2025, n.º 37, e2025373

Alexandra Pereira
FUNÇÕES: Concetualização, Análise formal, Investigação, Metodologia, Redação do Rascunho Original,
Redação — Revisão e Edição
AFILIAÇÃO: CECC — Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, FCH — Faculdade de Ciências Humanas,
Universidade Católica Portuguesa. Palma de Cima, 1649-023 Lisboa, Portugal
E-mail: xandramax@gmail.com | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8643-4878

Resumo: O meu enquadramento teórico procura articular as dinâmicas da modernidade em espaço urbano europeu, os processos de diversificação, individualização da religião e postura secular com questões ligadas à dimensão religiosa entre a migração nepalesa na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Parto de uma pergunta de pesquisa que visa indagar se as categorias incluídas no Censos 2021 e no Inquérito Identidades Religiosas e Dinâmica Social na AML são válidas e funcionam, ou não, para descrever a migração nepalesa na AML. I.e., questiono a lacuna na investigação referente à diversidade de pertenças religiosas nos migrantes sul-asiáticos. Analiso qualitativamente os dados recolhidos a partir de questionários de caraterização sociodemográfica e entrevistas semi-estruturadas a 30 mulheres migrantes nepalesas da 1.ª e 2.ª gerações na AML — tendo examinado, especificamente, a dimensão religiosa e a subcategoria postura secular. Além de dados da pesquisa etnográfica, observação participante e diário de campo. Os resultados obtidos demonstram a diversidade e variedade religiosa da diáspora nepalesa, a prática de rituais domésticos e a sobreposição de práticas de diferentes religiões. Eles evidenciam também que as categorias quer do Censos 2021, quer do Inquérito de 2019 não se adequam à investigação e descrição das identidades e práticas religiosas da migração nepalesa na AML.

Palavras-chave: religiosidade, postura secular, migração nepalesa, AML.

Abstract: My theoretical framework seeks to articulate the dynamics of modernity in the european urban space, the processes of diversification, individualization of religion and secularization with issues connected to the religious dimension among Nepali migrants living in Lisbon’s Metropolitan Area (AML). I begin with a research question on whether the categories included in the 2021 Census and in the Religious Identities and Social Dynamics Survey in the AML are valid, or not, to describe the Nepali migration in the AML. I.e., I inquire about the gap in research concerning the diversity of religious belongings by South Asian migrants. I qualitatively analyze the data collected from sociodemographic characterization questionnaires and semi-structured interviews with 30 Nepali female migrants (1st and 2nd generation) in the AML — examining the religious dimension and the secular stance subcategory, in particular. In addition to data collected from ethnographic research, participant observation and the field diary. The results obtained demonstrate the religious diversity of the Nepali diaspora, the practice of domestic rituals, as well as the overlapping practices linked to different religions. They also show that the categories of both the 2021 Census and the 2019 Survey are not suitable to research and adequately describe the identities and religious practices of the Nepali migration in the AML.

Keywords: religiosity, secular stance, Nepali migration, AML.

Introdução

Ensaio, aqui, uma apresentação geral das principais questões relativas ao espaço urbano e à modernidade, na sua articulação com o equilíbrio entre a paroquialidade da fé cristã (historicamente preponderante em Portugal) e a crescente diversidade religiosa registada, em particular, na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Incluindo a variedade e riqueza das práticas religiosas verificadas, especificamente, entre os migrantes sul-asiáticos e a migração nepalesa na AML. Pude observar que há, na literatura sobre identidades e pertenças religiosas na AML, uma lacuna importante referente à diversidade e sobreposição de pertenças religiosas registada entre os migrantes sul-asiáticos na AML. Assim, o objetivo deste estudo é examinar se as categorias incluídas no Censos 2021 (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2022) e no Inquérito Identidades Religiosas e Dinâmica Social na AML (Teixeira, 2019) são suficientemente descritivas e abrangentes para examinar com rigor científico e o detalhe desejável as identidades e práticas religiosas de diversos grupos migrantes, em especial da imigração nepalesa na AML. Prossigo com uma descrição metodológica e, em seguida, apresento e discuto os resultados que obtive, por meio de uma análise fina dos dados recolhidos a partir de questionários e entrevistas, pesquisa etnográfica, observação participante e diário de campo. Escrutinando, com minúcia, a dimensão religiosa e a postura secular entre mulheres migrantes nepalesas pertencentes à 1.ª e 2.ª gerações e residentes na AML. Finalizo com um conjunto de conclusões pertinentes e implicações futuras que entendo poderem retirar-se deste estudo.

Enquadramento teórico

Para indagar a forma como as dinâmicas da modernidade afetam o espaço urbano e o modo como a pertença religiosa constrói territorialidade, começarei por fazer uma pequena retrospetiva histórica acerca da relação entre a fé cristã, ainda predominante em Portugal e na AML, e o espaço geográfico-cultural. Questionarei, de seguida, o modo como as novas e diversas pertenças religiosas — ou não-pertenças religiosas (postura secular[1] ) — constroem, hoje em dia, territorialidade na AML.

Espaço urbano e modernidade, religião e postura secular

Refletindo a respeito da relação da fé cristã com o espaço, Teixeira (2022, p. 65) afirmou que: “(…) as formas históricas [europeias] do cristianismo nascente privilegiaram uma relação isotrópica com o espaço. Em boa parte dos fenómenos religiosos estudados, o espaço habitado organiza-se a partir de um centro; trata-se, portanto, de um espaço areolado”.

Este autor descreveu as tradições judaicas como possuindo uma “economia da salvação mais centrípeta”, enquanto as tradições cristãs revelariam “uma narrativa salvífica mais centrífuga” (Teixeira, 2022). Ele ensaiou, ainda, uma articulação entre religião, cultura e território (com “cosmicização” das práticas dos crentes e instituição de “territórios de comunitarização”). E associou crise religiosa a mudança cultural. Já no início do século XX, diferentes atores da Igreja Católica[2] manifestavam preocupação com as alterações demográficas (urbanização e desenraizamento), bem como com uma certa elitização e privatização do catolicismo verificada na AML — e seus impactos no chamado habitat paroquial.

Por outro lado, a partir dos anos 1960 e em certas áreas de França, Lambert (1985, como citado em Teixeira, 2022) identificou uma profunda erosão da legitimidade do catolicismo enquanto representante das evidências comuns, atestadas em práticas públicas e privadas, bem como novas modalidades de identificação católica, com decréscimo das práticas. Já em Portugal, Silva Lima (1994, como citado em Teixeira, 2022) associaria essa erosão à mobilidade entre o campo e a fábrica, à urbanização e à influência de modelos exógenos em decorrência da emigração. Ou seja, relacionou-a a dimensões biográficas dos sujeitos — com continuidade de crenças e descontinuidade de formas. A igreja deixara de ser o centro do espaço vital dos sujeitos, dando lugar a uma sociedade policêntrica e polifocal.

Também Franca (Teixeira, 2022) nos diz que a religião tem uma dimensão espacial — é através da materialização espacial que os seres humanos se relacionam com os elementos religiosos. Os lugares sagrados, a territorialidade religiosa, os fluxos, movimentos, rituais, rotinas e modos de vida encontram-se ligados a crenças e comportamentos religiosos e cada religião assume diferentes formas geográficas do sagrado, com elementos espirituais distintos e atmosferas próprias (Teixeira, 2022).

Mas cada crente possui, igualmente, uma hierarquia de lugares sagrados e os territórios urbanos portugueses — em especial, a AML e o Algarve — aparecem como laboratórios de análise da geografia da religião. A afirmação de um universo religioso mais plural foi potenciada pela Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, 2001), em especial na AML. Diga-se, porém, que apesar de os processos envolvidos na postura secular se encontrarem empiricamente provados em diversos países europeus, existem também regiões onde, anteriormente, os investigadores falavam de postura secular e que assistem, nas últimas décadas, a um crescimento da pertença religiosa. Outro problema é a falta de estudos qualitativos exaustivos neste domínio, que permitiriam aferir crença independentemente de pertença.

Susana Pereira Bastos e José Gabriel Pereira Bastos e seus colaboradores (2006) analisaram os manejos da religião em processos de inserção social diferenciada segundo uma abordagem estrutural-dinâmica: nos sikhs do Gujarate e hindus de Moçambique na AML, na diáspora islâmica lusófona, nos jovens ismaelitas e sunitas indianos na AML, nos cabo-verdianos na AML e nos ciganos “evangélicos” e “tradicionalistas” de Lisboa e Trás-os-Montes. Além de terem identificado quatro fatores estruturantes da variabilidade das estratégias inter-étnicas[3] (os quais cruzaram com as vozes recolhidas no terreno), estes autores referiram pertinentemente que:

(…) em finais da década de noventa, a inauguração de um mega espaço de culto [na AML] e de um complexo de instalações para uso da população hindu residente em Portugal reeditou, em parte, uma tendência expansionista e hierarquizante, atualizada sem grande sucesso em Moçambique. Protagonizada pela então direção da Comunidade Hindu em Portugal (maioritariamente de casta lohana), tal tendência consistiu numa tentativa de estandartização bramanizante das performances hindus coletivas (através da importação de especialistas brâmanes do Gujarate, da complexificação das maneiras bramânicas e dos consumos rituais, etc.) e de desqualificação (inferiorizante) de certas práticas religiosas associadas à “Pequena Tradição” e ao hinduísmo popular [como o Ambá Mandir construído em meados dos anos oitenta, num bairro periférico de habitação degradada de Lisboa, por iniciativa particular de uma mulher fudamiá, para reconstrução gradual das tradições hindus-gujaratis antes consolidadas em Moçambique, que era simultaneamente Ambá da “Grande Tradição”[4], Ambá privilegiado da Mataji[5], local de diagnóstico e cura]. (Pereira Bastos & Pereira Bastos, 2006, p. 144)

Estes investigadores puderam descrever, igualmente, a devoção de muitos hindus a Fátima, enquanto aspeto da mãe divina e a sua ligação a Shakti (o princípio feminino criador do universo) — tal como podemos verificar entre os hindus (e não-hindus, diga-se) nepaleses na AML (Pereira, 2019, 2023). O que eles contrastariam, na altura, com a comunidade hindu de Brent, no Reino Unido, devota de Krishna e que não compreendia os hábitos dos “hindus lusófonos” (mais por razões de delimitação identitária e de casta do que, propriamente, de devoção religiosa). Embora as qualidades identitárias das mulheres hindus lusófonas continuassem a ser muito apreciadas pela rede diaspórica dos hindu gujaratis:

Portugal agora não exporta apenas vinho do Porto, (…) também exporta raparigas hindus. (…) Porque as raparigas hindus portuguesas são muito bonitas (…) e são mais tradicionais. Respeitam os mais velhos, são mais cumpridoras das tradições religiosas e não querem ir dançar ou beber, como as daqui. Só o ano passado, estive várias vezes em Portugal, em casamentos. (Empresário de casta patel, Londres, citado por Pereira Bastos & Pereira Bastos, 2006, p. 149)

Esta particularidade dos hindus de Diu-Moçambique não será generalizável, hoje em dia, a toda a comunidade hindu na AML — que aumentou, se diversificou e matizou muito entretanto, com chegadas de diferentes países europeus, africanos e sul-asiáticos e, incluso, do próprio Reino Unido (migração em sentido inverso), em decorrência do Brexit. Já em 2006, André Clareza Correia e Susana Pereira Bastos descreviam que, no caso particular dos sikhs em Portugal, os seus filhos e filhas eram estimulados, em função da migração e escolarização neste país, a reinterpretações religiosas contrastantes, bem como desafiantes nas relações entre géneros e entre gerações — o que desagradava aos pais (Pereira Bastos & Pereira Bastos, 2006).

Por outro lado, Lourenço (2009, 2021) analisou o uso da religião pelas mulheres hindu gujaratis na AML (cuja diáspora tem mais de 40 anos em Portugal), em especial o seu papel na negociação de pertenças culturais e religiosas e na construção de identidades religiosas e de género: contribuindo para a reprodução cultural da sua comunidade, desafiando papéis de liderança masculina e poder sagrado mas transmitindo, simultaneamente, papéis de género contraditórios. Mais tarde, Cachado e Lourenço (2020) analisaram e detalharam a incorporação de elementos do catolicismo português, nomeadamente da representação de Nossa Senhora de Fátima no panteão hindu, pelos hindu gujaratis na AML.

No que diz respeito à postura secular resultante de dinâmicas da modernidade, Botelho Moniz (Teixeira, 2022) entende-a da seguinte forma:

(…) enquanto conjunto de fatores macrossociais — institucionais, políticos ou jurídicos —, típicos da modernidade, que tem influência na dimensão micro (individual), ou seja, na religiosidade dos indivíduos (…), a secularização é composta, essencialmente, por diferentes camadas internas (Moniz, 2017b), correspondentes a diferentes subteorias e pressupostos macrossociais, que pressupõem impactos para a religião em diferentes níveis (macro ou societal, meso ou organizacional, e micro ou individual). [A dimensão micro] é a mais transversal a todas as camadas de secularização e é a que ainda maior controvérsia gera relativamente à explicação da evolução do fenómeno religioso nas sociedades modernas. É, no meu entender, o nível mais desafiante de ser estudado. (Teixeira, 2022, p. 212)

Moniz analisou as subteorias da postura secular societalização, racionalização e segurança existencial (subdividindo-as numa miríade de indicadores). Ele afirma que o estudo de Teixeira (2019), ao revelar que “os budistas são aqueles que apresentam maior predisposição para a mudança”, é indicativo de que “o crescimento religioso dos budistas se deu, sobretudo, por conversão dos portugueses” (Teixeira, 2022, p. 232). Essa conclusão pode, na minha opinião, mostrar-se algo eurocêntrica e precipitada. O autor prossegue afirmando que o grupo dos hindus “é composto nomeadamente por imigrantes oriundos da Índia e do Nepal” (Teixeira, 2022, p. 232), fazendo, em seguida, referência somente aos números presentes nos Relatórios do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 2011 e 2018. Observe-se que os dados constantes nesses Relatórios não só ocultam uma fatia significativa de migrantes sul-asiáticos (não-documentados) residentes em Portugal, como se encontravam já desatualizados em 2022 — uma vez que o SEF produz tais Relatórios com periodicidade anual. Surpreende, ainda, que migrantes da Índia e do Nepal sejam automaticamente identificados com um crescimento dos hindus na AML — mas o crescimento dos budistas, na mesma AML[6] , seja associado, por esse autor, à conversão dos portugueses autóctones. Sobretudo tendo em conta que muitos dos grupos étnicos correspondentes às chamadas “nacionalidades indígenas nepalesas” são budistas. E também considerando as dinâmicas de conversão ao budismo dos próprios migrantes nepaleses em Portugal (devido à maior liberdade religiosa registada na diáspora), ou ainda a presença de hindus gujaratis, dos chamados hindus lusófonos, outros hindus ou sikhs no país. Não obstante, Botelho Moniz (Teixeira, 2022) afirma que o grupo dos indivíduos sem religião está longe de ser homogéneo e conclui que: “(…) a verdade é que os sem religião parecem viver, quase exclusivamente, dentro de um quadro imanente que lhes permite lidar com muitas áreas da vida sem qualquer referência ao religioso” (Teixeira, 2022, p. 241).

Cabe-nos observar, porém, que o forte crescimento dos indivíduos que se declararam crentes sem religião no Censos 2021 (um aumento de 7,3 pontos percentuais relativamente aos Censos de 2011) não corresponderá, necessariamente, a pessoas não-espiritualizadas. Nem à inexistência de outras formas de “comunitarização das identidades” para além daquelas que ocorrem por via da religião formalmente organizada ou institucional, da doutrina e da “paisagem paroquial”.

Steffen Dix (Teixeira, 2022, p. 203) identifica os crentes sem religião enquanto “‘última periferia católica’ que conserva ainda os valores da sua socialização católica, mas que já se encontra numa exploração individual de outros mundos individuais”. Na verdade, como nota Villas Boas (2021), não é mandatório que o sagrado emerja institucionalizado, tendo diferentes autores teorizado uma espiritualidade não religiosa, incluso de natureza poética. E este investigador fornece enquanto exemplos Frankl, Corbí, Solomon ou Comte-Sponville: com as suas buscas de sentido apesar do absurdo da vida, o seu Absoluto silencioso, a sua paixão insistente ou a sua beleza escondida na imanensidade do mundo.

Por outro lado, não apenas a emigração de portugueses resulta em contatos com modelos exógenos, como a novidade e volume inédito dos fluxos migratórios recentes (e.g. no sentido Brasil-Portugal) acarretará mudanças não-negligenciáveis em termos de diversificação de práticas e pertenças religiosas da população residente na AML. Observemos que, de acordo com o último relatório anual do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF, 2021), a população brasileira com estatuto legal de residente em Portugal era de 204.694 indivíduos — sendo que alguns investigadores da área das migrações calculam o número real atual de residentes de origem brasileira no dobro desse valor, aproximando-se já do meio milhão, incluindo não-documentados (Góis, 2022). São exemplos de diversificação religiosa as práticas e crenças trazidas por estes migrantes, como a adesão às igrejas e cultos evangélicos e neopentecostais, o espiritismo tão enraizado no Brasil e na sua diáspora ou, ainda, o culto da jurema de origem indígena e das religiões de matriz africana: candomblé, umbanda e quimbanda (com os seus respetivos terreiros e as suas formas poderosas de “comunitarização das identidades”). Além das obras sociais e atividades assistenciais desenvolvidas por essas organizações, “casas” e igrejas — por vezes, bastante relevantes para as respetivas comunidades e indivíduos.

Estes espaços devocionais comunitários, lugares de encontro, culto e ritualização, tornaram-se mais comuns na AML desde o início do século XXI — bem como noutras regiões do país onde a migração brasileira tem uma presença importante. E eles têm matizado a “paisagem paroquial” portuguesa com alteridade na vivência religiosa, comunitária e espiritual, aliada a mosaicos diversos de prática, crença e pertença. Deste modo, os modelos exógenos com os quais os portugueses autóctones têm contato não resultarão somente da emigração, mas também dos fluxos de imigração (registados já durante este século XXI).

A penetração no território português é, diga-se, mais vincada para a pertença religiosa dos residentes de origem brasileira do que para populações de origem sul-asiática residentes no país. Para estas últimas, as grandes instituições de encontro e “comunitarização” resumem-se, grosso-modo, a dois ou três templos hindus e budistas, um templo sikh e uma mesquita na área metropolitana de Lisboa, além de uma stupa em Alcácer do Sal. De acordo com as experiências e relatos de muitos sul-asiáticos em Portugal e em complemento aos templos hindus ou templos de outras confissões religiosas, é nos grandes espaços comunitários não-exclusivamente religiosos que se celebram os principais festivais hindus, budistas, festivais étnicos variados (e.g. xamânicos e animistas) e, inclusive, casamentos e concertos. Esses desempenham portanto, mais frequentemente, a função de “comunitarização identitária” dos ritos, práticas e crenças.

Por outro lado, a extensão das práticas religiosas ao ambiente doméstico e laboral (onde se montam altares e se fazem as pujas, ou se preparam as tikas com erva jamara), já era corrente entre os migrantes do sul da Ásia na AML — não só pelo caráter familiar de algumas celebrações e rituais tradicionais, mas até por via da distância e indisponibilidade de tempo para frequentar um templo onde se operou a bramanização por hindu gujaratis. Contudo, ela tornou-se ainda mais frequente e banalizada durante e após a pandemia COVID-19, por conveniência e praticidade, além de se ter verificado uma renovada adesão à chamada “Pequena Tradição” do hinduísmo popular.

A religião no Censos 2021 e no Inquérito Identidades Religiosas e Dinâmica Social na AML

Começarei, aqui, por dissecar um pouco os dados atualizados no Censos 2021 (INE, 2022) sobre a pertença religiosa da população residente em Portugal (continente e ilhas). Sendo que 52% da população residia em concelhos do litoral em 2021 e 45% se concentrava nas duas regiões metropolitanas de Porto e Lisboa — as quais representam, juntas, 52% do PIB nacional (PORDATA, 2023). A Figura 1 mostra os resultados em relação ao indicador “religião professada” pela população residente em Portugal, recolhidos a partir dos dados constantes no Censos 2021 (INE, 2022).

Figura 1 A Religião da população portuguesa no Censos de 2021
Fonte: INE (2022).

Verificamos que 7.043.016 pessoas maiores de 15 anos responderam a esta questão em 2021, autoidentificando-se como católicas (80%) (Agência Ecclesia, 2022). O número total de residentes em Portugal que se declararam católicos em 2021 representa, portanto, apenas menos 0,8% relativamente ao mesmo indicador recolhido dez anos antes (no Censos de 2011). No mesmo período de tempo, o número daqueles que se afirmaram sem religião mais do que duplicou, crescendo de 6,8% em 2011 para 14,1% em 2021. Note-se que a percentagem de hindus e budistas na população residente total permanece residual (0,22% e 0,19%, respetivamente).

Por outro lado, o número de indivíduos protestantes/evangélicos aumentou (de 0,84% em 2011 para 2,127% em 2021), bem como o número de muçulmanos (de 0,23% em 2011 para 0,415% em 2021). Já o número de judeus decresceu, assim como o número de indivíduos professando outra religião cristã, ortodoxos e a pertença a outra religião não cristã. Repare-se que, no Censos de 2011, não constaram percentagens para as categorias específicas budismo, hinduísmo, sikhismo ou testemunhas de Jeová — e estas últimas representaram 0,72% da população residente em 2021.

Quanto à AML, especificamente, os dados respeitantes ao indicador “religião” no Censos 2021 (INE, 2022) são conforme a Tabela 1.

Tabela 1 A Religião da população da AML no Censos de 2021

Fonte: INE (2022).

Observamos que 2.390.959 pessoas maiores de 15 anos responderam a esta questão em 2021, na AML (INE, 2022). Destas, 67,5% autoidentificaram-se como católicas e 23% disseram-se sem religião. Outros 3,54% declararam-se protestantes/evangélicos, 1,52% afirmaram ser outros cristãos, 1,056% muçulmanos, 1% ortodoxos, 0,95% testemunhas de Jeová, 0,46% (11.085) hindus, 0,44% (10.558) outros não-cristãos, 0,319% (7.632) budistas e 0,0638% judeus. Houve, portanto, menos 12,5% de católicos registados na AML do que no total nacional e mais 8,91% sem religião na AML do que no total nacional, no Censos de 2021 (INE, 2022). Houve, igualmente, mais 0,63% de muçulmanos, mais 0,31% de ortodoxos[7] , mais 0,24% de hindus, mais 0,16% de outros não cristãos e mais 0,13% de budistas na AML do que no total nacional, em 2021.

Ora, recorrendo ao Inquérito Identidades Religiosas e Dinâmica Social na Área Metropolitana de Lisboa (Teixeira, 2019)[8] , Dix (Teixeira, 2022) nota que, nesta região e em 2019, moravam 54,9% de católicos, 13,1% de crentes sem religião, 9,2% de outros grupos religiosos, 10% de ateus, 6,9% de agnósticos e 4,9% de indiferentes — valores que se distinguem claramente dos totais nacionais e de outras regiões do país presentes no Censos 2021 (INE, 2022). Além disso, os indiferentes, agnósticos e ateus eram, em 2019, maioritariamente residentes no próprio concelho de Lisboa (e não noutros concelhos da AML onde, aliás, se concentram grandes populações migrantes), do sexo masculino e mais novos (média de 35-44 anos) do que os crentes sem religião — que eram maioritariamente do sexo feminino (tal como os católicos) e um pouco mais velhos (média de 45-54 anos). Verificamos, assim, que se registou um aumento de 12,6% nos católicos, 9,9% nos indivíduos sem religião e 0,3% nos outros grupos religiosos na AML, entre o Inquérito de 2019 (Teixeira, 2019) e o Censos de 2021 (INE, 2022).

Por outro lado, o Censos 2021 incluiu apenas a categoria indivíduos sem religião, sem desagregar crentes sem religião de ateus, agnósticos e indiferentes, como era feito no Inquérito de 2019 — o que explica uma parte do crescimento das pessoas sem religião no Censos de 2021. Nos outros grupos religiosos, o Inquérito de 2019 também não incluía hindus e sikhs. E nem o Inquérito 2019 nem o Censos 2021 desagregavam animistas, xamânicos, umbandistas ou candomblé dentro da categoria de “outros não-cristãos”. Estas particularidades levantam algumas questões no que concerne à capacidade desses instrumentos para avaliar a dimensão religiosa em populações migrantes na AML, nomeadamente nas populações brasileira ou cabo-verdiana (e também e.g. em populações sul-asiáticas como a população nepalesa).

Dix (Teixeira, 2022) fala-nos das formas diversas de viver sem religião e sem deuses na sociedade portuguesa: desde os anos 1980 que as populações mais jovens e urbanizadas mostraram uma tendência crescente para abandonar o catolicismo institucionalizado, tendo vindo a incluir-se, com frequência, no grupo de “pessoas sem religião” (ou sem afiliação religiosa) nas sondagens realizadas, embora não possamos concluir apressadamente acerca do nível de postura secular no país, nem tão-pouco fazer generalizações abusivas a partir de tais observações. Ainda de acordo com este autor, as mundividências mais seculares teriam, pelo menos parcialmente, um fundo religioso que já não é reconhecido como tal — e este reconhecimento levanta a questão sobre se seria útil traçar muito rigidamente um limite entre indivíduos “com religião” e “sem religião”, ou entre “religiosos” e “irreligiosos”. Pois poderemos assumir que exista um enorme número de diversidades e semelhanças entre indiferentes, ateus, agnósticos e sem religião, tornando-se sociologicamente inadequado sintetizar todas estas categorias sob a designação “sem religião”.

Impõe-se, ainda, uma nota sobre a relevância crescente da chamada “espiritualidade universalista”[9] (Incontri & Bigheto, 2005) em ambientes urbanos (não captada finamente nem pelo Inquérito de 2019, nem pelo Censos de 2021) que, apesar de denunciar um forte movimento no sentido da postura secular, abarcará provavelmente uma parte dos crentes “sem religião” (que crescem também). Essa espiritualidade universalista surge em estreita associação com novos estilos de vida e com o desenvolvimento, no ocidente, de múltiplas terapias holísticas, integrativas e alternativas, envolvendo complexos processos de apropriação, recriação e apreciação de práticas culturais e espirituais com ligação a práticas oriundas de países asiáticos[10] (Antony, 2014; Borup, 2020; Rhee & Subedi, 2014; F. C. V. Santos, 2023). Repare-se, no entanto, que estas práticas menos institucionalizadas e não-doutrinárias, embora reveladoras de maior liberdade nos caminhos espirituais individuais, não implicarão necessariamente uma vivência solitária ou não-comunitária da espiritualidade[11] .

Migração sul-asiática em Portugal e na AML

Inês Felicidade dos Santos, em Autonomia e religião: experiências migratórias de mulheres muçulmanas sul-asiáticas em Portugal (I. F. Santos, 2024), ao entrevistar mulheres sunitas originárias do Bangladesh e Paquistão, verificou que a religião (Islão) era um elemento identitário fulcral nas suas interlocutoras — embora algumas delas adotassem posturas mais conservadoras e outras mais progressistas. Não obstante serem mantidas “muitas das práticas e tradições culturais e religiosas no país de acolhimento, como orações e uso de indumentária islâmica”, as entrevistadas revelavam “mudanças na prática, nas vivências religiosas e ainda nos valores sociais e culturais” (I. F. Santos, 2024, p. 88). A autora registou que essas mudanças estavam, por vezes, associadas a valores como a igualdade de género e eram devidas a variados fatores e influências, incluindo o processo de inserção no destino, mas também a circunstância de algumas das interlocutoras já buscarem esses valores e serem mais progressistas pré-migração, tendo o processo migratório facilitado e incentivado tais mudanças individuais (I. F. Santos, 2024).

Bajracharya (2015) examinou as experiências de mulheres migrantes nepalesas em Portugal em termos da sua integração socio-cultural e concluiu que, sendo maioritariamente escolarizadas, a maioria das entrevistadas da sua amostra que chegara a Portugal sozinha sentia-se “independente”, ao passo que aquelas que se juntaram ao marido em Portugal sentiam-se independentes no local de trabalho, porém não expressaram sentir-se “independentes” de forma direta. Como resultados da migração, foram muito valorizadas pelas interlocutoras mais independência e liberdade (integração identificacional). Embora a integração estrutural e o emprego fossem seguros para a maioria das mulheres entrevistadas por essa investigadora (colocam-se questões quanto à representatividade da sua amostra), elas tinham dificuldades com a integração interativa e cultural (a falta de proficiência na língua portuguesa levara muitas das entrevistadas a aceitar empregos abaixo dos seus níveis educacionais e competências). É minha convicção que o processo de integração das mulheres nepalesas em Portugal deve ser investigado considerando, simultaneamente, a sua experiência de integração na sociedade portuguesa, nas estruturas comunitárias nepalesas e nos grupos de pertença étnicos e de género, em particular. O processo de integração tem diferentes componentes que devem ser avaliadas e os grupos de mulheres (em Lisboa e em Portugal) têm um papel importante, enquanto redes sociais promotoras dessa integração.

A migração nepalesa em Portugal cresceu sobretudo a partir da crise económica de 2008-2009 e apresentou um aumento de 2360% (25 vezes) nos últimos 10 anos (Borelli, 2022). O crescimento do número de entradas em território nacional acentuou-se com a crise humanitária pós-terramotos de 2015 no Nepal e com o fechamento da fronteira indiana, bem como após as sucessivas revisões à Lei da Nacionalidade e à Lei da Imigração de 2007, em Portugal. Nos últimos cinco anos registaram-se quase 2 mil nascituros de mães nepalesas no país (Ministério da Saúde, 2024). Em 2021, o Relatório do SEF identificava 11.853 migrantes nepaleses documentados residentes no distrito de Lisboa, dos quais 7.117 eram homens e 4.736 eram mulheres (SEF, 2021). Esse Relatório não captava, no entanto, todos os migrantes não-documentados — a cujos dados acedemos apenas indiretamente, por meio da análise das notificações de abandono voluntário e de outros indicadores e registos (e.g. das associações migrantes locais e Consulado do Nepal).

Segundo Tomás (2016), a conceção de políticas públicas no domínio da liberdade religiosa e da promoção do diálogo inter-religioso encontrou expressões na Lei da Liberdade Religiosa, nos I e II Planos para a Integração de Imigrantes e no Plano Estratégico para as Migrações. Porém, se estes instrumentos vieram conferir um vasto leque de direitos às minorias religiosas, também excluíram algumas minorias do acesso a eles — ao passo que a Igreja Católica continua a ser comparativamente privilegiada. Relativamente à Câmara Municipal de Lisboa, ela cedeu e/ou vendeu a preços simbólicos terreno para a construção de espaços de culto:

como é o caso do templo Radha Khrisna da Comunidade Hindu de Portugal e do Templo Centro Ismailis, da Comunidade Ismailis, da Mesquita Central de Lisboa, da Mesquita dos bangladeshianos, do terreno para templo budista, entre outros. Colocou, também, o crematório ao dispor da comunidade Hindu de Portugal respeitando os seus rituais e crenças. (Tomás, 2016, p. 13)

Ressalta, todavia, desta análise, uma quase ausência de planeamento, execução e análise de programas de ensino inter-religioso na AML — há muito praticados e.g. no Brasil (Incontri & Bigheto, 2003).

Metodologia

A minha pergunta de partida procura indagar se as categorias incluídas no Censos de 2021 (INE, 2022) e no Inquérito Identidades Religiosas e Dinâmica Social na AML (Teixeira, 2019) funcionam, ou não, para descrever as identidades e práticas religiosas da migração nepalesa na AML. Segui uma metodologia qualitativa e uma abordagem interpretativa, com amostragem não-probabilística por método bola-de-neve e informações recolhidas a partir de 30 questionários de caraterização sociodemográfica e 30 entrevistas semi-estruturadas (1 hora e 30 minutos), com 20 mulheres migrantes nepalesas da 1.ª geração e 10 mulheres nepalesas da 2.ª geração na AML — além da pesquisa etnográfica, observação participante e diário de campo. Os dados recolhidos foram analisados recorrendo a software NVIVO 11. Cada uma das oito dimensões analisadas foi dividida em múltiplos indicadores, de acordo com as questões em cada subsecção do guião de entrevistas.

No contexto deste artigo, analisei especificamente a dimensão religiosa e a subcategoria postura secular. Especifico que a 2.ª geração de mulheres aqui considerada veio para Portugal na infância ou início da adolescência, num contexto de migração com os pais ou reagrupamento familiar, e é maior de 18 anos (a 2.ª geração já nascida em Portugal seria muito jovem para incluir na minha amostra e comparar com as mães — o que levantaria diversos problemas, tanto metodológicos quanto éticos). E ressalvo ainda que, não sendo esta amostra representativa, a leitura dos dados deverá, necessariamente, ser feita com bastante cautela.

Resultados

A dimensão religiosa na migração feminina nepalesa na AML

Os questionários iniciais de caraterização sociodemográfica permitiram delinear o perfil das mulheres nepalesas entrevistadas pertencentes à 1.ª e 2.ª gerações na AML, nomeadamente quanto a questões relacionadas com as religiões professadas. Assim, o Figura 2 representa as religiões professadas pelas entrevistadas da 1.ª geração.

Figura 2 Religião da 1.ª Geração (N=20)
Fonte: Pela Autora, 2023.

A maioria (13) das respondentes nepalesas da 1.ª geração declara-se hindu. Uma entrevistada é ghewa, i.e. professa budismo Tamang misturado com hinduísmo, animismo e xamanismo. Uma das mulheres hindus da 1.ª geração revela que prefere ir à igreja portuguesa, em detrimento do templo hindu — pelo fato de este ser dominado pela migração indiana e privilegiar, precisamente, a “estandartização bramanizante das performances hindus coletivas” (Pereira Bastos & Pereira Bastos, 2006, p. 144), a hierarquização com base na casta e a “Grande Tradição”. Uma outra entrevistada diz-se hindu-bahai — por conveniência: o templo bahai é o que fica mais próximo da sua casa, os membros dessa comunidade são “acolhedores” e fornecem apoio social e alimentar à sua família, desde a chegada a Portugal.

A Figura 3 apresenta, por outro lado, as religiões professadas pelas mulheres nepalesas da 2.ª geração.

Figura 3 Religião da 2.ª Geração (N=10)
Fonte: Pela Autora, 2023.

Observamos que a maioria (sete em 10) das respondentes de 2.ª geração se diz hindu, mas essa afirmação de pertença é meramente “formal” e “performativa”. As entrevistas revelaram que, de fato, estas interlocutoras rejeitam radicalmente as pertenças e práticas — ou rituais religiosos mais concretos —, bem como aspetos normativos e simbólicos da religião.

Procurei determinar aquilo que era essencial e acessório na religião, para as ambas as gerações (N=30). Verifiquei que, contrariamente à 2.ª geração, a 1.ª geração valorizava os princípios e valores transmitidos através da religião pelos seus ascendentes, rejeitando somente os sistemas de castas e fazendo concessões normativas mínimas à sociedade portuguesa. Havia, no entanto, exceções: como o trabalho de campo revelou, as religiões das chamadas “nacionalidades indígenas” nepalesas são mais flexíveis, essas crentes mostraram-se mais progressistas nos seus valores e estilos de vida. E continuam a existir dois grupos de nepaleses hindu-cristãos na AML, que misturam práticas religiosas, mas fazem homilias domésticas cristãs em grupo, ao domingo — sendo um desses grupos cristão reformista-protestante (anglicano), por influência britânica (mais rígido e conservador), e outro grupo católico, por influência portuguesa (mais progressista nos valores).

Já no que diz respeito à indagação da prática de rituais religiosos ligados à morte, realço a sua variedade, que reflete a diversidade religiosa das entrevistadas, com prevalência para ritos hindus (E1, E6, E13):

Yes, we did those rituals! We do the Shradda, definitely, also! It is our culture. Most people will keep the body. Because after one week we have to give “Darbati” [a ritual], then after one month we have to do the pujas. And after one year we have to do the Shradda. [Sim, nós fizemos esses rituais! Fazemos a Shradda, certamente, também! É a nossa cultura. A maioria das pessoas preserva o corpo. Porque, após uma semana, temos de dar o “Darbati” [ritual]; depois, após um mês, temos de fazer as pujas. E, após um ano, temos de fazer a Shradda.] (E1)

“Shradda” é uma cerimónia em honra de um antepassado morto e esse rito é uma responsabilidade social e religiosa imposta a todos os hindus do sexo masculino (com exceção de alguns sannyasis, ou ascetas). A prática hindu de cremar os corpos encontra-se associada à crença de que essa é a forma mais rápida de libertar a alma do falecido para a reincarnação. Geralmente, cabe ao filho mais velho do sexo masculino a responsabilidade de “acender a pira” (E6), ainda que possam ser as mulheres da família a transmitir às novas gerações os “conhecimentos sobre os rituais específicos” a realizar (E13). Terminado o ritual de cremação, os familiares diretos reúnem-se em casa durante treze dias para fazer o luto, com vários rituais diários liderados por um sacerdote.

Porém, outras entrevistadas descreveram rituais fúnebres muçulmanos, nos quais os corpos nunca são cremados, mas “lavados e enterrados” (E5), “rituais Kirati” (E21) — religião indígena: veneram a natureza, os ancestrais e praticam xamanismo —, ou rituais Tamang (budistas), que implicam a realização de uma “procissão fúnebre” específica:

We call [it] the “white ribbon”, carried by male sons… with Lamas, music… they read texts, they do the pujas, and they have drinks during the cremation [only natural ingredients such as ghee or sugar can be used to light the cremation fire]. [Chamamos[-lhe] o “laço branco”, sendo [o corpo] carregado pelos filhos do sexo masculino… com Lamas, música… eles lêem textos, fazem as pujas e tomam bebidas durante a cremação [apenas ingredientes naturais, como manteiga ghee ou açúcar, podem ser usados para acender o fogo da cremação].] (E9)

Por outra via, a 2.ª geração de entrevistadas revelou abdicar do chhaupadi (segregação da mulher durante o período menstrual relacionada com uma lenda hindu) e do casamento por arranjo familiar, intra-étnico e intra-casta — além de aceitar o divórcio. Já as mulheres da 1.ª geração aceitavam a contraceção, mas eram ambivalentes em relação ao divórcio e ao aborto[12] . Algumas referiam, ainda, como aspeto social negativo o “desprezo súbito” por parte de amigos e contatos nepaleses na AML — que mudam repentinamente de religião e “esquecem o hinduísmo” (E6) que praticavam anteriormente (para converter-se ao budismo ou a outra religião). Na 1.ª geração (N=20), 16 mulheres casaram por arranjo familiar, três não eram casadas e uma mulher teve um casamento nikah (tradicional muçulmano). Na 2.ª geração (N=10), os pais de nove mulheres casaram por arranjo familiar e os pais de uma mulher casaram por roubo de noiva (tradição nepalesa do grupo étnico Rai).

As mulheres da 1.ª geração desenvolveram, através de um conjunto de negociações e pertenças, identidades compostas que incorporam aspetos religiosos da comunidade axiológica de pertença e aspetos da sociedade portuguesa, segundo padrões idiossincráticos. Elas garantem a reprodução de práticas culturais e ritos religiosos, sobretudo pelo que descreveram como sendo “o maior tempo que têm livre”, devido aos elevados níveis de desemprego e exclusão registados entre elas (Borelli, 2022; Pereira, 2019, 2023) e também por reverência aos próprios maridos, pais ou ancestrais.

 Pujas e religião

Puja (do sânscrito: पूजा, romanizado: pūjā) significa reverência, honra, homenagem e adoração. É um ritual de adoração realizado por hindus, budistas e jainistas para oferecer homenagem devocional e oração a uma ou mais divindades (e.g. Kali puja, Durga puja, Laxmi puja), para receber e honrar um convidado ou celebrar espiritualmente um evento. Pode festejar a presença de um homenageado especial, ou a sua memória após a morte. A puja, uma oferenda amorosa de luz, flores e água ou comida ao divino, é o ritual essencial do hinduísmo. A puja[13] é feita numa variedade de ocasiões, frequências e configurações — ou para marcar eventos da vida. As citações seguintes, recolhidas durante as entrevistas realizadas, revelam a forma como as mulheres nepalesas na AML encaram as pujas no contexto das suas práticas e vivências religiosas:

It’s my background religion, but I don’t like the caste systems, so in Europe I don’t have to follow them! I do the pujas, I know the prayers, but I’m not a fanatic. I don’t let religion decide for me certain aspects of my life. [É a minha religião de origem, mas não gosto dos sistemas de castas, por isso, na Europa não tenho de segui-los! Faço as pujas, sei as orações, mas não sou fanática. Não deixo a religião decidir por mim certos aspectos da minha vida.] (E10)

Oh, religion for me is a connection to my mother and everything she taught to us, as we were growing up (we are three sisters). My mother would take me to the temple and explain the meaning of every symbol, every ritual… She knew deeply about our religion, and traditions. She passed that on to us. So she explained to us about each god and goddess, the meaning of things, what is right and what is wrong, principles to follow in life, what’s good and what’s bad… I carry her heritage and I feel that she’s always close to me when I am praying, or doing pujas. I have several symbols in [my workplace] and an altar on the corner, I light the candles and I pray several times a day. I think that hindu religion is beautiful because the most important goddesses are female. [Oh, a religião para mim é uma forma de conexão à minha mãe e a tudo aquilo que ela nos ensinou, à medida que crescíamos (somos três irmãs). A minha mãe levava-me ao templo e explicava-me o significado de cada símbolo, cada ritual… Ela era uma conhecedora profunda da nossa religião e tradições. Ela passou isso para nós. Então, explicou-nos sobre cada deus e deusa, o significado das coisas, o que é certo e o que é errado, princípios para seguirmos na vida, o que é bom e mau… Eu carrego essa herança dela e sinto que ela está próxima de mim sempre que rezo ou faço pujas. Tenho vários símbolos [no meu local de trabalho] e um altar ao canto, acendo velas e rezo várias vezes por dia. Penso que o hinduísmo é belo, porque as deusas mais importantes são mulheres.] (E13)

Verificamos, aqui, como as pujas atravessam ocasiões, idades, rituais, festivais, religiões e até a própria morte, sendo realizadas desde antes do nascimento até anos após o falecimento dos entes queridos (e.g. os nepaleses Limbus veneram os seus antepassados). Os conjuntos de cobre para pujas, as grandes ofertas pontuadas de velas no chão durante os festivais e os rangolis desenhados com pigmentos na terra ou no soalho, bem como os altares domésticos, demarcam física e territorialmente um espaço de religiosidade, sobretudo da “Pequena Tradição” e do hinduísmo popular.

A subcategoria postura secular

Analisando especificamente a subcategoria postura secular nos dados recolhidos, sobressai a força da unanimidade na rejeição da religião, entre a 2.ª geração de entrevistadas. Algumas delas quase se resumem a aspetos performativos e “estéticos” (E29) da religião, como partilhar uma “refeição especial em família ou usar o saari” (E22, E23, E26), ao passo que outras referem que “não acreditam” (E22), apontam a “falta de sentido” da prática religiosa (E24) ou a “falta de tempo para ir ao templo, que nem sabem onde fica” (E25). Também “evitam pessoas religiosas por não pensarem da mesma maneira que elas” (E23). A prática religiosa é descrita por estas interlocutoras como “coisa dos seus pais, sogros e avós” (E27, E28, E29, E30). Uma das entrevistadas costumava celebrar os festivais Kirati da Primavera e Inverno com os seus familiares, mas deixou de o fazer em Portugal:

We celebrate Udhauli and Ubhauli festivals, those are the biggest Kirati festivals – Ubhauli is celebrated in the Spring. In that festival, people dance… they are together. Another festival is Udhauli, celebrated during Winter. Here, (…) we don’t exactly celebrate. [Nós celebramos os festivais Udhauli e Ubhauli, são esse os maiores festivais Kirati – o Ubhauli é celebrado na Primavera. Nesse festival, as pessoas dançam… e juntam-se, convivem. Outro festival é o Udhauli, celebrado durante o Inverno. Aqui [em Portugal], nós não celebramos exactamente.] (E21)

Torna-se claro que estas entrevistadas encaram as práticas e normas religiosas dos seus pais e avós como algo “antiquado”, ultrapassado e que deixou de fazer sentido na geração delas. Algumas mulheres procuram afastar as próprias mães dos festivais tradicionais e da companhia de outras mulheres[14] e pessoas da comunidade nepalesa na AML “com pensamento antiquado” (E23). Mas a postura secular e/ou “destradicionalização” da 2.ª geração estende-se a outras pertenças religiosas igualmente (como budistas, xamanistas, animistas ou ghewa), não sendo restrita ao hinduísmo (Bajracharya, 2015; Borelli, 2022; Pereira, 2019, 2023). Estas interlocutoras da 2.ª geração identificam-se como “portuguesas” por socialização e escolarização, abdicando da quase totalidade da sua herança religiosa e cultural originária em favor da assimilação, que é também expressa via postura secular.

Discussão

Em primeiro lugar, torna-se necessário ressalvar que, não sendo a amostra utilizada representativa (mas reduzida e restrita a um conjunto de mulheres nepalesas das 1.ª e 2.ª gerações na AML — que eram estudadas no âmbito de um projeto mais vasto sobre desigualdades e formas de discriminação enfrentadas por essas migrantes em Portugal), quaisquer conclusões deverão ser retiradas com bastante cautela e não serão extrapoláveis para a generalidade da migração nepalesa na AML. Ainda que possam ser informadas pelo trabalho de campo etnográfico, observação participante e pela experiência de investigação de vários anos da pesquisadora junto da migração nepalesa em Portugal. Começo por verificar que as categorias incluídas no Censos 2021 (INE, 2022) e no Inquérito Identidades Religiosas e Dinâmica Social na AML (Teixeira, 2019) não descrevem adequadamente a diversidade, em termos de identidade, pertença e sobreposição de identidades e práticas religiosas, registada nesta amostra da migração nepalesa (mulheres da 1.ª e 2.ª gerações) na AML, por mim analisada. É, igualmente, possível especular que as categorias desses instrumentos também não descreverão adequadamente as identidades e práticas religiosas de outros grupos migrantes na AML (pelo seu grau de sincretismo, variedade e diversidade religiosas).

Os resultados por mim analisados tendem a confirmar a asserção de Botelho Moniz segundo a qual o crescimento do número de indivíduos sem religião não será alheio aos mecanismos que esse autor designa por “não naturais” de mudança religiosa — i.e., imigração e conversão (Teixeira, 2022, p. 236). Muito embora esse investigador subestime, provavelmente, o peso da imigração e conversão religiosa de migrantes na AML, ao passo que sobrestimará a conversão dos portugueses autóctones. Já que, conforme exposto no “Enquadramento teórico”, ele associa automaticamente uma maior predisposição dos budistas para a mudança com um crescimento religioso dos budistas “por conversão dos portugueses”, mas adota critérios inversos para os hindus (Teixeira, 2022, p. 232).

Por outro lado, se Silva Lima (Teixeira, 2022) associou a erosão da legitimidade do catolicismo em Portugal (durante o século XX), a uma continuidade de crenças e descontinuidade de formas, é-me possível afirmar que a erosão da legitimidade do hinduísmo e budismo na 2.ª geração de mulheres nepalesas por mim entrevistadas na AML revela, pelo contrário, uma descontinuidade de crenças e uma continuidade meramente performativa de formas. Mais uma vez, a mudança cultural surge associada a crise religiosa.

Assim, os dados recolhidos junto das mulheres nepalesas de 2.ª geração tendem a confirmar outros dados anteriormente obtidos e analisados por diferentes investigadores, utilizando metodologias diversas (INE, 2022; Pereira Bastos & Pereira Bastos, 2006; Teixeira, 2019, 2022). Esses resultados eram relativos aos processos envolvidos na postura secular, registados sobretudo na AML, e decorrentes das dinâmicas da modernidade, especialmente em espaços urbanos. Mas a 2.ª geração de mulheres entrevistadas também rejeita a pertença religiosa dos pais porque a casta e o género são elementos que recusam a sua inclusão. Se o princípio fundador da pertença à comunidade axiológica de origem é invalidado por processos de degradação, discriminação ou humilhação, então (podemos especular) torna-se mais provável uma recusa dessa pertença, optando e.g. pela assimilação. Neste sentido, os dados recolhidos e relativos à postura secular da 2.ª geração de mulheres nepalesas aproximam-se daqueles obtidos por André Clareza Correia e Susana Pereira Bastos (Pereira Bastos & Pereira Bastos, 2006) para a 2.ª geração de sikhs na AML — em especial, no que concerne aos desafios aos modos de viver e expressar o género e a religião das 1.as gerações, colocados pelas mulheres de 2.ª geração entrevistadas e já educadas em Portugal.

Sendo verdade que “as religiões orientais são mais permeáveis ao sincretismo e ao relativismo religioso, bem como à busca permanente de espiritualidade, num registo mais marcado por itinerários individuais” (Teixeira, 2022, p. 232), parece-me que não devemos, nas nossas análises, subestimar o caráter fortemente coletivista da maioria das culturas asiáticas que incentiva o conformismo ao grupo, quando não promove a perseguição e extermínio de certas minorias religiosas — e.g. como historicamente ocorreu no Nepal e na Índia (Adhikari & Lawoti, 2024; Becker & Pascali, 2022; Geiser, 2005; Gurung, 2012; Marshall, 2004). Nem o nível de sincretismo religioso e liberdade para a busca espiritual individual verificado entre outras populações residentes, como será o caso e.g. dos migrantes de origem brasileira (que representam, de longe, o maior grupo de migrantes na AML e no total do país).

Tal como propuseram anteriormente Susana Pereira Bastos e Gabriel Pereira Bastos (2006) para as mulheres migrantes “hindus lusófonas”, também Lopes e Lanes (2020), defenderam o papel da religião como importante suporte psicossocial das mulheres migrantes brasileiras em Portugal (oferecendo a religião não somente amparo espiritual, como também auxílio no processo de inclusão social dessas mulheres). Os dados por mim analisados, referentes às entrevistadas nepalesas de 1.ª geração, vêm corroborar tais observações. Lopes e Lanes (2020) argumentaram que é importante perceber o sagrado como fonte primária de conciliação entre povos: contribuindo para a diminuição do sofrimento e da vulnerabilidade, auxiliando com um sentido de permanência as migrantes e trazendo dignidade e integração às mulheres em situação de mobilidade humana.

Conclusões e implicações futuras

Os dados recolhidos para a 1.ª geração de entrevistadas, embora não extrapoláveis para a totalidade dos nepaleses na AML, tendem a confirmar evidências de diversificação religiosa nessa Área Metropolitana. O que contrasta fortemente com os dados recolhidos para outras regiões do país e também (embora tal análise só possa ser feita a título meramente especulativo) com os indicadores totais, disponíveis a nível nacional.

Pude confirmar que as categorias incluídas no Censos de 2021 (INE, 2022) e no Inquérito Identidades Religiosas e Dinâmica Social na AML (Teixeira, 2019) não descreviam adequadamente as identidades e práticas religiosas da migração nepalesa feminina da AML constante da minha amostra. Por outra via, o crescimento do número de indivíduos sem religião não seria alheio ao fato de as formas mais modernas de religião (individualizadas e indeterminadas) terem começado a desenvolver-se e popularizar-se na AML sobretudo na transição para o século XXI.

Verifiquei uma confluência entre o percurso de vida e o percurso religioso (Teixeira, 2022) das mulheres migrantes nepalesas da 1.ª geração entrevistadas, além de ter registado uma disseminada extensão das práticas religiosas ao ambiente doméstico — mas também laboral e comunitário —, configurando um retorno a práticas de hinduísmo popular e da “Pequena Tradição”. A 2.ª geração de interlocutoras tendia a rejeitar radicalmente as identidades e práticas religiosas, que encarava como meramente performativas. Ao contrário da 1.ª geração, que associava essas práticas e crenças religiosas a um conjunto de valores, princípios e rituais que deveriam ser familiar e socialmente reproduzidos.

Em termos de implicações futuras, dada a diversidade religiosa das diásporas em geral e da diáspora nepalesa em particular, parece-me importante vir a afinar os instrumentos de recolha de dados sobre identidades e pertenças religiosas na AML — no sentido de melhor captar esses dados para diferentes populações migrantes. Isso permitiria identificar grupos e sub-grupos e.g. hindus e budistas, xamânicos e animistas. Mas também identidades e pertenças religiosas múltiplas, ou práticas e crenças associadas às religiões de matriz africana, indígena ou espiritismo, noutras populações migrantes. Seria, ainda, importante vir a contrariar a quase ausência de programas de planeamento, execução e análise de ensino inter-religioso nas escolas públicas da AML. Por outro lado, necessitamos de mais projetos de investigação que se debrucem especificamente sobre as formas de “comunalidade” desenvolvidas no contexto das identidades e pertenças religiosas e sobre o impacto dessa variedade na territorialidade e nos espaços urbanos/suburbanos da AML. Finalmente, parece-me útil vir a analisar, no futuro, a dimensão religiosa e a postura secular de filho/as de migrantes nepaleses já nascido/as em Portugal — de modo a poder estabelecer diversas comparações úteis e clarificar tendências, percursos, pertenças e práticas através de gerações sucessivas.

Agradecimentos

A autora deseja agradecer a motivação para a escrita à Prof.ª Teresa Bartolomei, PhD, bem como aos/às revisores/as da SOCIOLOGIA ON LINE pelos contributos valiosos.

Financiamento

Este estudo foi realizado no âmbito de um projeto mais vasto de pós-doutoramento em Desenvolvimento Humano Integral (DHI), com o título “Desigualdades e Formas de Discriminação Enfrentadas por Duas Gerações de Mulheres Nepalesas em Portugal”, coordenado pela CADOS-Universidade Católica Portuguesa e com financiamento da Fundação Porticus.

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Data de submissão: 07/11/2023 | Data de aceitação: 03/12/2024

Notas

Por decisão pessoal, a autora do texto escreve segundo o novo acordo ortográfico.

[1]A expressão “postura secular” será utilizada neste artigo, por praticidade, como sinónimo de “não pertença religiosa” — muito embora a autora esteja a par de que essa é uma abordagem simplista. Uma vez que a secularização é um fenómeno processual, implicando a perda de influência da religião nas diferentes esferas da vida.

[2]A autora refere-se à Igreja Católica Apostólica Romana, mas para fins de simplificação do artigo será utilizado como sinónimo “Igreja Católica” ao longo do artigo.

[3]O “fundamentalismo religioso agnóstico”, a “acusação de racismo”, o “comunitarismo etno-religioso” e a “abertura inter-étnica”.

[4]Cerimónias quer vishnuítas quer shivaítas, oficializadas por um brâmane geral.

[5]Deusa negra que descia periodicamente sobre a mulher, que a incorporava.

[6]Sendo ambos esses crescimentos bastante menos significativos do que o crescimento dos protestantes/evangélicos, refira-se.

[7]Note-se que estes dados do Censos 2021 (INE, 2022) ainda não compreendiam uma eventual recomposição religiosa devida à receção inesperada de dezenas de milhares de refugiados ucranianos durante os anos de 2022 e 2023, em decorrência da invasão russa na Ucrânia iniciada a 24 de fevereiro 2022 e consequente Guerra Russo-Ucraniana.

[8]No Inquérito de 2019, os ateus e agnósticos eram maioritariamente “especialistas das atividades intelectuais e científicas”, tinham maior nível de instrução e faziam mais atividades de lazer (juntamente com os crentes sem religião), enquanto os indiferentes tinham particularidades sociográficas mais próximas dos crentes sem religião e católicos (estes praticavam mais atividades religiosas), porém distantes dos ateus e agnósticos. Verificou-se uma correlação negativa entre o capital cultural e o universo religioso, substituído por atividades culturais e desportivas. 81,1% dos católicos afirmou só ter amigos católicos e 78% dos agnósticos declarou ter tido uma educação religiosa — quase 8% mais do que os próprios católicos, embora afirmassem ter “muito maior diversidade de amigos do que estes, em termos religiosos” (Teixeira, 2022, p. 198). Relativamente às crenças, atitude e valores, os crentes sem religião e católicos tendiam a acreditar num Deus revelado ou num poder superior, enquanto os indiferentes, agnósticos e ateus tendiam para uma mundividência panteísta (identificação de Deus com a natureza), para compreender Deus como invenção humana e para resistir à ideia da reincarnação. Observou-se a “mesma divisão em dois grupos para questões sobre valores mais seculares” (opinião sobre ciência, democracia e eutanásia) (Teixeira, 2022, p. 203).

[9]Aqui encarada como aquela que postula que a ética deverá sobrepor-se “aos dogmas particulares” (pois só a tolerância e a fraternidade, a liberdade e o respeito podem garantir a própria diversidade das práticas religiosas e o convívio inter-religioso pacífico) e que visa “resgatar a espiritualidade, como dimensão legítima da experiência humana e necessária à completa realização do ser” (Incontri & Bigheto, 2005, p. 50).

[10]Como o reiki, a yoga, a cura prânica, o shiatsu, a ayurveda, a terapia interdimensional, entre outras — influenciadas pelo hinduísmo, budismo, taoismo e xintoísmo. E frequentemente conectadas à adoção de estilos de vida saudáveis (que incluem dietas como o vegetarianismo, veganismo ou macrobiótica, destinadas a “sutilizar o corpo físico”). Uma vez que estas filosofias, fortemente influenciadas e.g. pelo hinduísmo, postulam a existência, para além do corpo físico, do chamado duplo etérico, corpos mental, emocional, espiritual e astral.

[11]São já múltiplos os lugares de encontro e partilha coletiva associados a toda uma paleta de espiritualidades e crenças, sobretudo na AML. Justificar-se-ia uma investigação empírica mais aturada dessas formas de vivenciar a espiritualidade.

[12]E algumas praticam uma espécie de “modernização urbana” do chhaupadi, isolando-se em quartos, dormindo separadas dos maridos, ou não frequentando outras áreas da casa durante o período menstrual.

[13]Itens comuns utilizados nas pujas são: diya (lâmpada de óleo feita de argila ou lama, com um pavio de algodão embebido em óleo ou ghee), pavios de ghee, sinos, flores, incensos, cones, roli ou kumkum (pó vermelho com açafrão misturado — aplicado na testa), chawal (tipo de arroz longo cru), tilak, chandan (paus de sândalo), ídolos e havan samagri (uma mistura de ervas secas selecionadas, raízes e folhas mencionadas nos textos antigos, que é oferecida ao fogo para apaziguar os poderes divinos). No hinduísmo, a puja é um trabalho Satvik (sattva é um dos três gunas — qualidades ou tendências —, juntamente com rajas e tamas; sattva representa equilíbrio, harmonia, bondade, pureza, o luminoso).

[14]Isto deve-se ao fato de muitas mães e avós assumirem para si o papel de guardiãs das tradições religiosas e familiares, questionando a hegemonia masculina. Mas com alguma ambivalência na negociação dos papéis de género, i.e. reproduzindo, muitas vezes, padrões que já não servem às filhas – tal como descrito por Lourenço (2009, 2021) para as hindu gujaratis na AML.

Autores: Alexandra Pereira