a discussão da questão das normas sociais e do estigma relacionados à orientação sexual, à masculinidade e à identidade de gênero. As normas sociais, que frequentemente promovem uma visão binária e tradicional da masculinidade, criam expectativas rígidas sobre como os homens devem se comportar, levando ao estigma em torno das masculinidades não heteronormativas (Connell, 2003; Zanello, 2018). Esse estigma resulta em pressão social para conformar-se a padrões de masculinidade convencionais, fazendo com que os indivíduos temam a exposição de sua orientação sexual e identidade de gênero e as possíveis repercussões sociais, como rejeição ou estigmatização (Goffman, 1985).

Assim, os excertos anteriores destacam várias dinâmicas de poder e controle centrais na perpetuação da violência sexual. A chantagem e as ameaças descritas pelos entrevistados ilustram como os agressores utilizam o seu poder para coagir e silenciar suas vítimas (Faleiros, 2000). Essa dinâmica é fundamental para entender como a violência sexual pode ser mantida em segredo por longos períodos de tempo, dificultando a intervenção e a prevenção. Além disso, os relatos revelam que os entrevistados foram expostos não apenas à violência sexual, mas também a outras formas de violência, como a psicológica, resultando em uma polivitimização que intensifica os efeitos traumáticos (Guerra et al., 2016). A exposição prolongada a ameaças e chantagens não apenas perpetua a violência, mas também revitimiza a vítima, criando um ciclo de manipulação que dificulta a denúncia dos/as agressores/as.

Contexto de vida dos entrevistados

Um outro aspecto que requer atenção é o contexto de vida dos entrevistados no momento em que foram vitimizados. Conforme tipologia da APAV (2019), embora não exista um perfil específico de famílias em que a violência, necessariamente, irá acontecer, existem algumas características recorrentemente observadas nos contextos familiares de crianças que sofreram violência sexual, nomeadamente: i) modelo familiar patriarcal; ii) presença de uma pessoa que substitui o pai; iii) exíguo afeto físico e emocional e sentimento de desamparo; iv) repetição geracional da violência infantil; v) relação conjugal/marital dificultosa dos pais; e, por fim, vi) pouca relação social com as pessoas da comunidade.

De fato, nove entrevistados relataram instabilidade no ambiente familiar, incluindo situações de vulnerabilidade financeira e habitacional, além de dificuldades no acesso a serviços de saúde. Lucas refere-se à situação de vulnerabilidade econômica e a situação habitacional precária em que vivia com sua família. O entrevistado morava numa área irregular, sujeita a intervenção governamental para retirada das famílias. Ele recorda que, “depois, teve a tentativa do governo de tirar a invasão[6]. Então, eu vi muita gente correndo, saindo de lá, polícia entrando, gás lacrimogêneo e o caralho a quatro”. Em meio à precariedade habitacional, Lucas também era exposto à vida sexual dos pais:

já tinha pego meus pais transando, né? Com uns quatro ou três anos de idade, (…) Eu fui buscar um brinquedo no meu quarto, mas não tinha porta, era só um lençol que dividia os cômodos… Aí, eu fui buscar e “uuuu”, voltei, eu só vi e voltei…

Assim, além da precariedade habitacional, trespassada pela vulnerabilidade econômica, os relatos também destacam os impactos negativos da falta de acesso a políticas públicas essenciais, como as de habitação, saúde e assistência social, que são cruciais para apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade social (Lindert et al., 2020; F. C. Silva et al., 2020).

A falta ou ineficácia de políticas públicas é também exemplificada no caso de Daniel, que revela a vulnerabilidade enfrentada devido à ausência de acompanhamento adequado dos problemas de saúde mental da mãe:

A minha mãe tem esquizofrenia (…) Tive uma infância bastante pobre, bastante pobre, mesmo, de depender de auxílio, (…) mas o que mais me afetou não foi escassez de recurso financeiro — a gente sempre viveu com pouco —, mas essa questão de não ter… Hoje, eu percebo dessa forma, de não ter um amparo de saúde mental para minha mãe, foi isso.

Em tais contextos, verifica-se uma sobrecarga para conseguir manter a família com acesso ao básico para sobrevivência, podendo haver negligência nos cuidados de crianças e adolescentes. Essa situação está também presente no caso de Guilherme, que declara que “Eu senti que havia uma negligência, uma falta de olhar…”.

Um outro trazido pelos entrevistados é a vivência da violência doméstica e, em alguns casos, a ausência de uma figura paterna. Eduardo, por exemplo, recorda que, “depois, era violência doméstica em casa, do meu pai… Ele batia na minha mãe a torto e a direito. Ele chegou a puxar espingarda, eu cheguei a o deter”.

Ademais, sete entrevistados relataram a ausência ou pouca participação do progenitor no núcleo familiar, como Rafael, vitimizado com cinco anos por um amigo da família: “Quando eu tinha cinco anos, meus pais se divorciaram e meu pai sempre muito ausente, muito centrado nele próprio”. É necessário referir que, dos homens que relataram a ausência afetiva da figura paterna, cinco são brasileiros. No Brasil, essa realidade é recorrente, já que mais de 80% das crianças menores de quatro anos têm como responsável principal uma mulher (P. Souza & Reis, 2021). Felipe, que morava no Pará com os pais, é também exemplo disso:

Depois que eles se separaram, eu morava com a minha mãe e meu pai seguiu com a vida dele e foi trabalhar. (…) nesse período que a minha mãe sumiu um tempo, quem veio cuidar da gente foi minha avó por parte de pai.

Ora, em núcleos familiares onde há ausência de pessoas importantes no processo de cuidado e de divisão de tarefas, pode haver a sobrecarga de alguns familiares, geralmente de uma figura feminina (P. Souza & Reis, 2021) que se responsabiliza pelos cuidados cotidianos e proteção face a possíveis riscos. Algumas investigações sugerem que a ausência do pai (Rudolph & Zimmer-Gembeck, 2018) pode deixar crianças e adolescentes mais vulneráveis a situações de risco. Não obstante, é importante ressalvar que famílias monoparentais chefiadas por mulheres ou em situação de vulnerabilidade econômica e social não são, categoricamente, espaços nos quais se perpetra a violência. Tão-pouco se pretende alimentar uma visão preconceituosa frente às diferentes formas de organização familiar e muito menos responsabilizar essas famílias por questões estruturais. No entanto, é necessário compreender os fatores e cenários de risco, pois uma “situação de precariedade e vulnerabilidade econômica e social acaba maximizando as ocorrências de violência/abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes” (Rosa & Souza, 2020 p. 145).

Notas conclusivas

A análise das entrevistas revelou que os resultados obtidos nesta investigação estão de acordo com outros estudos já realizados sobre o tema. Embora este seja um estudo de caso, suas limitações, como o número reduzido de entrevistados e a homogeneidade sociodemográfica, não comprometem sua contribuição significativa ao aprofundar a compreensão das vivências de homens vítimas de violência sexual no contexto português.

Identificamos padrões no processo de vitimização dos entrevistados. Seis sofreram violência sexual durante a infância (até os 11 anos) e, na maioria dos casos, os/as agressores/as eram conhecidos das vítimas, exceto em um único relato, essa realidade alinha-se com os padrões já identificados em pesquisas anteriores. Além disso, os relatos revelaram que, em muitos casos, a violência foi repetida e prolongada, sem o uso explícito de força física, e os participantes não reagiram de maneira agressiva ou protetiva. Tal situação, também observada em outras investigações, desafia o estereótipo de que meninos, por serem vistos como fisicamente mais fortes ou resistentes, teriam maior possibilidade de defesa. Essa perspectiva equivocada contribui para a negligência e o silenciamento familiar diante da vitimização, minimizando o impacto emocional e físico que essa experiência pode causar.

Durante as entrevistas, os participantes enfrentaram dificuldades em abordar e lembrar sobre a violência sexual que sofreram, o que pode estar relacionado a expectativas sociais de masculinidade e ao processo de trauma. Esse bloqueio pode comprometer a precisão dos dados sobre a prevalência e a natureza da violência sexual. Todos os entrevistados não formalizaram denúncias, seguindo um padrão observado em outras pesquisas. Esse silêncio pode ser atribuído a vergonha, medo de retaliação, desconfiança nas autoridades e normas sociais que desestimulam a vulnerabilidade masculina, dificultando a elaboração de políticas públicas eficazes e a prestação de apoio adequado às vítimas.

Embora a maioria dos agressores fosse homens adultos, é crucial destacar a violência perpetrada por mulheres e adolescentes. Ao contrário de algumas investigações, nesta pesquisa, apenas dois entrevistados relataram ter sido violentados por familiares, e apenas um sofreu violência por um desconhecido. Isso indica que a violência extrafamiliar predominou nos casos investigados. Além disso, revelou-se crucial compreender também os contextos de vida destes/as agressores/as, também eles muitas vezes vítimas de outros tipos de violência. Não procurando aqui a desculpabilização, pretende-se, no entanto, destacar o ciclo de perpetuação da violência e a cultura de violência enraizada socialmente.

A compreensão desse tipo de violência exige um olhar atento sobre as dinâmicas de poder, levantando questionamentos sobre suas bases. É fundamental ampliar a discussão e a pesquisa sobre a violência sexual contra meninos e homens para desconstruir estereótipos e garantir dados para embasamento de políticas sociais. Como destaca Young-Bruehl (2012), há três passos essenciais para uma transformação social significativa: reconhecimento, educação e reformas nas políticas públicas. O reconhecimento é crucial para visibilizar a violência sexual de meninos, frequentemente ofuscada pelo estigma e pela falta de dados. A educação é vital para prevenir a violência e apoiar as vítimas. As reformas políticas criam um ambiente seguro e responsabilizam os/as agressores/as. Este artigo busca contribuir para o reconhecimento desse fenômeno social, avançando na luta contra a violência sexual nos seus mais diferente aspectos.

Esta pesquisa preenche uma lacuna na literatura ao explorar o contexto português, pouco investigado até então. Ao abordar a violência sexual contra homens em Portugal, o estudo oferece uma nova perspectiva sobre os processos de vitimização masculina. Os achados ressaltam a complexidade do tema, frequentemente ignorado, e indicam a necessidade de maior atenção acadêmica e social. Além disso, os dados obtidos destacam a importância de ampliar a diversidade sociodemográfica e geográfica nas pesquisas futuras. Questões como a interseccionalidade e os impactos a longo prazo da vitimização também merecem maior exploração.

Financiamento

Este trabalho foi financiado por fundos nacionais através da FCT — Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto “UIDB/04647/2020”do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA).

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Data de submissão: 07/06/2023 | Data de aceitação: 03/12/2024

Notas

Por decisão pessoal, os/as autores/as do texto escreve segundo o novo acordo ortográfico.

[1]Uma lista completa dos estudos sobre violência em Portugal está disponível no site do Observatório Nacional de Violência e Género (ONVG): https://onvg.fcsh.unl.pt/.

[2]Tese de DoutoramentoemSociologia, financiada pelaFCT(https://doi.org/10.54499/2021.05582.BD), intitulada Homens na penumbra: masculinidades e a vivência da violência sexual

[3]Em Portugal, o Código Penal, estabelece os 14 anos como idade a partir da qual os/as jovens podem consentir esses atos, ainda que existam algumas restrições até aos 16 anos (Decreto-Lei n.º 48/95, 1995). Desta forma, o eventual consentimento em uma relação sexual por parte de uma criança é enquadrado comoumcrime. Assim, ainda que a criança participe ativamente do processo ao permitir, sem oposição, o ato, e isso possa levar a questionamentos sobre se houve violência (APAV, 2019), é crucial sublinhar que a responsabilidade é sempre de quem comete o ato.

[4]Expressão coloquial para designar a masturbação masculina.

[5]Expressão coloquial para designar o sexo oral.

[6]Com a palavra ”invasão”, o entrevistado refere-se a áreas ocupadas irregularmente, normalmente por pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social. São espaços, normalmente, sem estrutura ou planejamento. As ocupações de terra podem ser um problema social e político, especialmente em países onde a distribuição de terras é desigual ou onde há conflitos históricos em relação aos direitos de propriedade, podendo gerar tensões sociais, violência e instabilidade política.

Autores: Joana Silva, Ana Maria Brandão e Jean Von Hohendorff