N.º 35 - August 2024
José Soares Neves
FUNÇÕES: Concetualização, Aquisição de financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do projeto,
Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte) e
Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC)
Avenida das Forças Armadas, 40, Edifício 2, Gabinete D306, 1649-026 Lisboa, Portugal
E-mail: jose_soares_neves@iscte-iul.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6472-4337
João Trocado da Mata
FUNÇÕES: Concetualização, Análise formal, Aquisição de financiamento, Investigação, Supervisão,
Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte) e
Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC)
E-mail: joao.mata@iscte-iul.pt | ORCID: https://orcid.org/0009-0005-9106-5882
Mariana Oliveira Martins
FUNÇÕES: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Redação do rascunho original,
Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte) e
Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC)
E-mail: mariana_oliveira_martins@iscte-iul.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2420-9995
Miguel Ângelo Lopes
FUNÇÕES: Concetualização, Curadoria dos dados, Investigação, Redação — revisão e edição
AFILIAÇÃO: Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte) e
Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC)
E-mail: miguel.lopes@iscte-iul.pt | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2163-4796
Resumo: O artigo que agora se apresenta tem como intenção caracterizar os contextos institucionais da mediação leitora, assim como analisar e discutir as práticas de promoção da leitura no sistema de ensino não superior. Adota a Sociologia da leitura como contributo teórico referencial, nomeadamente o conceito de prática de leitura, entendida e perspetivada como prática cultural, de lazer, não diretamente relacionada com obrigações e deveres escolares. A base empírica é qualitativa, documental e de entrevistas semidiretivas a 11 mediadores em contextos profissionais das áreas da educação, incluindo bibliotecas escolares, e da cultura, em especial bibliotecas públicas. São inventariados e analisados os quadros, contextos e atividades de exercício da mediação leitora, refletindo sobre os recursos e referenciais disponíveis para o exercício dessa função, designadamente, a formação específica que existe, diretrizes políticas no que à promoção de leitura diz respeito e a influência de instrumentos políticos de longa duração. A mediação leitora ocorre em diversos contextos institucionais desempenhando professores, bibliotecários e mediadores independentes um papel crucial. Os resultados do estudo mostram a necessidade de clarificação das orientações sobre a formação, funções e competências dos mediadores, bem como a inclusão das suas perceções e experiências na construção das políticas públicas.
Palavras-chave: Sociologia da leitura, mediação leitora, promoção da leitura, políticas públicas.
Abstract: The article presented here aims to characterise the institutional contexts of reading mediation, as well as to analyse and discuss practices for promoting reading within the non-higher education system. It adopts the sociology of reading as a theoretical reference, particularly the concept of reading practice, understood and viewed as a cultural and leisure practice, not directly related to school obligations and duties. The empirical basis is qualitative, consisting of documents and semi-structured interviews with 11 mediators working in professional contexts within education, including school libraries, and in culture (public libraries). The frameworks, contexts, and activities involved in reading mediation are inventoried and analysed, reflecting on the resources and references available for carrying out this role, particularly the specific training that exists, policy guidelines regarding reading promotion, and the influence of long-term political instruments. Reading mediation takes place in various institutional contexts, with teachers, librarians, and independent mediators playing a crucial role. The study results highlight the need to clarify the guidelines regarding the training, roles, and competencies of mediators, as well as the inclusion of their perceptions and experiences in shaping public policies.
Keywords: Sociology of reading, reading mediation, reading promotion, public policies.
Introdução[1]
Com este artigo pretende-se identificar os contextos institucionais da mediação da leitura e as práticas de promoção da leitura junto dos estudantes do sistema de ensino não superior, em programas de políticas públicas. O referencial teórico é a sociologia da leitura, em particular o conceito de prática de leitura como prática cultural não diretamente relacionada com a leitura e as obrigações escolares (Clark & Rumbold, 2006; Clark & Teravainen, 2017; Kucirkova & Cremin, 2020; Lopes et al., 2021) dos estudantes no ensino obrigatório (Lahire, 2004) em Portugal. A análise centra-se nos mediadores da leitura como grupo específico de medidores ou intermediários culturais (Griswold & Wohl, 2015; Igarza, 2021; Lázaro, 2009; Petit, 1999) nos contextos profissionais e institucionais da educação, incluindo as bibliotecas escolares, e da cultura, em especial bibliotecas públicas, e nas suas atividades (Alçada, 2021; Martinho, 2013; Neves & Lima, 2009; Neves et al., 2008).
Começa-se por abordar os conceitos de mediação e de intermediário cultural, de modo a situar os conceitos, mais restritos, de mediação leitora e promoção da leitura, em seguida desenvolvidamente discutidos, com destaque para os tipos e contextos de mediação leitora. Após situar a metodologia adotada, qualitativa, de análise documental e entrevistas a 11 mediadores, apresentam-se os resultados do estudo empírico. Em concreto, reflete-se sobre os contextos profissionais, os recursos e referenciais disponíveis para o exercício da função, designadamente a formação específica que existe, as diretrizes políticas, as atividades de promoção de leitura e em específico os efeitos dessas atividades realizadas no quadro de instrumentos políticos como a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP) e o Plano Nacional de Leitura 2017-2027 (PNL2027). Termina-se com uma síntese das principais conclusões.
Mediação, mediação cultural
O conceito de mediação, quando trabalhado no âmbito das artes e da cultura, guarda um pouco do significado primeiro da palavra, no sentido de intervenção ou interferência de uma pessoa ou entidade entre pessoas ou grupos, de algo que está entre duas coisas. No caso da mediação das artes e da cultura, a intervenção diz respeito a vários processos que visam a aproximação e encontros entre indivíduos e obras de arte (Martinho, 2013), ou, na perspetiva do sistema da arte, entre a criação/produção e a receção/consumo (Melo, 2001).
Segundo Igarza (2021), a mediação é o conjunto de ajudas ou apoios que uma pessoa pode oferecer a outra com a finalidade de tornar mais acessível um determinado saber. No que diz respeito à pedagogia, a mediação consiste em determinar e facilitar as formas que um objeto de aprendizagem deve adotar para ser acessível ao sujeito.
No âmbito das indústrias culturais inclui atividades de agentes que trabalham entre a produção e o consumo de bens culturais, moldando o gosto dos consumidores, como editores, estúdios de cinema, donos de galerias e críticos (Bourdieu, 1979a). Algumas práticas de mediação cultural são a seleção, a cocriação/edição, o networking, as vendas, a distribuição, a avaliação e a proteção de direitos (Janssen & Verboord, 2015).
(Novos) Intermediários culturais
Os intermediários culturais são pessoas que podem ser consideradas elos determinantes na cadeia “criação-manipulação-transmissão de bens simbólicos de valor preponderante” (Bovone, 1997, p. 105). Seguindo a perspectiva de Bourdieu (1979a), Bovone considera que os intermediários culturais funcionam como transmissores do gosto das classes superiores, do bom gosto, construindo valor pois enquadram a forma como outros se relacionam com os bens culturais, afetando a orientação dos indivíduos em relação a esses bens, legitimando-os. Estes intermediários têm impacto sobre “o que” e “quem” é legítimo, desejável e digno, e também sobre o que não o é.
As formas como o valor é construído, adicionado e circula não se restringem aos intermediários culturais, os diversos atores do campo podem ter alguma participação na formação de valor, mas o trabalho dos intermediários culturais tem uma especialização profissional, portanto diferenciam-se dos demais pelas suas reivindicações explícitas de especialização em gosto e valor dentro de campos culturais específicos.
A literatura sobre o tema dos intermediários ou mediadores culturais releva uma pluralidade de definições e de funções, por ser uma ocupação relativamente recente e ainda em processo de reconhecimento, de forma que a mediação cultural pode ser vista mais como um “grupo ocupacional” do que como uma profissão, “entre outros fatores, por não haver formação específica fornecida pelo sistema de educação” (Martinho, 2013, p. 427). Por carecerem de marcas profissionais estabelecidas, os intermediários culturais investem numa abordagem vocacional do seu trabalho. Essa reivindicação de autoridade baseada no seu capital profissional e cultural é que os diferencia de outros atores envolvidos na cadeia de produção e transmissão de bens culturais. Segundo Bovone (1997), é o capital cultural incorporado (disposições, atitudes, gostos) dos intermediários culturais que legitima a sua posição enquanto taste makers, e não tanto o seu capital institucionalizado (diplomas e títulos académicos) (Bourdieu, 1979b).
Mediação leitora e promoção da leitura
Dentro da mediação cultural, encontra-se a mediação leitora — o conjunto de atuações que procuram colocar as pessoas em contacto com os materiais de leitura nas melhores condições possíveis (Lázaro, 2009) — que na área da prática profissional vem conhecendo uma atenção crescente nas políticas públicas culturais no cruzamento com as educativas. A mediação leitora, quando tomada tendo como objeto os jovens e o contexto escolar, tem assim uma dupla filiação setorial: na noção mais alargada de mediação cultural, nos seus diversos domínios, e na mediação em contexto educativo. Refere-se à prática de alguém mediar a relação entre o texto e o leitor, seja por meio da seleção e recomendação de leituras, da orientação na leitura e na compreensão de textos, ou da promoção de atividades que estimulem o interesse pela leitura (Petit, 1999).
Aqueles que têm como função intermediar a relação entre o texto e o leitor são os mediadores de leitura, e que, dependendo do contexto, podem ser educadores, bibliotecários, escritores ou editores, entre outros (Petit, 1999). São profissionais de nível intermédio, em relação direta com o público, são parte da classe leitora (Neves, 2015), ou seja, “fazem uma quantidade considerável de leitura nos seus tempos livres, leituras que não são necessariamente para o trabalho, os estudos ou a vida quotidiana” (Griswold & Wohl, 2015, p. 96). Na perspetiva destes autores “os membros da classe leitora têm consciência de si próprios, encaram a leitura como algo quase sagrado e incentivam as outras pessoas a ler mais. Neste aspeto, são evangelistas culturais” (Griswold & Wohl, 2015, p. 96).
A noção de mediação leitora relaciona-se proximamente com outras noções, contribuindo para as precisar: a de promoção da leitura, como o conjunto de atividades que visam elevar os níveis de compreensão do texto e da sua utilização quotidiana (literacia) ou ainda o enraizamento dos hábitos e práticas de leitura, entendidos como a leitura de textos, impressos ou não, em particular de livros, mas também de jornais e de revistas, que as pessoas fazem por prazer, por procura de informação, por interesse intelectual, como atividade de lazer (Clark & Rumbold, 2006; Clark & Teravainen, 2017; Costa et al, 2008; Kucirkova & Cremin, 2020; Lopes et al., 2021; Neves, 2011; Neves et al., 2008).
No contexto abrangente dos mediadores da leitura, torna-se necessário distinguir entre os mediadores não profissionais e os profissionais. No caso dos mediadores não-profissionais, os familiares e em especial os pais, podem ser evangelistas da leitura, mas para um pequeno conjunto de potenciais leitores, e não para o público em geral (Griswold & Wohl, 2015). Os membros profissionais da classe leitora trabalham no front line da educação e da cultura para “converter” pessoas, com o objetivo de as tornar leitoras. Podem ser professores (da escola ou da universidade), escritores, editores, publishers, jornalistas e bibliotecários. Nesta perspetiva, a noção de “evangelistas culturais” (Griswold & Wohl, 2015, p. 96) aproxima-se do conceito de street-level bureaucrats (Lipsky, 1969, 1980) no sentido em que ambos estão em contacto direto com o público e dispõem de autonomia de julgamento e de decisão (interpretando as orientações gerais), on-the-ground que influenciam os hábitos e gostos de leitura do público, neste caso professores, bibliotecários e livreiros.
Promoção e mediação da leitura são conceitos muitas vezes utilizados como sinónimos, mas que têm significados distintos, ainda que complementares. Pretende-se fazer uma abordagem desses conceitos de forma não só a fazer uma distinção entre eles, mas a mostrar como se complementam entre si.
O conceito de promoção da leitura foi aqui apresentado de forma sucinta como um conjunto de ações que visam elevar os níveis de literacia e a sua utilização no dia a dia, bem como a criação de hábitos e práticas de leitura (Costa et al, 2008; Neves et al., 2008). Entende-se que a promoção da leitura, na sua conceção mais restrita, engloba um conjunto de ações e políticas que visam fomentar os hábitos e práticas de leitura e ampliar o acesso aos livros. Nesse contexto, a promoção da leitura é entendida como uma esfera macro, relacionada com as tomadas de decisão e a criação de políticas que direcionam os esforços para incentivar a leitura de livros.
As políticas de promoção da leitura podem abranger desde a disponibilização de livros em bibliotecas públicas e escolares até à implementação de planos de leitura. Tais políticas são fundamentais para garantir o acesso à leitura e para criar condições favoráveis ao desenvolvimento de uma cultura de leitura (Griswold, 2001).
A mediação leitora, por outro lado, é uma abordagem mais pessoal que atua em contato direto com os leitores e (sobretudo) os potenciais leitores (Díaz & Rodríguez, 2019).
Esses mediadores podem participar nas políticas de promoção da leitura, desempenhando um papel específico ao serem o elo de ligação entre os leitores e os livros, ajudando-os a adquirir algum equilíbrio nas suas leituras, familiarizando-os com distintos géneros, com obras mais complexas e a leitura em novos suportes, no fundo, contribuir para a criação ou aprofundamento da relação com a leitura, seja com o objetivo de obterem maior conhecimento e/ou maior prazer ao ler (Díaz & Rodríguez, 2019).
Dessa forma, enquanto a promoção da leitura se concentra na elaboração de políticas e ações mais abrangentes, a mediação da leitura atua de maneira mais próxima e personalizada, estabelecendo de forma direta a conexão entre os leitores e a leitura. Ambas desempenham papéis essenciais na formação de leitores e na construção de uma sociedade mais leitora. A mediação leitora ocorre em diversos espaços, como bibliotecas, escolas e livrarias, e envolve a interação direta entre o mediador e o leitor. Esses mediadores têm a responsabilidade de despertar o interesse pela leitura, orientar na escolha dos livros adequados para cada indivíduo e promover atividades que estimulem a reflexão e o diálogo em torno das obras. É importante ressaltar que a mediação leitora pode assumir diferentes formas e cada tipo de mediação possui seus agentes e especificidades.
Tipos e contextos de mediação leitora
Embora na sua definição mais simples se refira aos processos que visam aproximar obras (e instituições) e públicos (leitores, em particular os mais afastados da leitura), as definições, os objetivos, os contextos e os agentes podem variar. A partir da bibliografia existente sobre o assunto, procura-se sistematizar a variedade de dimensões e de mediadores que a mediação leitora abarca.
Essa sistematização começa com a já referida dupla filiação da mediação leitora, que se encontra na interseção entre e mediação da cultura e a mediação da educação. Importa ressaltar que, nesse binómio cultura e educação, também pode-se distinguir os tipos de leitura frequentemente referidos quando se fala de mediação leitora (especialmente em contexto escolar), são eles a leitura por prazer, por fruição e a leitura obrigatória, instrumental, o que evidencia uma multiplicidade de práticas entre os mais jovens (a leitura de lazer e a leitura como forma de atingir outros fins que não são apenas a fruição) (Lahire, 2004).
Entre os três tipos (ou contextos sociais) de mediação leitora, aborda-se neste artigo (Tabela 1) dois deles, os profissionais: a mediação bibliotecária e a mediação pedagógica (Igarza, 2021). Fica de fora da observação direta (porque a família está fora do âmbito do estudo, mas os mediadores também refletem esse contexto) a mediação familiar, ou seja, a que ocorre no ambiente doméstico e envolve frequentemente os pais ou responsáveis pelas crianças. Os mediadores familiares têm um papel significativo no estabelecimento do gosto pela leitura desde a infância ao compartilhar histórias, ler em voz alta para as crianças, discutir sobre os livros e proporcionar um ambiente rico em materiais de leitura.
Tabela 1 Sistematização mediação pedagógica ou docente e bibliotecária
Fonte: autoria própria.
A mediação bibliotecária tem como protagonistas os profissionais das bibliotecas. Esses mediadores são responsáveis por orientar e incentivar os leitores no acesso aos recursos disponíveis na biblioteca, seja por meio da seleção de livros adequados às preferências e necessidades individuais, seja por meio da promoção de atividades de leitura. A mediação pedagógica ocorre no contexto escolar e envolve principalmente os educadores. Os professores têm a importante tarefa de mediar as leituras obrigatórias, mas também de promover a leitura como uma prática significativa e prazerosa para os alunos.
Desempenham um papel fundamental na mediação leitora no que diz respeito ao acesso às obras e aos serviços das bibliotecas. Os bibliotecários, aqui em especial os que se ocupam das seções infantojuvenis (Rabot, 2015), são os principais agentes dessa mediação, atuando em diversos contextos institucionais, tais como bibliotecas públicas, bibliotecas municipais e bibliotecas escolares.
Os bibliotecários trabalham as múltiplas e abrangentes dimensões de mediação. A primeira dimensão refere-se ao acesso à biblioteca, que envolve atrair leitores e tornar o espaço físico acolhedor e acessível para os usuários, garantindo a disponibilidade de recursos e serviços, o que inclui a organização e a disposição adequada dos materiais, a criação de ambientes propícios à leitura e ao estudo. A segunda dimensão diz respeito ao acesso às obras. Os bibliotecários têm a responsabilidade de promover o acervo, garantindo a diversidade de títulos e géneros, garantindo a atualização constante das coleções e a manutenção de um catálogo eficiente para facilitar a busca e localização das obras. Além disso, devem auxiliar os leitores na escolha das obras adequadas às suas preferências e necessidades, fornecendo orientações e recomendações personalizadas.
A mediação bibliotecária procura conectar os leitores com os livros de forma a despertar o interesse pela leitura e enriquecer a experiência do utilizador. Importa ressaltar que existe uma diferença entre as atividades dos bibliotecários das seções de adultos e os das seções infantis/juvenis, que têm uma postura mais voltada para a animação em torno da leitura e, portanto, uma relação mais prolongada e próxima com os utilizadores (Rabot, 2015).
No desempenho de suas funções, os bibliotecários exercem uma variedade de papéis: oferecem polivalência e animação, atuando como facilitadores e estimuladores da leitura, realizam atividades culturais, como contar histórias, dinamizar clubes de leitura, encontros com autores e encontros temáticos, sempre com o objetivo de envolver os públicos e despertar ou desenvolver o gosto pela leitura.
Além disso, os bibliotecários desempenham funções de gestão de públicos, procurando entender as suas procuras e necessidades, direcionando serviços específicos para diferentes grupos, como crianças, adolescentes, adultos, idosos, entre outros. Eles são também responsáveis pela gestão de conteúdos e serviços, selecionando e organizando as obras, desenvolvendo programas de leitura, orientando os usuários na utilização de recursos digitais e promovendo ações de formação de leitores. A gestão de recursos é outra dimensão relevante, pois os bibliotecários administram o orçamento disponível para a aquisição de novos materiais, bem como garantir a conservação e preservação do acervo existente. Eles também desempenham a função de receção do público, prestando informações e esclarecendo dúvidas.
Já a mediação pedagógica tem como atores os professores, principalmente os professores de português e os professores-bibliotecários, que atuam no contexto da escola, na sala de aula e na biblioteca escolar, sendo de referir a articulação (ou colaboração) que estabelecem ou que podem estabelecer entre si estes atores.
As dimensões trabalhadas na mediação pedagógica envolvem o acesso à leitura e suas diferentes facetas. A primeira dimensão é a literacia, que diz respeito ao domínio das competências básicas de leitura e escrita. Os mediadores auxiliam os alunos na aquisição e desenvolvimento dessas competências, fornecendo estratégias e atividades que visam melhorar a compreensão e a produção de textos. A segunda dimensão é o acesso às obras, que busca garantir que os alunos tenham acesso a uma variedade de textos e géneros literários. Os mediadores incentivam a leitura de diferentes obras, selecionando materiais relevantes e adequados para cada faixa etária e nível de proficiência. Eles criam um ambiente propício à leitura, disponibilizando livros, revistas, jornais e recursos digitais nas salas de aula e na biblioteca escolar. Já a dimensão interpretativa envolve o auxílio dos mediadores na compreensão e interpretação dos textos para uma literacia da leitura (Alçada, 2021). Fornecem ainda orientação e estratégias para que os alunos possam explorar significados mais profundos nos textos, identificar temas, analisar personagens e refletir sobre mensagens e valores presentes nas obras literárias. A interpretação dos textos ajuda a ampliar o repertório de leitura dos alunos e a desenvolver competências críticas de análise.
A construção de gostos e hábitos de leitura é outra dimensão importante da mediação pedagógica. Os mediadores trabalham para despertar o interesse dos alunos pela leitura, incentivando o prazer de ler e a formação de hábitos de leitura regulares. Oferecem sugestões de leitura, recomendam obras que possam ser do interesse dos alunos, realizam discussões e atividades que estimulam a apreciação da leitura.
Dentro dessas dimensões de mediação, as funções dos mediadores pedagógicos são diversas: auxiliam os alunos na aquisição e desenvolvimento de competências de leitura e escrita, fornecendo suporte individualizado, orientação e feedback construtivo. Além disso, oferecem acesso interpretativo aos textos, ajudando os alunos a compreender e interpretar os conteúdos de forma mais aprofundada. Os professores também tratam as obras de forma didática, adaptando-as aos objetivos educacionais dos alunos. Eles selecionam materiais adequados, planeiam atividades e propõem questões que estimulam a reflexão e a discussão em sala de aula. A formação da receção crítica dos alunos é uma das metas dos professores, que procuram desenvolver nos alunos a capacidade de analisar e avaliar os textos de forma autónoma e fundamentada.
O acompanhamento, orientação e diálogo são aspetos centrais da mediação pedagógica. Os professores estabelecem um relacionamento próximo com os alunos, acompanhando o seu progresso, oferecendo apoio individualizado, esclarecendo dúvidas e incentivando o diálogo sobre os textos e as experiências de leitura.
Além disso, estes mediadores têm a função de coativar o contexto da sala de aula com o espaço de leitura. Integram a leitura de forma transversal nas diferentes disciplinas, relacionando-a com os conteúdos curriculares e estimulando a interdisciplinaridade (Igarza, 2021). A colaboração entre os professores de português, os professores de outras disciplinas e o professor-bibliotecário é fundamental nesse processo para promover uma cultura leitora abrangente e significativa na escola.
Metodologia
A metodologia que constitui a base empírica deste artigo é qualitativa, documental e de entrevistas. A análise documental incluiu enquadramentos legislativos, documentos programáticos, planos estratégicos e dados estatísticos. As entrevistas foram realizadas com observadores privilegiados nos contextos atrás referidos. O objetivo desta fase foi obter informações aprofundadas sobre os contextos de intermediação e identificar as questões relevantes relacionadas com as orientações institucionais de mediação e promoção da leitura em Portugal.
Especificamente quanto às entrevistas, primeiramente foram definidos os objetivos e os temas relevantes para o estudo, a partir dos quais foi elaborado um guião de protocolo semidiretivo. O leque de 11 entrevistados/as inclui antigos responsáveis pelo Plano Nacional de Leitura, diretores de agrupamento de escolas e dirigentes no domínio das bibliotecas públicas e das bibliotecas escolares, professores, professores bibliotecários e mediadores independentes. As entrevistas foram conduzidas na plataforma Zoom (Archibald et al., 2019), entre outubro e dezembro de 2022, com a participação de pelo menos dois membros da equipa de investigação. A condução da entrevista ficou a cargo de um membro, enquanto os outros podiam complementar aspetos surgidos durante as declarações dos entrevistados.
É importante ressaltar que todas as entrevistas foram gravadas apenas após a obtenção de autorização expressa dos entrevistados. Posteriormente, as gravações foram transcritas e revistas para garantir a fidelidade às declarações orais.
Uma vez transcritas e revistas, as entrevistas passaram por um processo de codificação dos dados. Para isso, foram definidas dimensões, descritores e códigos específicos. Cada entrevista foi analisada de acordo com essa estrutura, a fim de identificar os temas relevantes e responder aos objetivos definidos.
Resultados
Contextos profissionais institucionais
Em grande parte, os mediadores da leitura entrevistados atuam em contextos institucionais como escolas, bibliotecas escolares e bibliotecas públicas. Desempenham diferentes funções, como professores de português, professores bibliotecários, bibliotecários escolares, bibliotecários de bibliotecas públicas e mediadores independentes, sendo que estes realizam atividades em vários contextos, para além de escolas e bibliotecas, sem uma ligação institucional específica.
Comecei como coordenadora da biblioteca, uma vez que nessa altura, ainda não estava criado o cargo de Professor Bibliotecário. Portanto, era professora, tinha as minhas turmas de francês e desempenhava o cargo de coordenadora da biblioteca (…) Depois, quando foi criado o cargo de Professor Bibliotecário, eu entrei logo no ano experimental, com uma turma e todo o restante horário que é de 35 horas, na biblioteca escolar. (Professora bibliotecária)
E então trabalho não só na escola, com as AEC’s [Atividades de Enriquecimento Curricular] como em todos os períodos não letivos, fins de semana e férias. Faço então as oficinas de arte, natureza e património, onde me insiro com os meus livros e as atividades são sempre feitas a partir de um livro. (Mediadora independente)
Eu represento a biblioteca (…), que é uma biblioteca de âmbito municipal. Portanto, não tem uma dependência estritamente municipal, ela é primeiramente uma unidade diferenciada cultural da Universidade (…), que entrou em regime do protocolo com o município e, portanto, temos uma gestão partilhada entre as duas instituições e vai daí que a (…) não é uma biblioteca municipal, é uma biblioteca que nós designamos por biblioteca de leitura pública. (Diretora de biblioteca pública)
Sou professora de português (…) nos últimos anos estou só com o 10º, 11º e 12º. Anos de Português do ensino regular, às vezes ensino profissional e também tenho umas horas aqui na biblioteca. (Professora de português)
Essas diferentes perspetivas e experiências dos mediadores refletem a variedade de papéis desempenhados na promoção da leitura e na gestão das bibliotecas, tanto nas escolas como nas bibliotecas públicas. Cada um contribui de maneira única para o estímulo à leitura e para o acesso à informação e ao conhecimento, desempenhando um papel essencial no desenvolvimento dos leitores e na promoção da leitura.
Formação específica existente e frequentada
Os entrevistados têm diferentes formações e percursos académicos, nomeadamente na área da educação, línguas, ciências da informação e ciências documentais. Os mediadores destacam a necessidade de mais formação específica na área de promoção e mediação da leitura e afirmam procurar especialização na área por meio de workshops e cursos livres.
Eu não tenho nenhuma pós-graduação, nem tenho nenhuma formação específica na área da biblioteconomia, nem de bibliotecas, mas tenho feito muitas horas de formação, porque todos os anos temos de fazer pelo menos 25 a 50 horas de formação. E tenho feito imensa formação todos os anos com as nossas coordenadoras concelhias e em outros centros de formação na área da leitura e não só da gestão de bibliotecas escolares. (Professora bibliotecária)
A biblioteca tem oferecido cursos breves nesta área da mediação da leitura, de contadores de histórias, de oficinas de leitura em voz alta, de dinamizações de práticas também de leitura em família e técnicas de leitura em família. (Diretora biblioteca pública)
Para os mediadores da leitura “o pessoal é necessariamente profissional” (Maguire & Matthews, 2012, p. 556), ou seja, os intermediários culturais têm o capital cultural incorporado como base para a sua credibilidade profissional. Griswold e Wohl (2015), ao falar sobre os “evangelistas da cultura”, afirmam que estes profissionais baseiam as suas agendas em interesses institucionais, identificações profissionais e também em preferências culturais pessoais. Confirmamos, então, a importância que as disposições pessoais, o habitus (o capital cultural incorporado) (Bourdieu, 1979a) têm não só na realização do trabalho dos intermediários, mas também na legitimação da sua função. Para os mediadores, especialmente professores e mediadores independentes, é importante referir o contato precoce com a leitura e o seu investimento na cultura, que é o que permite a aquisição de um certo capital cultural (mais literário do que científico), como validação da sua posição profissional (Rabot, 2015). Além de uma questão vocacional para o exercício dessa profissão, isso também aponta para uma falta de formação específica na área, o que faz com que a expertise profissional deste grupo seja o resultado, mais do que de estudos formais (capital cultural institucionalizado), das condições subjetivas do seu trabalho, do seu habitus (capital cultural incorporado) (Maguire & Matthews, 2012).
A nível de formação, eu gostava muito que houvesse mais nesta área. Faço leitura, vou aos festivais literários e, sempre que posso, frequento workshops. Portanto, tento sempre de forma autodidata, aprender mais sobre estas formas de leitura. (Mediadora independente)
Eram praticamente inexistentes as opções tanto a nível de carreira de disciplinas obrigatórias, como de disciplinas opcionais das formações na área da mediação ou da promoção da leitura. (…) Os bibliotecários das bibliotecas públicas aparecem com essa relevância, quando, na maioria dos casos, aquilo que é a formação de base nesse tipo de conhecimentos é praticamente inexistente. (Dirigente com cargo na área da leitura pública)
Estes excertos evidenciam a necessidade de uma formação especializada na área da promoção e mediação da leitura, tanto para profissionais que atuam em bibliotecas como para professores e para mediadores independentes. A procura por capacitação de forma autodidata ou por meio de workshops e cursos livres demonstra o comprometimento dos mediadores em aprimorar os seus conhecimentos para melhor realizar o seu trabalho, atender às necessidades dos leitores e promover o acesso à leitura de forma eficaz.
Orientações institucionais
No que diz respeito às orientações institucionais foram referidas sobretudo atividades e projetos propostos pelo PNL2027 e pela RBE, além da necessidade dos apoios financeiros para tais iniciativas. Destaca-se o modelo de avaliação da RBE, que traz orientações específicas a nível de promoção da leitura e sugestões de boas práticas e o facto de as orientações do PNL2027 serem voltadas principalmente para a leitura em contexto escolar.
Os tipos de atividades que nós fazemos são diversificados. (…) temos um trabalho muito centrado neste momento no âmbito do projeto Escola a ler, uma das medidas que foi proposta pela Rede de Bibliotecas Escolares em articulação com o Ministério da Educação. (Professora bibliotecária e professora de português)
Apesar disso, a biblioteca ocupa uma posição periférica em relação à escola. Pelo seu carácter obrigatório, a escola acaba por ser central nas políticas de educação, enquanto as bibliotecas públicas são vistas como secundárias. Como sugere Rabot (2015), essa visão não tem em conta o papel das bibliotecas como complemento da escola para jovens e adultos. É talvez nesse sentido que foi também destacada a importância de o PNL2027 dar maior atenção às bibliotecas públicas.
O PNL traçou muitas orientações para as bibliotecas escolares (…) isso fez-se também acompanhar com financiamentos e com um reforço orçamental. (…) Estas orientações dadas pelo Plano Nacional da Leitura, pela Direção-Geral do Livro, pelo próprio Ministério da Cultura, para mim, foram insuficientes. O Plano Nacional de Leitura também tem que estudar com mais detalhe estas questões das práticas de leitura nas bibliotecas públicas. (Diretora de biblioteca pública)
Em termos de Rede de Bibliotecas Escolares, temos o nosso standard de fatores críticos de sucesso (…) no domínio B, cujo foco é a leitura, temos dois grandes indicadores: que atividades é que eu faço de promoção da leitura e que atividades é que eu faço para melhorar as competências de leitura (…) vamos dando dicas do que é possível fazer: sessões de leitura, o encontro com escritores, participar em projetos de leitura [e] também de escrita. (Professora bibliotecária)
Com as iniciativas do Plano Nacional de Leitura (…) com os projetos que tem de leitura, tem vindo dinheiro para a escola (…) e sem grande trabalho, não é? Porque os projetos que a Rede de Bibliotecas financia são projetos muito pensados, estruturados, que exigem ali um trabalho de acompanhamento e monitorização. Muitos dos projetos do Plano Nacional de Leitura basicamente é comprar livros e pô-los nas mãos dos meninos. (Professora bibliotecária)
Essas informações ressaltam a importância das orientações e dos apoios oferecidos pelo PNL2027 e pela RBE para promover a leitura em contexto escolar. No entanto, é ressaltada a necessidade de uma maior atenção às práticas de leitura nas bibliotecas públicas e a busca por recursos além da simples distribuição de livros, visando a implementação de projetos mais estruturados e monitorados.
Atividades de promoção da leitura
Nas escolas e nas bibliotecas realizam-se diversas atividades para promover a leitura. Essas atividades podem ser idealizadas e organizadas pelas próprias instituições, como visitas de escritores e a popular “Hora do conto”. Além disso, também integram projetos do PNL2027 e da RBE como “10 minutos a ler”, “aLer+”, clubes de leitura e concursos literários.
Anteriormente, uma prática comum era a ficha de leitura, na qual os alunos redigiam um resumo da obra lida. No entanto, as abordagens mais contemporâneas procuram estimular os hábitos de leitura de forma mais dinâmica, como o referido projeto “10 minutos a ler”, projeto realizado nas escolas, no qual os professores dedicam dez minutos das suas aulas à leitura individual silenciosa, e o projeto “aLer+”, no qual os alunos são incentivados a ler todos os dias. Além desses projetos, as escolas também podem promover feiras do livro com descontos para facilitar o contacto com os livros e o acesso à leitura.
Durante muitos anos era a famigerada ficha de leitura, em que eles tinham de, por escrito, fazer o resumo da obra. (Professora de português)
Um dos projetos que temos com a biblioteca e que é fundamental é o “10 minutos a ler”. Isso é fundamental. À sexta-feira, os meus 10 minutos a ler, no meu dia, na minha disciplina à sexta-feira, ando com o saquinho dos livros, porque há alguns que não trouxeram, há sempre ali o saquinho dos livros. O “10 minutos a ler” é muito importante. (Professora bibliotecária)
A visita de escritores às escolas também é uma prática comum, na qual os escritores têm a possibilidade de promover as suas obras e interagir com os estudantes. A interação direta com um escritor permite que os alunos façam perguntas, participem nas discussões e compreendam melhor os aspetos da escrita e da leitura e também que vejam a literatura como algo que está ao alcance de todos, e não como algo distante e inacessível.
Lançámos um projeto de promoção da leitura que é o Ler mais, em que todos os dias os nossos alunos têm que ler. (…) agora estamos a promover feiras do livro, em que é possível adquirir livros a um preço com descontos. Cá nós promovemos muita vinda de escritores à escola, portanto, em que vêm promover um determinado livro. (Diretor de agrupamento de escola)
Como referido, são diversas as atividades de dinamização de bibliotecas, mas, entre elas, a atividade mais expressiva nas bibliotecas públicas é a “Hora do Conto”, seja na quantidade de bibliotecas que a promove, seja no número de sessões ou de participantes, como decorre de estudos (Neves & Lima, 2009). De acordo com o inquérito relativo ao ano de 2021 (Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas [DGLAB], 2022) às bibliotecas da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, trata-se de uma atividade realizada em 87% das bibliotecas, num total de 209 estabelecimentos, com 10.530 sessões e 272.519 participantes, valores que, como se evidencia no relatório, foram seriamente afetados pelo contexto pandémico uma vez que são cerca de metade dos registados em 2019 (DGLAB, 2022). No entanto, como destaca um entrevistado, apesar do alcance quantitativo da iniciativa, não parece ter correspondência no aumento significativo no número de empréstimos de livros, de leitores inscritos ou nos hábitos de leitura da população portuguesa.
A maior atividade que as bibliotecas públicas fazem em Portugal, segundo o nosso questionário estatístico, são “Horas do Conto”. São quase 70.000 “Horas do Conto” feitas em Portugal nas bibliotecas públicas, mas isso não se traduz, quer no aumento do número de empréstimos, quer no aumento do número de leitores inscritos, quer indiretamente nos famosos hábitos de leitura dos portugueses. (Dirigente com cargo na área da leitura pública)
Essas atividades procuram, portanto, estimular o prazer pela leitura, oferecer acesso facilitado aos livros e promover a interação com escritores, visando a formação de leitores mais envolvidos e críticos. No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados para alcançar uma maior transformação nos hábitos de leitura no sentido do desenvolvimento da cultura de leitura em Portugal.
Conclusões
A promoção da leitura como prática cultural entre as crianças e os jovens tem sido um objetivo presente nas políticas culturais e educativas em Portugal com uma espessura temporal alargada. Nesse contexto, o Plano Nacional de Leitura/PNL2027 destaca-se como o principal instrumento para alcançar esse objetivo. Essa abordagem enfatiza a importância de desenvolver o gosto pela leitura desde a infância, buscando torná-la uma atividade prazerosa e significativa para as novas gerações.
A mediação leitora é uma orientação que se materializa em diferentes contextos institucionais, abrangendo tanto o âmbito educativo, como escolas, planos curriculares e a RBE, quanto o âmbito cultural, incluindo as bibliotecas públicas. Nesses espaços institucionais, são realizadas diversas atividades de intermediação, nas quais atuam professores, bibliotecários e mediadores independentes. Esses atores desempenham um papel crucial ao proporcionar experiências enriquecedoras de leitura, estimulando a imaginação, a reflexão crítica e a aquisição de competências literárias.
Embora tenham sido definidas orientações nos diferentes contextos institucionais, é importante destacar que ainda falta um enquadramento específico adequado quanto à formação, às funções, competências e atividades a serem desenvolvidas pelos mediadores da leitura. A clareza nesses aspetos contribuiria para uma atuação mais efetiva e coesa por parte desses profissionais, permitindo uma abordagem mais estruturada e abrangente no fomento da leitura.
Nesse sentido, diversos estudos têm sido realizados em torno da promoção da leitura em Portugal, com o objetivo de avaliar e informar as políticas públicas nessa área (Costa et al., 2009, 2010, 2011, 2014; Lisboa et al., 2022; Neves & Lima, 2009). No entanto, é fundamental também ouvir os atores, como os mediadores profissionais, aqueles que estão diretamente envolvidos na prática da promoção da leitura. É necessário compreender como eles entendem o conceito de promoção da leitura, que atividades realizam com esse objetivo, os desafios e constrangimentos enfrentados nas suas práticas profissionais, bem como as sugestões e contribuições que podem oferecer para o desenvolvimento das práticas de leitura dos alunos (Mata et al., 2020, 2021).
Dessa forma, surge a relevância do inquérito por questionário. Uma abordagem extensiva, mas com pendor qualitativo, permitirá uma análise mais aprofundada das perceções, experiências e propostas dos mediadores profissionais. Ao envolvê-los nesse processo de pesquisa, será possível obter uma visão mais completa e diversificada sobre a promoção da leitura, contribuindo assim para a formulação de políticas e práticas mais efetivas e adaptadas à realidade atual.
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Data de submissão: 27/07/2023 | Data de aceitação: 10/08/2024
Notas
Por decisão pessoal, os/as autores/as do texto escrevem segundo o novo acordo ortográfico.
[1] Este artigo decorre da investigação Práticas de Promoção da Leitura: Inquérito aos Mediadores de Leitura em Portugal, promovida pelo PNL2027, com apoio mecenático da Associação de Restaurantes McDonald’s, em parceria com a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) e realizado no âmbito do Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC, CIES-Iscte), com o objetivo de caracterizar os mediadores da leitura e analisar as práticas de promoção da leitura direcionadas para os jovens dos 6 aos 18 anos a frequentar o sistema de ensino.
Autores: José Soares Neves, João Trocado da Mata, Mariana Oliveira Martins e Miguel Ângelo Lopes